Foram essas as palavras da minha vó quando terminou o debate da Bandeirantes. Ela se levantou com dificuldade, vestiu os chinelos e foi para a cama balançando a cabeça negativamente e abanando o leque para espantar o calor. Eu fiquei pensando o que ela queria dizer. A vó ficou o tempo todo atenta ao debate, às vezes combatendo um cochilo breve que a voz do Boechat acordava: "Agora é sua vez, candidata!" Quando ela se levantou eu ainda perguntei: "como assim?". A vó parou, olhou pra mim, levantou o punho magro, fechado na altura do peito e disse: "Falta tutano, entendeu? É um osso sem tutano. Não dá nem sopa". E foi dormir.
Eu fiquei pensando ali na sala, já com a TV desligada. Devagar, realinhando os fatos, a falta de "sustança" do moço foi ficando clara. O PSDB passou os últimos quatro anos ouvindo a própria voz. Como o governo Dilma não teve espaço na mídia para divulgar o que fazia e houve uma sistemática orquestração da própria mídia, foram quatro anos de propaganda contra: esse governo nada fez, a economia está aos frangalhos e a corrupção é sua marca.
Na outra ponta desse movimento oposicionista, dos governos tucanos pouco se ouviu de más notícias. O pacto de proteção em torno de Alckmin em São Paulo, em que pese o descalabro na educação, a precarização da polícia e a crise dos trens do metrô, produziu sua reeleição. Em Minas o próprio Aécio amordaçou a mídia.
O resultado desse duplo movimento oposicionista-midiático foi a criação de uma lenda: o PSDB é composto de técnicos e políticos de alta competência, e o PT de sindicalistas incompetentes e corruptos. Os governos tucanos são uma maravilha, o governo Dilma um descalabro. Simples assim. O PSDB lançou Aécio acreditando cegamente na própria lenda: "vamos combater um governo que nada fez e está infestado de corruptos. Ponto. Aécio, ao contrário, tem aprovação de 92% dos mineiros. Vai ser um passeio".
A história começou a mudar quando o silêncio foi rompido por força de lei. Começou o horário eleitoral e Dilma teve onze minutos três vezes por semana, pela tarde e pela noite, para poder apresentar tudo que havia sido escondido e defender seus projetos. Contra a ascensão de Marina, Dilma mostrou a inconsistência das suas propostas e reafirmou as suas. A propaganda de Dilma tinha - e ainda tem - consistência e articulação política e administrativa. Tem o que apresentar. Tem história. Tem realização. Tem projetos articulados. Dilma teve a ousadia de colocar em debate a questão da independência do Banco Central e apontar as indefinições de Marina. A candidatura sonhática desmoronou.
Passado o susto da ascensão de Marina, os herdeiros da campanha anti-Dilma carrearam seus esforços para Aécio e conseguiram levá-lo ao segundo turno. Aécio segue o script e começa o segundo turno no mesmo tom de início, ainda acreditando na lenda que ajudou a criar. "Vamos libertar o país do PT!" O verdadeiro projeto do PSDB não pode ser apresentado, porque só os votos das elites do país não elegem ninguém. Mas aí é que vem o problema: agora o confronto é zero a zero, igual para igual, um projeto contra outro, olho no olho. São dez minutos todos os dias que cada candidato tem para divulgar suas ideias.
Entusiasmados com a ascensão de Aécio, o movimento oposicionista-midiático saca sua arma letal: corrupção na Petrobrás na capa da Veja. Dado o tiro, as pesquisas Ibope e DataFolha vão a campo para conferir mortos e feridos. Surpresa! Não há mortos e feridos. Ao contrário, a aprovação de Dilma subiu.
A lenda que foi construída está se liquefazendo, porque a mordaça de silêncio foi quebrada graças à legislação eleitoral. Claro, e à competência da campanha de Dilma. Assim como Marina no primeiro turno só podia recorrer à emoção para tentar suplantar Dilma – que respondeu com a racionalidade das suas propostas, realizações e projetos – Aécio agora só tem para apresentar as denúncias de corrupção e a crítica à política econômica, porque não construiu um projeto que conseguisse abarcar sua linha neoliberal e tivesse algum apelo popular – não sei como faria isso, mas o fato é que não construiu porque acreditou nas próprias palavras repetidas durante os quatro anos. O próprio Financial Times, porta voz do capital financeiro, irritado com o desempenho de Armínio Fraga nos debates, recomendou ao PSDB que procurasse desfazer a ideia, consolidada no povo simples, de que o que é bom para o mercado, é ruim para o povo, alertando que "estamos numa guerra pelo segundo maior mercado emergente do mundo".
Para agravar o quadro da candidatura Aécio, agora a sua gestão à frente de Minas está sobre a mesa, com todos os holofotes em cima e sem a mordaça da mídia. Os 92% de aprovação alardeados pelo candidato viraram a derrota para Dilma no 1º turno: "quem conhece Aécio vota Dilma!" Todo dia, um após o outro, o PSDB é obrigado a ver a campanha de Dilma contar verdades que desconstroem a lenda que eles construíram.
Para compensar a falta de propostas e projetos concretos, Aécio tem usado o velho recurso da lábia política, a facilidade em responder perguntas difíceis, enquanto Dilma mostra irritação, cara feia, chega a gaguejar de raiva. Mas foi justamente isso que minha vó sentiu, com seu faro para as coisas da vida. Faltou "sustança" ao moço. Mas ela viu em Dilma a "sustança" e o "tutano" que o moço não tem. Aliás, quando a vó fica brava com alguma coisa errada, parece com Dilma.
Artur Scavone
Jornalista e estudante de Filosofia na USP
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