quinta-feira, 20 de maio de 2010

Lula:Brasil quer mais poder na cena global


Assis Moreira, Talita Moreira e Marília de Camargo Cesar, de Madri


Valor Econômico - 20/05/2010


O Brasil quer conquistar no cenário político internacional a mesma relevância que vem ganhando na economia mundial, ao crescer a taxa anual que se aproximou de dois dígitos no primeiro trimestre, enquanto os países desenvolvidos, principalmente da Europa, ainda tentam encontrar saídas para a crise. Esse foi, em resumo, o recado deixado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua passagem de dois dias por Madri.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva questionou ontem o papel dos Estados Unidos como "xerife" no Oriente Médio, avisou que o Brasil aspira ser "um grande ator político internacional" e sinalizou que sua mediação no Irã é uma etapa dessa estratégia.

Ao participar do seminário "Brasil: Parceria para uma Nova Economia Global", organizado pelo Valor em parceria com o jornal espanhol "El País", em Madri, Lula repetiu que o Brasil é "um país sério", que se tornou "previsível" em relação às regras do jogo, faz parte do restrito grupo de emergentes que vai liderar o crescimento mundial e quer assumir responsabilidades na governança global.

O seminário foi estruturado para explicar as oportunidades de investimentos no Brasil. Mas o auditório já parecia conquistado pelo desempenho econômico do país. A mediação do Brasil e da Turquia junto ao Irã, com um acordo inicial para evitar sanções envolvendo o programa nuclear de Teerã, acabou sintetizando o novo papel do Brasil na política global.

Pouco antes, em café da manhã com representantes dos dois jornais, Lula reiterou que a relação com o presidente americano Barack Obama é "intocável" e que a relação com os EUA sempre vai ser boa, mas deixou claro que o Brasil procurará o espaço que considera ter direito na cena global.

Para Lula, a reação americana ao acordo que o Brasil e Turquia arrancaram do Irã, para tentar brecar a escalada de tensão no Oriente Médio, não chega a surpreender. "Ninguém gosta de novo ator, mas quem diz que os EUA devem ser o xerife do Oriente Médio e do mundo?"

"Os EUA não podem ver nossa mediação (no Irã) como um confronto, mas como uma conquista, porque eles é que deveriam ter conversado com (o presidente iraniano) Ahmadinejad", acrescentou.

Lula reclamou que novos atores na cena global são considerados como intrusos pelo "clube" que controla o Conselho de Segurança das Nações Unidas, espécie de diretório político do planeta, baseado na geopolítica de 1945, quando Churchill, Stalin e Roosevelt decidiam o destino do mundo em torno de "uma garrafa de uísque".

Mas avisou que isso precisa mudar rapidamente. O presidente francês Nicolas Sarkozy revelou a Lula que vai propor em reunião do G-20, em junho, em Toronto, que a reforma do Conselho de Segurança ocorra até o fim do ano.

Para Lula e outros emergentes, é a fragilidade política das Nações Unidas que deixa "só um país" tentando resolver todos os problemas a sua maneira, às vezes de forma unilateral. "É preciso mais atores e nova governança global", conclamou.

Durante o seminário com a presença de presidentes de companhias espanholas, um dos debatedores, o secretário-geral da Iberoamericana, Enrique Iglesias, afirmou que ""o êxito do Brasil se reflete em vários campos e o país não pode deixar de participar de nenhum tema político e econômico global". Na mesma linha, o ex-presidente do governo espanhol, Felipe Gonzalez, destacou uma configuração diferente do mundo. E que não é gratuito o fato de o presidente Lula estar de retorno do Oriente Médio, a linha de fratura que mais preocupa hoje o mundo. "Antes quando se falava de opinião pública e comunidade internacional, se referia aos EUA e à Europa. Hoje, a comunidade internacional é outra coisa e o Brasil está dentro", afirmou.

O fato que mais reflete a situação do Brasil hoje, na avaliação de Gonzalez, é que ele "se transformou em país previsível, que respeita as regras do jogo, ganhou em eficiência e eficácia, e buscou fórmulas de boa cooperação, como parcerias público-privadas".

Javier Solana, ex-alto representante da União Europeia para relações externas, disse que o Brasil "é um dos países que mais conseguiram mudar internamente sua situação, e ter um papel internacional é inevitável, não pode se furtar a isso".

Carlos Solchaga, ex-ministro de economia da Espanha, apresentou o Brasil como um dos melhores exemplos da globalização. Destacou que ele faz parte dos países com reformas, mas não viradas bruscas, bom manejo do governo e uma oposição prudente. Para ele, o que mais tem contribuído até agora para o desempenho do Brasil é uma gestão da política macroeconômica absolutamente impecável e o fato de Lula ter enterrado a ideia de que um sindicalista na presidência poderia levar a situações econômicas desastrosas.

Em sua exposição recheada de cifras, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, destacou que os países emergentes, especialmente os chamados Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), serão responsáveis por dois terços do crescimento econômico mundial nos próximos cinco anos.

A avaliação dele é de que esse conjunto de países vai crescer a taxas anuais de 5% a 5,5% e o Brasil vai avançar de maneira sustentável, sem descontrole da inflação ou dos gastos públicos. Foi a vez de Mantega reclamar dos países industrializados. Para ele, a crise grega pode retardar a recuperação europeia, mas "não há por que não ter confiança" na melhora da economia desses países.

O ministro reafirmou que a previsão da Fazenda é de um aumento de 6% do PIB brasileiro neste ano. "É uma visão conservadora. Banqueiros e empresários estão esperando mais", ressalvou. "O desempenho da economia brasileira se deve à nova política econômica. É um erro dizer que houve manutenção da política econômica em relação ao governo anterior", afirmou Mantega. "O Brasil entrou em um novo patamar, um novo tipo de crescimento, que gera mais empregos propositalmente. Combina ação econômica com ação social", disse.

O ministro estimou que a taxa de desemprego deve terminar o governo Lula em torno de 6%, o que "no Brasil significa praticamente pleno emprego", afirmou. "Quando a crise atingiu o Brasil, foi muito mais fácil nos desfazermos dela". Como exemplo citou a previsão de que o país deve gerar neste ano um total de 2 milhões de empregos.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, destacou as oportunidades de investimentos no Brasil. São projetos de cerca de R$ 1,5 trilhão, indo desde o trem-bala até a exploração do pré-sal, o PAC 2, a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. "O Brasil é um canteiro de obras", disse.

"O Brasil está reaprendendo a fazer investimentos", afirmou. Pouco depois, o presidente Lula disse que o último governo que tinha feito investimentos importantes, mas endividado o país, fora o do general Ernesto Geisel.

O presidente Lula surpreendeu os executivos, acompanhando todo o seminário. Em sua intervenção, durante o almoço, ele aproveitou tanto para conclamar os empresários a continuarem investindo no Brasil e "ganhar muito dinheiro", como criticou a demora da Alemanha em aprovar o pacote de ajuda à economia da Grécia.

Segundo ele, a atitude alemã contribuiu para espalhar o pânico a outros países europeus. "Ontem, me disseram que a Alemanha dizia assim: " todo mundo sabe que eu quero ajudar a Grécia, mas só posso fazer isso no apagar das luzes"", contou Lula para a plateia. "Como isso é possível?", indagou. "Como pode a União Europeia, tão poderosa, levar três meses para aprovar esse pacote?" Lula lembrou que em três meses adotou todas as medidas necessárias no Brasil para enfrentar a crise.

O presidente insistiu na avaliação de que a crise econômica mundial não acabou e fez uma analogia com o vulcão islandês Eyjafjallajokull, que "todo dia solta um pouquinho de fumaça negra". Para Lula, países como Grécia e Espanha estão sofrendo mais que outros países europeus porque são menores. Disse ainda que o primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodrigues Zapatero, está pagando por uma crise que não é dele. Zapatero tem sido duramente criticado pela oposição e por sindicatos porque, na semana passada, anunciou a redução de gastos, inclusive um corte de 5% no salário dos funcionários públicos.

No encerramento, Lula procurou tranquilizar o empresariado espanhol de que nada vai mudar fundamentalmente na política econômica brasileira, seja quem for seu sucessor. "Nunca tivemos uma campanha tão tranquila quanto agora. Não vejo nenhum jornal e nenhum empresário preocupado com quem vai ganhar", disse. De acordo com Lula, embora haja diferenças entre os candidatos, é impossível o Brasil retroceder.

Ele reafirmou a "convicção" de que vai eleger sua candidata, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Porém, destacou que Marina Silva (PV) trabalhou em seu governo "até ontem", e que o candidato do PSBD, José Serra, é "amigo de todos aqui".

"Essa é a novidade no Brasil. Esses meninos sabem que não podem errar. O Brasil é o país da hora, é o país da vez", disse Lula, terminando sob fortes aplausos.

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