quarta-feira, 19 de maio de 2010

Acordo reflete ascensão das potências regionais emergentes


David Gardner e Delphine Strauss, Financial Times, de Londres e Ancara

Valor Econômico - 19/05/2010

O acordo propagandeado pelo Brasil e pela Turquia anteontem como uma possível solução para a controvérsia em torno das ambições nucleares do Irã ainda poderá revelar-se outro falsa esperança diplomática.

Mas, seja qual for seu desdobramento, o acordo reflete uma nova disposição de potências emergentes regionais em testar sua eficácia na chamada "diplomacia Sul-Sul" - e em relação às questões mais difíceis, que diplomatas ocidentais não têm conseguido superar.

A história sugere que potências emergentes frequentemente fracassam no terreno diplomático. A antiga iniciativa de países "não alinhados", inaugurada em Bandung, em 1955, pereceu nas engrenagens da Guerra Fria e de uma série de conflitos regionais.

Em nível regional, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) parece ter tão pouca capacidade ou inclinação de fazer algo a respeito de Mianmar quanto a União Africana em relação ao Zimbábue, países que vivem crises internas.

A Liga Árabe é impotente para solucionar conflitos em sua própria região e para dar aos árabes uma voz respeitada nos assuntos mundiais. O Tratado de Tlatelolco, de 1967, de inspiração mexicana, visando tornar toda a América Latina e o Caribe uma zona livre de armas nucleares, após a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, foi um raro sucesso.

Será que a iniciativa brasileira-turca envolvendo o Irã irá se revelar um outro êxito?

Tanto o Brasil, sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como a Turquia, sob o premiê Recep Tayyip Erdogan, começaram a tentar fazer valer seus pesos regionais e internacionais.

Lula e Erdogan lideram países confiantes, aliados ao Ocidente, mas não integralmente engajados nas agendas do Ocidente. Os dois são membros temporários do Conselho de Segurança da ONU.

Se o acordo com o Irã for remotamente bem-sucedido, ambos terão demonstrado que o mais alto fórum no mundo geopolítico não é apenas o P-5 - os membros permanentes do Conselho de Segurança e potências nucleares com poder de veto: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido.

A ativa política externa da Turquia no Oriente Médio, nos Bálcãs, no Cáucaso e na Ásia Central foi concebida tanto para reafirmar seu papel como potência regional como para desatar um impasse regional com alto potencial de combustão. O conflito em torno das ambições nucleares iranianas é somente uma parte disso, mas é visto por todos na região como um pavio potencialmente letal.

"Encontramos um nicho nessas áreas, e há pessoas aceitando o nosso papel. Isso nada tem a ver com a edificação de um império neo-otomano. Trata-se de obter estabilidade", afirmou Selim Yenel, subsecretário do Ministério das Relações Exteriores da Turquia.

A política do presidente americano, Barack Obama, de engajamento com o Irã - paralelamente à preparação de novas sanções como alternativa a um conflito armado -, paradoxalmente abriu caminho para essa nova iniciativa Sul-Sul.

Para os líderes iranianos, é mais fácil vender um acordo sob os auspícios do Brasil e da Turquia. Erdogan, em especial, é provavelmente o mais admirado líder muçulmano e, embora a Turquia seja membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, aliança militar liderada pelos EUA), o país também preside a Conferência Islâmica.

Autoridades turcas veem o acordo como uma prova do acerto de sua política de engajamento com o Irã.

"Não restou nenhuma incerteza, e o Irã demonstrou clara vontade política", afirmou ontem Ahmet Davutoglu, ministro das Relações Exteriores turco e principal arquiteto, pelo lado turco, na elaboração do acordo. "Este não é um dia propício para turvar as águas com cenários negativos, como sanções."

Soli Ozel, cientista político da Universidade Bilgi, em Istambul, disse que as novas iniciativas de potências emergentes são "um sinal dos tempos, um sinal de que o mundo não vai aceitar as imposições das potências que o comandaram nos últimos duzentos ou trezentos anos ".

Nenhum comentário: