terça-feira, 30 de junho de 2009

Os BRICs e a liderança diplomática do Brasil


Por Nehemias Gueiros, Jr. - do Rio de Janeiro


O efeito imediato da recente reunião dos líderes dos quatro países emergentes que formam o grupo denominado de BRIC foi uma recuada do valor do dólar em nível mundial, após a declaração do presidente russo Medvedev de que “para consolidar o sistema monetário internacional será necessário complementar o dólar com novas moedas de reserva”. Analistas especulam que o célere crescimento desses países projeta ao primeiro plano a incapacidade do dólar norte-americano de sustentar-se sozinho como moeda global de reservas e negócios por muito mais tempo. E não há dúvida de que a ascensão de Brasil, Rússia, Índia e China incomoda o poder econômico global atual, há séculos encastelado entre os países ricos da Europa e da América do Norte. A crise financeira desencadeada no segundo semestre de 2008 foi apenas o descerramento do véu que cobria um mercado podre de derivativos, especulação e fortuna fácil, em detrimento dos verdadeiros objetivos economia globalizada como a atual e o resultado não se fez esperar: brutal recessão em países antes considerados inquebráveis, uma forte guinada à esquerda em economias capitalistas com a estatização de grandes conglomerados multinacionais e desemprego em massa. Quem poderia prever esta situação? Ainda no primeiro semestre de 2008, marcado por forte crescimento econômico nos primeiros dois trimestres em quase todos os mercados, as agências internacionais de vigilância financeira global vaticinavam um ano bem-sucedido, de expansão e crescimento dos mercados internos das nações ditas industrializadas. O que se viu foi exatamente o oposto. Uma debacle sem precedentes, que culminou com falências, concordatas e fusões de vigorosas empresas multinacionais como a General Motors e a Chrysler.

Criado em 2001 pelo economista Jim O’Neill, do grupo Goldman Sachs, a partir de um relatório intitulado Building Better Global Economic Brics ou “Construindo Tijolos Econômicos Globais Melhores”o acrônimo BRIC resultou de um amplo estudo que analisou e projetou as economias de Brasil, Rússia, Índia e China até 2050, concluindo, sem qualquer exagero, que esse grupo de países pode efetivamente vir a representar a força econômica mundial dominante até lá, superando os PIBs do atual grupo do G8. E não seria mera especulação ponderar que uma vez alçado a esse posto de liderança, os BRICs certamente expandirão sua influência política, cultural e até militar sobre o resto do mundo. Segundo as projeções, o grupo deverá concentrar cerca de 40% da população mundial e um PIB de mais de 85 trilhões de dólares. Todavia, os BRICs ainda estão longe de constituir um bloco político como a União Europeia ou uma associação comercial como a ALCA ou o Mercosul, mas já ajustaram vários tratados e convenções de comércio e cooperação desde 2002 e lentamente sua influência econômica começa a ser sentida em organismos multilaterais como a OMC, o GATT e a OIT. Dentro de duas décadas, com a pressão do crescimento populacional, da escassez de água potável e da busca incessante por novas formas de energia, os BRICs figurarão entre os principais fornecedores de matéria-prima, alimentos, petróleo, tecnologia e mão-de-obra, além de produtos manufaturados e serviços. Somente o Brasil será capaz de alimentar mais de 30% da população mundial com carne bovina e soja, sem falar nos combustíveis renováveis e ecologicamente corretos como o biodiesel e álcool, além da água potável, da qual possuímos 25% das reservas mundiais. A Índia provavelmente irá ostentar a maior média de crescimento nas próximas décadas, tanto por sua grande população quanto pelos consideráveis investimentos que vem realizando em mão-de-obra e tecnologia. Deverá ocupar o 3º lugar do ranking até 2050 atrás de China (1º) e Estados Unidos (2º). É certo que todos esses números representam meras projeções e que os países emergentes, mais do que os ricos, estão muito mais sujeitos a revoluções e sedições internas e governantes corruptos, mas as possibilidades de se eliminar a linha divisória entre países pobres do sul e países ricos do norte são mais reais do que em qualquer período da História Moderna.

Naturalmente que esse quadro não significa que o entendimento entre os próprios países integrantes dos BRICs será tranquilo e sem incidentes, justamente por causa das grandes diferenças econômicas, políticas, culturais e militares que ostentam, mas nesse particular, o Brasil, apesar de apontar diversas contradições e objetivos até concorrentes com seus pares no grupo, desponta como a única nação capaz de liderar, com absoluta isenção, o diálogo com os países ricos e industrializados do Ocidente e o Japão. Somos o único país do grupo sem objetivos belicistas, não fazemos das armas o nosso baluarte de imposição política e cultural e não possuímos qualquer conflito de interesses ou relacionamento com nenhuma nação do planeta, enquanto Rússia, Índia e China professam ideologias confrontantes com os regimes ocidentais e são potências militares. A diplomacia brasileira, malgrado algumas gafes recentes no setor comercial, tem apresentado excelente resultado no desenvolvimento das nossas relações com o resto do mundo, ao passo que Rússia, Índia e China têm ainda grandes diferenças a equacionar com o mundo ocidental, especialmente os Estados Unidos, por força dos seus programas nucleares com fins militares e agendas políticas dissonantes do chamado mundo livre. Ao Brasil caberá um papel fundamental na transição dos BRICs de simples grupo econômico para uma aliança comercial e política capaz de influenciar e impor seus valores e culturas ao sistema monetário internacional, com o objetivo de conferir mais equilíbrio no âmbito das forças econômicas que controlam o mundo há mais de quatro séculos.

Nehemias Gueiros, Jr. é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Direito da Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e FGV-SP e da Escola Superior de Advocacia - ESA-OAB/RJ, consultor de Direito Autoral do ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados em Washington D.C. e sócio do escritório Duarte, Carvalho Neto, Gueiros & Prisco Paraizo Advogados no Rio de Janeiro.

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