quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Um jingle me envergonhou em BH

Marcio Lacerda, Prefeito de Belo Horizonte
 

 
A repetição musical do slogan “deixa o Márcio trabalhar” me deu a sensação de déjà-vu. Seria capaz de jurar que já tinha ouvido aquela mesma musiquinha no rádio meses antes

Fernando Morais

 
 
Ao desembarcar no aeroporto da Pampulha, na semana passada, fui recebido com o abraço de um velho amigo mineiro. "Seja bem-vindo", disse ele. "Que bom que você está de volta a Belo Horizonte." Respondi que ninguém pode voltar a um lugar de onde nunca saiu. Parece um clichê, eu sei, uma frase retórica, mas é verdade. Nascido em Mariana, vivi na capital mineira até os 18 anos, quando me mudei para São Paulo. Um pedaço da minha alma, porém, ficou em Beagá, onde passei provavelmente os melhores anos da minha vida.
 
 
A caminho do hotel, ouvi no rádio do carro o jingle da campanha eleitoral do prefeito Márcio Lacerda, candidato à reeleição. A repetição musical do slogan "deixa o Márcio trabalhar" me deu a sensação de déjà-vu – ou déjà ouvi, para ser mais preciso. Seria capaz de jurar que já tinha ouvido aquela mesma musiquinha no rádio meses antes, quando estive na cidade para lançar um novo livro.
Para meu espanto, o amigo que me recebia explicou que não, eu não estava ficando louco. Adquirida pela prefeitura (com dinheiro público, naturalmente) e transformada em jingle oficial da administração, a música Não há lugar melhor que BH, da dupla César Menotti e Fabiano, foi martelada durante quatro anos na cabeça dos belo-horizontinos.
 
 
Quando chegou a campanha eleitoral, o que é que o prefeito fez? Subtraiu o refrão original "a prefeitura não para de trabalhar" e no lugar dele sapecou o "deixa o Márcio trabalhar". Isso mesmo, como se a melodia fosse sua propriedade particular e não um bem pelo qual os contribuintes haviam pago. A apropriação parece ainda mais escandalosa quando se sabe que o atual prefeito de Belo Horizonte ocupa o segundo lugar entre os candidatos mais ricos do país, dono de um patrimônio declarado de mais de R$ 50 milhões.
 
 
A surpresa não terminou aí. Mais tarde, soube que a Justiça Eleitoral mineira já havia denegado duas vezes o pedido da oposição para que o absurdo fosse coibido e a música tirada do ar. No avião, de volta para São Paulo, eu me perguntava: se um administrador público faz isso em campanha eleitoral, quando os políticos estão sob o olhar vigilante dos eleitores e da imprensa, o que não fará no lusco-fusco do exercício do mandato?
 
 
PS: Um e-mail me informa que o juiz Maurício Soares, do TRE, acaba de determinar "a imediata suspensão de toda e qualquer propaganda eleitoral veiculada pela coligação 'BH segue em frente' que utilize a música 'Não há lugar melhor que BH', mesmo que de forma subliminar e instrumental." Esse juiz viu, enfim, o que saltava aos olhos e ouvidos de Belo Horizonte: "É essa melodia, bem fixada na mente dos eleitores à custa do dinheiro público, que um dos candidatos usa em benefício de sua campanha, trazendo assim a desigualdade que a lei teve a intenção de proteger". Ufa! O espírito mineiro tarda, mas não falha!
 
 
Fernando Morais é jornalista e escritor

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