terça-feira, 2 de dezembro de 2008

O AVANÇO PUNITIVO


Marcelo Salles

Em seminário no Rio de Janeiro, o ministro da Suprema Corte Argentina Raúl Zaffaroni critica o avanço do Estado policial, responsável pela perseguição à classe trabalhadora, e denuncia: "A economia mundial está cada vez mais mafiosa. A globalização não é nada mais que uma criminalidade econômica internacional".

O Instituto Carioca de Criminologia organiza o seminário Depois do Grande Encarceramento, no Rio de Janeiro, aberto por conferência do professor e escritor argentino Eugênio Raúl Zaffaroni. Além de uma das maiores referências mundiais nos estudos da criminologia crítica, Zaffaroni hoje é um dos sete membros da Suprema Corte Argentina. Em sua intervenção, o professor chamou a atenção para o avanço do Poder Punitivo na América Latina, que atende à lógica do chamado "neo-liberalismo" e não reduz a criminalidade. Segundo as pesquisas no campo da criminologia crítica, a punição pura e simples não evita a violência nem a corrupção, cada vez mais intensificadas pelo que chamou de "economia mafiosa internacional", operada por grandes corporações financeiras.

O professor está certo de que cada vez mais são punidos os pequenos delitos, enquanto os "crimes de colarinho branco" seguem cada vez mais impunes. Todas as agências executivas do Poder Punitivo (mídia, Poder Judiciário, sistema penitenciário, políticos e a própria polícia) operam nesse sentido: criminalizar a pobreza.

A atuação da polícia do Rio de Janeiro, enquanto uma das agências do Poder Punitivo, pode ser melhor enxergado na política de extermínio do gerente Sérgio Cabral (PMDB-RJ). Sua expressão máxima é o elevado número de autos de resistência (mortes em supostos confrontos com a polícia). Nada menos que 1.330 pessoas foram assassinadas pelas forças do governo em 2007, índice que coloca a polícia do Rio como a que mais mata no mundo.

A polícia é o aparato de repressão que cumpre as ordens da política definida pelo Poder Executivo estadual. De todas as agências executivas do Poder Punitivo, é a mais visível porque é a executora imediata. No caso do Rio de Janeiro, esta instância obedece à doutrina imposta pelo imperialismo, principalmente o ianque, para a América Latina, qual seja, a eliminação da parcela da população excedente dentro do modelo pensado pelo imperialismo; quem não está apto a consumir é descartável.

Mas a polícia não age sozinha. O sistema judiciário, cada vez mais distante do povo, também foi alvo da análise do professor Raúl Zaffaroni. É a Justiça, e somente ela, quem tem o poder legal de encerrar o inquérito policial, como os autos de resistência. É o juiz quem pode decidir se arquiva um processo ou se pede para que o Ministério Público continue as investigações.

— O sistema judiciário também é hierarquizado. Possui oficiais e a tropa. Eles são treinados juntos e introjetam valores, como determinadas características que fazem um juiz bom ou ruim, como por exemplo: "o juiz bom é aquele que nunca revoga uma sentença". O juiz vive numa espécie de gueto de modo que sua percepção é alterada. Quando ele olha para o espelho, não fala "Sou o João", mas "Sou a Excelência". Isso gera uma alteração em sua identidade — afirma Zaffaroni.

E o monopólio dos meios de comunicação, por fim, é o responsável por legitimar o extermínio e as outras formas em que se manifesta o Poder Punitivo. Enquanto instituição com grande poder de produzir subjetividades, é o monopólio da imprensa quem produz e reproduz as formas de agir, sentir, pensar e viver que irão naturalizar todo esse processo. Quem exemplifica é o delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone, mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes:

— Quando você pega uma matéria que diz assim: 'Polícia sobe o morro e mata não sei quantos bandidos'. Como sabe que é bandido? A mídia começa todo um trabalho pra que aquela letalidade seja legitimada.


O papel da imprensa

Segundo Raúl Zaffaroni, o monopólio dos meios de comunicação de massa explora o sentimento negativo de vingança da sociedade e estimula um interesse patológico por crimes.

— Isso dá rating, que dá propaganda, que dá dinheiro. E como são empresas capitalistas em busca de dinheiro... — diz o professor, para logo a seguir vaticinar: — Sem os meios de comunicação o Poder Punitivo não poderia existir.

Zaffaroni criticou ainda a construção da figura da "vítima-herói", um cidadão que sofreu algum tipo de violência ou então teve alguém de sua família atingido e, apenas por isso, ganha o status de especialista em Segurança Pública e passa a emitir quaisquer opiniões sem que possa ser questionado em razão de sua condição de vítima.

Outro discurso utilizado pelas corporações de mídia para legitimar a matança incorpora o termo "vítimas inocentes". Foi o que escreveu o jornal O Globo, no dia 17 de agosto: "O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, revelou ao Globo que estão sendo tomadas algumas medidas para reduzir a letalidade da polícia durante operações em comunidades dominadas pelos criminosos e, assim, evitar a morte de inocentes". Seria o caso de perguntar: e se fossem culpados, poderiam ser assassinados se no Brasil não há pena de morte? Ao naturalizar a morte de "culpados", O Globo passa a legitimar a política de extermínio da gerência Cabral.

O papel da imprensa ganha força no Brasil devido à concentração do setor. Hoje existem apenas sete emissoras abertas de televisão, todas elas afinadas com os interesses monopolistas. Entre os jornais de circulação nacional, apenas três empresas — também a serviço do capitalismo — controlam a maior parte das vendas: Organizações Globo, Folha da Manhã e Grupo Estado, sendo que há rumores de que este tenha sido comprado pela Infoglobo.

Essa tendência de concentração empresarial é mundial e, segundo o professor Raúl Zaffaroni, vem sendo essencial para o desenvolvimento do crime organizado:

— Crime organizado é crime de mercado, são os serviços ilícitos como lavagem de dinheiro, tráfico de entorpecentes, tráfico de armas, tráfico de pessoas. E porque são negócios têm riscos, mas as leis do mercado são as mesmas, sejam para os negócios lícitos, sejam para os ilícitos. A concentração acontece conforme vão banindo o pequeno empreendimento do serviço ilícito, deixando só o oligopólio concentrado, os ilícitos, e os oligopólios são mais perigosos porque têm mais inteligência, mais organização, mais poder de fogo. A economia mundial está cada vez mais mafiosa. A globalização não é nada mais que uma criminalidade econômica internacional.

O ministro da Suprema Corte Argentina explica que existe um processo em curso de concentração da economia, lícita e ilícita. Assim, casas de câmbio são fechadas enquanto os negócios são transferidos para pequenos bancos. Depois eles são fechados e o mercado passa a operar nos bancos maiores e assim sucessivamente. "Essa criminalidade é impossível sem a cumplicidade oficial", afirma Zaffaroni:

— Essa economia tem os meios de comunicação de massa, que dão ao público pão e circo. Abrimos os jornais e só vemos sangue e futebol. Talvez nos 10% restantes tenhamos a Rússia. Quando é escândalo, geralmente é sobre segurança pública. De resto, na T V temos alguns shows com mulheres nuas ou seminuas.
Colaboração do amigo João Sérgio.

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