Instigado por comentários que li/ouvi, resolvi assistir, no último dia 27, ao programa “Fantástico”. Fiz essa grande exceção a um comportamento de muitos anos, mantido para o bem dos meus fins de domingo, porque queria ver o quadro “Conselho de Classe”, em que a Globo vem expondo o que resolveu editar depois de muitas dezenas de horas de gravação no colégio República do Peru, escola pública do Rio de Janeiro. A justificativa: enfocar como é o dia a dia de quatro professores da 6ª. série do Ensino Fundamental daquele estabelecimento. Visto o programa – a terceira apresentação de uma série de cinco, tendo, em média, 12 minutos de duração cada uma -, resolvi acrescentar minha opinião a umas tantas outras, tendo antes o cuidado de procurar conhecer, na internet, o teor das duas primeiras abordagens.
Lamentei muito do que vi e ouvi. Não se deve, seja em nome do que for, submeter um assunto sério como a educação pública a uma exposição do tipo “reality show”, em que professores, ingênuos talvez, expõem a si próprios e aos seus alunos em atitudes que mais parecem buscar os tão falados 15 minutos (no caso, seriam 12) de fama...
Julgo que, aos mestres em questão – cuja qualidade e intenções não coloco em discussão, até porque seria leviandade, já que não os conheço – talvez tenha faltado malícia para reconhecer que não seria deixando-se apresentar sob rótulos como “exigente”, “linha dura”, “ mãezona” e outros, que estariam exemplificando o bom educador. Creio não ter havido sensibilidade nos momentos em que, na menção aos alunos, deixaram transparecer a visão (que espero que não tenham) de que o problema do ensino é o estudante, com seu “rebolation” em sala de aula, suas bolas arremessadas para o ar, sua preocupação com maquiagem, sua indisciplina e sua desmotivação. A meu juízo, faltou-lhes, ao menos nesses três primeiros “blocos”, uma atitude crítica quanto às condições do ensino no país – não apenas o ensino público, mas a educação vista como um todo, em uma sociedade repleta de mazelas. E então, em meio aos novelescos perfis traçados para eles, perderam uma excelente oportunidade de não se deixarem levar pelo estrelismo, um dos perigos da minha profissão. A quem serve uma negativa exposição dos alunos e do ambiente de uma escola pública? Serve a quem esse consentido clima “Big Brother Brasil”, com microfones e câmeras “escondidas” em busca de “espontaneidade”?
A “chamada” para o quarto bloco – que estará indo ao ar quando este texto já estiver circulando no DR – fala de uma festa dos professores, gente “que vai dançar até o amanhecer”. Nada contra as festas de congraçamento, nada contra a alegria e descontração. Mas tudo a favor, também, da sensibilidade para ao menos tentar imaginar hipotéticos objetivos e preservar-se.
Terão sido os “atores” previamente consultados quanto à versão final dos programas? Acredito – ou quero acreditar - que não. Penso que talvez percebessem, então, que em nada ajudaria os propósitos da educação uma frase dita sem pensar de professor confessando ter relação “de amor e ódio” com os alunos; que a autopromoção embutida em alguns depoimentos não é uma contribuição positiva; que o tom “tropa de elite” dos comandos de alguns mestres, aí incluída a contagem de 72 “Senta!” proferidos por um único professor, não é pedagogicamente adequado; que, enfim, a edição deixou mal a eles e a nós, que defendemos a qualquer preço o democrático ensino público.
Resta questionar, também, a Secretaria Municipal de Educação. Será que não se preocupou em analisar o que iria ao ar como resultado de tanto tempo de gravações? Será que considerou satisfatória a edição? Terão sido ingênuas as autoridades educacionais ou também elas terão aderido ao desejo da exposição , mesmo que do tipo “falem mal , mas falem de mim”? Em alguns depoimentos na internet, que até defendem a edição, apontam-se aspectos positivos apresentados: as salas não estão infladas de alunos, a escola é de regime integral (7 horas), apresentam-se em alguns poucos momentos modernos recursos pedagógicos. Concordo. Mas esses aspectos aparecem no detalhe, não se aprofundam, e o que predomina mesmo, ao menos para mim, é uma visão meio anárquica, até caótica, do ambiente.
Se falhou a Secretaria de Educação, não falharam os jornalistas do “Fantástico” no seu intento de transformar tudo em um “ show da vida”. Muitas das situações, claro, são do dia a dia de um colégio, seja ele público ou particular. Mas o que a edição acabou por mostrar - de forma subliminar - foi uma escola pública pouco confiável. Um tipo de escola que talvez preocupe os pais da emergente classe média carioca e que, nesta providencial época de renovação de matrículas, podem (quem sabe?) ser tentados a buscar a solução para as suas preocupações nos braços receptivos e onerosos – mas nem sempre eficientes - das escolas da iniciativa particular.
Rodolpho Motta Lima
Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.
Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.
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