Fernando Cartaxo Arruda,
Sociólogo ( fcartaxoarruda@gmail.com)
O instrumento
da pesquisa eleitoral tem uma trajetória errante na história recente das
campanhas eleitorais. Nem sempre revelam a real vontade do eleitor e sofrem
acusações até mesmo de serem manipuladas para induzir as escolhas eleitorais.
Há mesmo quem afirme que alguns institutos são influenciados por negociações
financeiras para maquiar resultados. É certo que o fenômeno das viradas
eleitorais tem deixado suas marcas em diversas disputas políticas, que são
atribuídas ao calor dos últimos momentos das competições. Ou seja, os
resultados das urnas, em muitas ocasiões, não correspondem aos números
divulgados pelas pretensas ciências estatísticas da captação da intenção de
votos.
A
credibilidade de alguns institutos de pesquisa foi gravemente ferida por
espelhar uma realidade distinta da verdade obtida das urnas. As eleições em
Fortaleza demonstram um histórico rico e diversificado de candidatos
consagrados em pesquisas, que dormiram eleitos e acordaram derrotados. As
lembranças mais marcantes desses disparates foram as surpreendentes vitórias de
Maria Luiza Fontenele e Luizianne Lins nas disputas pela Prefeitura de
Fortaleza, não verificadas e previstas nas pesquisas. Muitos outros exemplos
existem espalhados por todo o país. O eterno e maquiavélico desencontro das
pesquisas com a vontade do eleitor, sendo o caso do Lula o mais emblemático.
As recentes
pesquisas eleitorais do Datafolha e do Ibope sobre as intenções de votos na
disputa pela Prefeitura de Fortaleza, realizadas nas mesmas circunstâncias e
datas, revelam realidades distintas e projetam diferentes rumos e perspectivas
na competição entre os candidatos à Prefeitura de Fortaleza. Nesse caso, não há
dúvida que de uma mesma realidade observada, com pretensos critérios técnicos e
científicos semelhantes, sejam colhidas variáveis tão diferenciadas e
contraditórias. É o caso de assegurar a existência, em um dos institutos, de
fraude ou erro na metodologia da pesquisa ou manipulação dos dados coletados. O
caso emblemático é o do Datafolha, nas eleições para a Prefeitura de Fortaleza
em 2004, turvando o processo de ascensão de Luizianne Lins, colocando-a sempre
em quarto lugar, até mesmo na pesquisa que antecedeu a eleição. O resultado
final foi a chegada de Luizianne Lins no segundo turno e sua vitória eleitoral
sobre o candidato Moroni. Claro que em outras circunstâncias o próprio Ibope
foi serviçal de interesses da mescla do interesse político com a gana do poder
econômico. Não há inocente onde a moeda capitalista domina todos os mercados,
inclusive o da cidadania, que virou moeda de troca. O movimento das ruas, o
entusiasmo popular e a vontade política de transformar, vencem até mesmo a
matemática eleitoral. A história é prenha de acontecimentos que desfazem
desejos produzidos pela manipulação dos laboratórios, da força que busca conter
os desejos. O que há de concreto é a pulsão do sonho, o reconhecimento do
prazer e a vontade de realizar. Essa é a força libertária. Na política e na
vida, tudo funciona com a reciprocidade. Ainda bem que existe o chão de
realidade para se prosseguir, que o engano das ilusões tende a perecer na
estrada da vida.
Daí que se
algo há de impreciso não são só os humores do eleitor, mas os institutos de
pesquisa em suas numerologias. E o mais grave é que se revestem com lastro da
ciência para pautar o debate, influenciar o eleitor e interferir nas
estratégias políticas e eleitorais. É o caso da manipulação danosa, a serviço
de interesses políticos inconfessáveis, buscando substituir a vontade legitima
e democrática do eleitor.
A principal
discrepância entre a pesquisa do Datafolha e Ibope se refere ao desempenho do
candidato Elmano Freitas (PT), que nas contas do Datafolha sofreu uma
estagnação no processo de ascensão, figurando em terceiro lugar nas pesquisas e
já sob ameaça do candidato Heitor Férrer (PDT). A pesquisa do Ibope revela o
candidato do PT em uma situação bem distinta, numa escalada de ascensão
consistente, de cinco pontos percentuais, saltando de 14 para 19%, único a
crescer acima da média de variação da margem de erro, dentre os principais
candidatos potenciais que disputarão o segundo turno. Ultrapassa o candidato
Roberto Claudio (PSB), que teve um crescimento discreto de dois pontos percentuais
(de 16 para 18%); e na verdade avança rumo ao líder da pesquisa, Moroni Torgan
(DEM), que vem apresentando um declínio nas intenções de voto, agora de forma
menos acentuada (iniciou com 32 e agora tem 23%).
Outra diferença constatada é a da candidatura
do Heitor Férrer que tem uma ascensão significativa de quatro pontos
percentuais na pesquisa Datafolha, atingindo um patamar constatado em pesquisa
anterior pelo Ibope, variando entre os institutos entre 13 e 14% nas intenções
de voto. O candidato Renato Roseno é outro sobrevivente diante do poderio das
máquinas eleitorais, tanto das estruturas de poder que detém a maior parte dos
espaços nas propagandas eleitorais como do financiamento privado que tornam
parceiros o capital financeiro e da construção civil, que pouco a pouco vem
acabando os espaços verdes da cidade e impondo a sua lógica de lucros nos
escassos espaços da cidade de Fortaleza.
É bom e
saudável para a democracia que o PSOL e o PDT tenham espaços e afrontem a
hegemonia do poder econômico e das novas pretensões de dinastia de domínio do
poder político. Uma analise criteriosa sobre a evolução política do Ceará deve
compreender que a rendição dos espaços de representação deve preservar a
diversidade e a capacidade do controle sobre a escravidão da política ao poder
econômico. O próprio PT deve estabelecer novas relações políticas após a
decadente aliança com o PSB dos Ferreiras Gomes, pois o artificialismo que
perdurou dessa aliança foi um atraso para a evolução da democracia no Ceará.
Uma figura
histórica dos movimentos sociais como o senador Inácio Arruda deve ser
preservada dessa hecatombe eleitoral, onde prevalece o poder econômico e
espaços das grandes estruturas partidárias. A sua postura política merece o
reconhecimento de quem observa o processo histórico e democrático das grandes
lutas que libertaram o Ceará das dominações dos poderes conservadores e de
direita, mesmo que ainda resistentes. O PC do B foi um partido pioneiro na luta
popular, nasceu de legitimas batalhas contra a elite tacanha e dominante, que
nunca olhou os direitos sociais das classes sociais mais sofridas e exploradas.
O reformismo
ilustrado do PSB é uma pretensão atrasada para a política do Ceará. Querem a
renovação sem o envolvimento real com as forças populares, sem o diálogo
democrático e sem seiva participativa. Essa coisa dos iluminados que buscam
ofuscar a legitimidade do poder social, pois imaginam que detém a ciência e a
razão para transformar a sociedade. É pura tradição lusitana retrógada, dourada
pelo saber do esclarecimento. Nem mesmo o conhecimento do movimento da Reforma
Sanitária, movimento político e humanístico da universalização do direito à
saúde, parecem dominar. Uma ilusão de poder que não preza a sabedoria popular,
muito focados na criatividade inócua e perdulária de uma elite que se sente
acima do bem e do mal.
Mas cabe ainda
ressaltar que o modelo de gestão da administração Luizianne Lins foi delimitado
e não expansivo. O grupo de poder que comandou a gestão nem sempre teve a
capacidade de ampliar as ideias sociais que borbulhavam, as vontades de fazer
que aconteciam por forças naturais e de disposição humana. Houve, é verdade, um
enclausuramento dos espaços de poder, dominados por vezes por personagens que
gozavam mais da simpatia da prefeita do que dos interesses sociais
prevalecentes e necessários. O candidato Elmano Freitas para se fazer com
identidade e preservar sua experiência no orçamento participativo deve anunciar
mudanças seminais no processo de gestão e nas escolhas dos gestores. Sem essa
liberdade de escolha e sem a disposição de edificar sua marca, corre sérios
riscos de enfrentar um segundo turno com danos de origem que hoje minam de
forma crítica a administração do PT. É preciso ter a coragem de ousar e fazer
diferente, sem o estreitamento de ser um ser serviçal da máquina tradicional e
muitas vezes inoperante das correntes do PT. O governo não pode ser uma
distribuição de cargos para os grupos que compõem a estabilidade do partido,
nem uma compensação sem critérios de aliados sem valor e competência
administrativa. A sociedade espera que seja realizado um processo eficaz e
agregador das diversas forças vivas que atuam e pensam o cotidiano da cidade. A
cultura, que é uma tragédia tanto no estado como no município, deve ser
repensada, pois o mundo contemporâneo que vivemos exige uma seriedade e
competência em todas as etapas de diagnosticar e formular soluções coletivas.
Esse é exemplo simples para tudo que exija planejamento e participação social.
A democracia participativa e a gestão compartilhada devem ser o foco do novo e
a semente da transformação.
A pesquisa
eleitoral demonstra a fragilidade da democracia brasileira. Ela tenta
subordinar o pensamento, a vontade do eleitor e as próprias alternativas de
realizar uma campanha. E outra coisa que se deve se livrar é a imposição desses
falsos marqueteiros, que pensam dominar a ciência da conquista do poder, pois
se resumem ao lucro fácil e a lábia de querer direcionar as formas de pensar e
agir. O Ceará, em especial a cidade de Fortaleza, tem o antídoto para os
artificialismos e as magias dos vendedores de batata. A política tem pele e
sensibilidade, sangue e entusiasmo e gosta do amor do que é verdadeiro e exala
em sua flor a democracia, a liberdade e os direitos.
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