segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

MADOFF, O VIGARISTA QUE VENDEU O MUNDO

21 DE DEZEMBRO DE 2008


Poderia haver um fim mais apropriaqdamente terríveI para o pior ano do capitalismo americano desde a Grande Depressão? O esquema operado por Bernard Madoff, outrora um homem acima de qualquer suspeita em Wall Street, não é só uma das maiores fraudes - talvez o maior - na história dos EUA. É também uma metáfora perfeita para os males e excessos que o sistema financeiro trouxe ao país e sua economia nos miseráveis dias que correm.

Por Rupert Cornwell, correspondente em Washington do jornal britânico The Independent


Madoff, em seus tempos de celebridade Desde a prisão do escroque em 11 de dezembro, cresce cada vez mais a lista dos engabelados pelas sempre pródigas promessas de retorno oferecidas aos investidores do Madoff Investment Fund. Como convém à nossa era globalizada, as vítimas vêm de todos os continentes. Elas incluem não apenas de alguns dos maiores bancos e ''hedge funds'' [fundos ''heterodoxos''] do mundo, mas também pessoas físicas e pequenas organizações, até de caridade, dirigidas por celebridades como Steven Spielberg - e mesmo, ao que parece, o próprio fundo de pensão do Hampshire County Council, pungado em US$ 10 milhões.

Libertado sob fiança de US$ 10 milhões

A comunidade judaica foi especialmente afetada, ainda mais porque ninguém menos que Carl Shapiro, velho amigo de Madoff, introduziu-o junto a muitos dos seus futuros investidores no exclusivo resort de Palm Beach, Flórida, onde eles e outros muitos ricos personagens da costa nordeste passam o inverno. Shapiro e sua fundação beneficiente podem ter perdido mais de US$ 500 milhões, uma fraude estimada num total de nada menos que US$ 50 bilhões.

Os dez dias do final do annus horribilis de 2008 podem trazer, se não conforto, com pelo menos alguma elucidação para o caso. Madoff, 70 anos, ex-presidente da bolsa de valores Nasdaq e em outros tempos uma figura creditada como a melhor garantia de bons negócios para os investidores comuns, está livre, após pagar uma fiança de US$ 10 milhões, mas sob prisão domiciliar de fato, em seu apartamento no Upper East Side de Manhattan. Entretanto, ele foi condenado a produzir até o fim do ano uma lista detalhada dos seus ativos e passivos - uma primeira pista para descobrir quanto dinheiro foi perdido o que sobrou, se é quye sobrou alguma coisa.

O financista desfrutava de um estilo de vida mais do que opulento, possuindo meia dúzia de residências na Flórida, Nova York outros lugares, e dois jatinhos privados. Mesmo assim, teria dado algum trabalho torrar, ainda que em duas décadas, US$ 50 bilhões.

Pela mesma razão, é difícil imaginar que ele agiu sozinho. Um esquema tão sofisticado e duradouro requeria pilhas de documentação para seus clientes, inclusive comprovantes e demonstrativos apresentados a cada mês. Então, quem eram os cúmplices? Isso também é um mistério que os investigadores mal começaram a desvendar.

Uma pirâmide como o esquema Ponzi

Mas não há qualquer mistério sobre o que fazia Madoff Bernard. Ele usou o chamado esquema Ponzi, em uma versão mais sofisticada do estratagema empregado pelo famoso trapaceiro de Boston Charles Ponzi, logo após a 1ª Guerra Mundial. O mecanismo é direto: atrair fundos prometendo fabulosos dividendos, e saldar os primeiros investidores com o dinheiro os que ingressam a seguir. Mas, mais cedo ou mais tarde qualquer regime deste tipo entrará em colapso, quando a demanda dos investidores existentes ultrapassar o dinheiro que entra por meio de novos aplicadores.

O esquema de Ponzi durou um ano. O de Madoff pode ter se estendido por todo o período do fim da década de 1980 até 2008, quando veio a maior implosão financeira desde os anos 30, todo mundo quis seu dinheiro de volta e o mercado quebrou.

Assim, Madoff atuou por tanto tempo que muitos de seus clientes fizeram de fato belos lucros, desfrutando de retornos que invariavelmente superaram até os polpudos índices de mercado desses anos. Habilmente entanto, ele parece ter tido o cuidado de não superar os outros em excesso, o que permitiu que sua credibilidade se mantivesse.

Madoff como espelho dos EUA Inc

Para os clientes - muitos dos quais eram seus amigos –, e as entidades beneficientes que mantinham, ele não era um vigarista: era simplesmente um administrador financeiro apenas um pouco melhor que seus pares.

Como todos os investidores ao longo dos tempos, eles queriam as informações de cocheira, e acreditavam que Madoff dispunha delas. A natureza reservada e boca-a-boca de seu procedimento apenas incrementava seu fascínio. Mas no final mesmo um esquema tão esperto não poderia desafiar a lei da gravidade financeira. E, em muitos aspectos, a ascensão e queda de Bernard Madoff é um espelho daquela dos EUA Inc.

O setor financeiro tornou-se a força motriz da economia americana numa escala que no mundo desenvolvido só teve paralelo na Grã-Bretanha. O dinheiro, não a manufatura, é onde estão as riquezas. O setor financeiro gerou enormes lucros, salários e gratificações, mesmo com o resto da economia estagnado. Arquitetou-se esquemas tão sofisticados que pareciam extrair dinheiro do ar.

A barafunda dos subprimes que detonou a crise atual foi pouco mais que um esquema Ponzi. Os primeiros envolvidos - os agentes e corretores hipotecários, as pessoas que amealharam créditos duvidosos - se deram fantasticamente bem. Os retardatários, que ficaram com os títulos micados na mão na hora em que a música parou, perderam até suas camisas. Todo o castelo de cartas estava erguido sobre um mito, de que o valor das propriedade iria subir para sempre – tal e qual os miraculosos dividendos de Ponzi supostamente durariam toda a eternidade.

Para facilitar as coisas, havia dinheiro fácil e uma regulamentação permissiva, promovida não apenas pelo fútil George Bush, mas pela administração Clinton antes dele. O credo de Gordon Gekko do credo, ''A ganância é boa'', que resumiu a Wall Street dos anos 1980, transmutou-se sem problemas no mantra de Bush, de que o mercado tem sempre razão.

Os sinais de alarme sobre as operações de Madoff datam de uma década atrás, mas a Securities and Exchange Commission (SEC), a instituição supostamente incumbida de ser a guardiã dos mercados, não fez nada. A própria SEC admite que seu desempenho foi uma vergonha. Também neste sentido, a história de Bernard Madoff é a história de nossa época.

''Você pode ir em frente, mas não voltar''

Mas o que vai mudar? Haverá som e fúria no Congresso, e muitas mãos a se esfregarem. Belos livros serão escritos também, e o brado de ''nunca mais'' subirá aos céus. Mas coisas semelhantes vão voltar a acontecer. Mais cedo ou mais tarde, os mercados decolarão uma vez mais, e novos Madoffs virão junto. Tanto os orquestradores de fraudes como aqueles que vão atrás deles são movidos por forças que nenhuma legislação controla.

Investidores, até veneráveis bancos e casas financeiras que se presume que saibam das coisas, sempre hão de ser dominados pelo instinto de rebanho, pela compulsão do dinheirinho fácil e a capacidade de esquecer a antiga verdade: quando algo parece bom demais para ser verdade, é isso mesmo.

O autor da fraude é impulsionado por uma dinâmica igualmente irresistível. Já abundam teorias sobre Madoff - como ele foi capaz de ''compartimentar'' sua vida, parecendo absolutamente normal apesar do enorme stress interno derivado da vigarice. Talvez ele pensasse que era mais esperto que todos os outros. Talvez fosse era apenas um apostador por natureza.

Mas a dinâmica básica é a mais simples possível. No filme de suspense Transiberian há uma frase maravilhosa, dita por um policial russo anti-drogas: ''Você pode ir em frente neste mundo com mentiras, mas não pode voltar''.

Em outras palavras, uma vez que inicia um esquema fraudulento, é impossível parar. Bernie Ebbers, da WorldCom, Jeffrey Skilling e o resto da gangue da Enron, que se autodenominavam ''os caras mais inteligente do pedaço'', e mesmo o caçula Roberto Calvi do Banco Ambrosiano, precocemente - todos foram presas de suas próprias fraudes. E sem dúvida foi este o caso de Bernard Madoff. Depois que começou, não tinha escapatória.

As partículas radioativas; uma por uma, as vítimas aparecem:

Steven Spielberg: a Fundação Wunderkinder, entidade beneficiente do diretor do filme ET, perdeu com Madoff uma quantia não revelada.

Nicola Horlick: chamada de supermulher por equilibrar cinco filhos com uma carreira na City [a rua das finanças em Londres]; seu fundo, o Bramdean, estava entre os primeiros a declarar prejuízos devido a Madoff, da ordem de US$ 14 milhões.

Emilio Botín: chefe do banco espanhol Santander, que perdeu mais de US$ 2,8 bilhões com Madoff; depois do Santander, proprietário da Abadia, ter sido escolhido como ''banco do ano'', em julho, Botin proferiu um discurso sobre como ser um bom banqueiro, dizendo: ''Se você não entender um instrumento, não o compre''.

Arpad Busson: o suave playboy dos hedge funds, atualmente comprometido com Uma Thurman; tinha US$ 1200 milhões investidos com Madoff.

Mort Zuckerman: o dono do New York's' Daily News perdeu US$ 30 milhões a partir de sua fundação beneficiente; planeja processar Madoff.

Christopher Cox: o presidente do órgão regulador, a Securities and Exchange Commission, amplamente criticada por não ter detectado a multibilionária fraude.

Fonte: The Independent; intertítulos do Vermelho

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