Marcello Averbug |
Valor Econômico - 20/07/2011 |
A primeira, classificável como ultraliberal, considera superada a etapa na qual o banco exerceu, de forma quase exclusiva, o papel de agência de desenvolvimento e promotor de grandes projetos. Dada a atual existência de um sofisticado setor financeiro, essa corrente de pensamento advoga que tal papel deveria ser compartilhado, em maior proporção, com a banca privada. Uma ala desse grupo propõe até a privatização ou extinção do BNDES, sepultando assim qualquer resquício de financiamento direcionado e sob condições privilegiadas. Opondo-se a essa visão, a segunda corrente, aqui apelidada de "saudosista", defende o retorno ao antigo perfil de atuação do banco, que vem sendo flexibilizado desde o início da década de 90. É comum ouvi-la enaltecer: a) a intocabilidade do quase monopólio do BNDES no financiamento a projetos de grande porte; b) a preservação das linhas de crédito estimuladoras de investimento; c) as operação destinadas a reabilitar empresas hospitalizadas ou a "salvar" grupos nacionais de associarem-se a estrangeiros. Ademais, repudia o engajamento do banco no processo de desestatização da economia. Tempo para remodelar alguns traços de seu perfil de atuação e redefinir sua vocação desenvolvimentista. Discordo da primeira corrente pelo simples fato de nosso país ainda não poder abrir mão de financiamentos compatíveis com um esforço intenso e organizado de crescimento econômico e redistribuição de renda. Debilitar esse traço da personalidade do BNDES equivale a distanciar-nos de avançados níveis de desenvolvimento. Na verdade, uma das vantagens do Brasil sobre outras nações emergentes é dispor de um BNDES, fato reconhecido internacionalmente. Também descarto a maioria dos argumentos invocados pelos saudosistas pois eles demonstram falta de imaginação e viés conservador ao exaltarem a restauração de um papel que o banco cumpriu quando as realidades brasileira e mundial eram outras. A amplitude de alternativas inovadoras que permitem ao banco preservar sua personalidade diferenciada faz jus a uma abordagem mais criativa a respeito de seu destino. Convicto da persistência, ainda por muitos anos, de vasto espaço a ser preenchido por uma agência clássica de fomento ao desenvolvimento, acredito em uma terceira via, que chamaria de "evolucionista". Fundamenta-se na preservação do BNDES como ofertante de crédito direcionado e poderoso instrumento de políticas públicas. Isso, porém, nos moldes de uma economia em constante evolução e demandante de veloz aumento de competitividade. Como espinha dorsal dessa postura, figura a prioridade em atacar carências empresariais, econômicas, sociais e regionais de maior impacto sobre o desenvolvimento, embora menos providas de fontes de financiamento. Sob o ângulo empresarial, certos clientes tradicionalmente apoiados pelo banco já reúnem condições de captar recursos de outras origens, internas e externas. É motivo de orgulho para o BNDES o apoio concedido a empresas hoje consolidadas e de grande porte, assim como aos setores de infraestrutura, siderurgia, petroquímica, papel e celulose, mineração, bens de capital e muitos outros. Mas agora, alguns desses rebentos ganharam maioridade, o que os torna aptos a cuidar da própria vida. Observando os financiamentos do banco em função do porte das empresas apoiadas, constata-se a persistente presença daquelas de maior dimensão, muitas das quais assíduas frequentadoras dos guichês do banco e, também, gigantescas estatais como a Petrobras. Todas portanto com acessibilidade a outras agências de financiamento, nacionais e internacionais. E essa tendência acentuou-se no período 2001/2010: a participação das micros, pequenas e médias empresas no total dos desembolsos do BNDES era de 26,4%, no quinquênio 2001/2005, declinando para 23%, em 2006/2010. Sob os ângulos econômico e social, o BNDES possui competência suficiente para definir as prioridades, não se justificando entrar em detalhes. No entanto, vale a pena mencionar algumas evidências inadiáveis: a) setores diretamente vinculados à redistribuição social de renda, tais como educação, saúde, alimentação, saneamento, transporte coletivo e promoção social; b) inovação e capacitação tecnológica; c) empreendedorismo privado em áreas relevantes; d) segmentos de infraestrutura com pouco acesso a outros ofertantes de crédito; e) preservação ambiental. Quanto à ótica regional, o BNDES demonstrou, no período 2003/2010, sensibilidade ante a clássica preocupação brasileira com respeito às regiões Norte e Nordeste. O melhor método para avaliar o grau de atendimento regional é pela relação desembolso BNDES/PIB, por região. A evolução desse indicador revela-se favorável ao conjunto Norte e Nordeste. Enquanto no período 2003/2005 os desembolsos do banco representaram 4,12% do PIB local, no período 2006/2008 (dados de PIB regional disponíveis apenas até 2008), essa relação subiu para 7,38%. Ainda assim, o peso do BNDES nas economias do Sul e Sudeste (S-S) é superior, movendo-se de 6,92% para 10,10% do PIB no período em foco. Porém, aumentou menos do que no conjunto Norte e Nordeste: 146,0% e 179,1%, respectivamente. A tendência favorável a Norte e Nordeste repetiu-se nos últimos três anos: entre 2007/2008 e 2009/2010, os desembolsos do BNDES cresceram de 191,4% no Norte e Nordeste e de 85,6% no Sul e Sudeste. Inspirada pela velha sabedoria de que certas crises geram oportunidades criativas, a sociedade brasileira deveria aproveitar o "affair" Pão de Açúcar para redefinir a forma de preservar a vocação desenvolvimentista do BNDES e, ao mesmo tempo, remodelar alguns traços de seu perfil de atuação. Marcello Averbug, ex-chefe do Departamento de Planejamento do BNDES e economista aposentado do BID. |
quarta-feira, 20 de julho de 2011
A propósito do BNDES
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