Há exatas duas semanas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes figurou em reportagem destacada na capa da revista Veja, segundo a qual ele e o ex-presidente Lula se desentenderam sobre o julgamento do mensalão, a ser iniciado em 1º de agosto. Surgiram versões conflitantes sobre o episódio, ocorrido no escritório do ex-ministro do STF Nelson Jobim, em Brasília. Hoje (sábado, 9), o ministro volta a estampar – desta vez na reportagem principal –, agora como protagonista de nova polêmica, a capa de outra revista de circulação nacional:CartaCapital, de linha editorial oposta àquela publicação. Intitulada “Cobras e lagartos” – na capa, “Fraude na escolinha do professor Gilmar” –, a matéria revela a ação judicial em que um ex-sócio de Gilmar Mendes no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) acusa o ministro de desfalque e sonegação fiscal.
Segundo o ex-procurador-geral da República Inocêncio Mártires Coelho, o ministro Gilmar Mendes é o responsável pela situação de pré-falência do IDP – que, criado em 1998 na casa do próprio Inocêncio, faturou mais de R$ 2,4 milhões, entre 2000 e 2008, com contratos firmados sem licitação com órgãos do governo federal. Em acusação formalizada na Justiça em 12 de agosto de 2010 – e que passou a tramitar em segredo de Justiça em abril de 2011 –, Inocêncio demonstra que Gilmar fez retiradas ilegais e desfalcou o caixa do IDP, sonegou impostos e exigiu “‘pedágio dos outros sócios para servir, como ministro do STF, de ‘garoto propaganda’ da instituição educacional. Tudo ao arrepio da Lei Orgânica da Magistratura, que veda aos juízes o exercício de outra atividade a não ser a de professor”.
Lembrando que Inocêncio, sócio-fundador do instituto, foi professor de pós-graduação de Gilmar Mendes na Universidade de Brasília, a reportagem de CartaCapital diz que o ministro agora quer atribuir ao ex-orientador a derrocada financeira do IDP, cujas contas apresentaram maus resultados em 2010. Antes da querela judicial, destaca a revista, o sócio-fundador era tratado por Gilmar nos anos 1990 como o “querido, respeitável e generoso professor Inocêncio”, como registra trecho da ação.
“Contra ele [Inocêncio] se uniram Mendes e o terceiro sócio, Paulo Gustavo Gonet Branco, procurador-regional da República. Formalmente, o ministro encabeçou o movimento para afastar o procurador aposentado da função [de sócio-administrador, cargo exercido desde a fundação do IDP], porque pretendia levar a cabo uma ‘reformulação empresarial’ no IDP após a instituição apresentar maus resultados financeiros em 2010. Na última década, o IDP havia se transformado em uma máquina de arrecadar dinheiro, beneficiado em boa medida por convênios com órgãos públicos”, diz trecho da reportagem.
A revista, que registra cópias de trechos do processo e de uma auditoria nas contas do IDP, destaca textualmente as acusações de Inocêncio. “‘Nalgumas (sic) vezes, quando alegava estar precisando de dinheiro para custear festas familiares cujas despesas excediam as forças do seu erário particular, o sócio Gilmar Mendes fazia retiradas mais significativas, na expectativa de acertos futuros, que, efetivamente, jamais ocorreram’. Em outras palavras, o ministro é acusado de dar desfalques na sociedade”, diz a revista, acrescentando que o ex-procurador-geral também acusa Gilmar Mendes de montar um esquema de cobrança de comissões sobre patrocínios e eventos fechados com o IDP.
“Quadro desolador”
Sobre a auditoria, concluída em 18 de outubro de 2010 por uma consultoria do Rio de Janeiro, a matéria registra que revelou-se “um quadro desolador nas contas do instituto, ao contrário daquilo que o ministro costuma propagandear entre seus pares e pela pena de jornalistas amigos. Em 2008, Mendes havia colocado no cargo de diretor-geral um coronel da Aeronáutica, Luiz Fernandes, que se mostrou um desastre administrativo. Quando descobriu o tamanho do buraco deixado pelo auxiliar, jogou a responsabilidade no colo de Coelho”.
A auditoria foi contratada pelo próprio Gilmar, e depois anexada por Inocêncio aos autos do processo – ou seja, apensada como peça documental contrária ao próprio cliente. “De acordo com a auditoria, o que de mais grave ocorria eram as ‘remunerações extras’, eufemismo usado pelos auditores para as retiradas ilegais, conforme denunciou Coelho. [...] o valor pago como ‘remuneração bruta’ chegava a 14% da folha do instituto, e era feita ‘por fora’, ou seja, de forma criminosa, por meio da sonegação de impostos”, diz outro trecho da reportagem – cuja ilustração de capa, embora sob o gracejo do título alusivo à Escolinha do Professor Raimundo, do saudoso Chico Anysio, mostra um concentrado ministro Gilmar lendo algo no Plenário do STF, com a montagem de um capelo (chapéu de acadêmico) na cabeça.
Silêncio caro
Por fim, a revista revela que o ministro e o terceiro sócio do instituto, Paulo Gustavo Gonet, pagaram “exatos 8 milhões e 1 reais” para comprar as cotas de Inocêncio no comando societário do IDP, como forma de “sepultar o processo” e viabilizar a substituição de Inocêncio por uma administradora não sócia do instituto – possibilidade contestada pelo ex-sócio, mas em parecer defendida (encomendado como “peça de encomenda”, segundo a defesa de Inocêncio) pela Advocacia-Geral da União. Com o pagamento, acreditavam as bancas de advogados envolvidas na disputa judicial, o imbróglio seria abafado e o “silêncio” do ex-procurador-geral, assegurado.
CartaCapital diz ter procurado Gilmar Mendes para comentar o assunto, mas recebeu uma “nota lacônica” em nome da assessoria do IDP. Na resposta, diz-se que “irregularidades detectadas” pela auditoria foram devidamente “sanadas”. “[A assessoria] afirma ainda que os 8 milhões de reais pagos ao ex-sócio foram levantadas graças a um empréstimo bancário”, diz a revista, mencionando ainda que o empréstimo de R$ 3 milhões conseguido pelo ministro junto ao Banco do Brasil, em 2005, para construir o prédio do IDP veio de um fundo “destinado a estimular a produção de alimentos em zonas rurais”.
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