quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Discurso oblíquo

 A recente visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba suscitou uma avalanche de artigos e matérias na mídia brasileira condenando o desrespeito aos direitos humanos na ilha. É lamentável o pouco espaço para o exercício do contraditório sobre esse viés. A morte de um preso comum nos cárceres cubanos e a negação de um pedido de viagem para a blogueira cubana Yoani Sánchez vir ao Brasil foram fatos exaustivamente explorados para legitimar esse discurso oblíquo.


Por Vanessa Grazziotin*

O caso de Yoani suplanta questões graves de desrespeito aos direitos humanos como as enfrentadas pelos 718 iraquianos e afegãos mantidos presos pelos EUA em condições desumanas em Guantánamo, território cubano. Nessa casa de torturas, a maioria dos presos não sofreu condenações e sequer acusações formais. O assunto passaria despercebido não fosse a presidente Dilma ter feito referências ao caso.

Não se leva em conta também a prisão arbitrária dos cinco cubanos que trabalhavam em ações antiterroristas nos EUA contra grupos que praticaram 681 atentados, resultando na morte de 3.478 pessoas. Muito menos das atividades criminosas do terrorista e ex-agente da CIA Posada Carriles. Absolvido pela Justiça americana, o cubano naturalizado venezuelano foi responsável pela morte de 73 pessoas após explodir um avião da Cubana Aviación. Hoje, ele vive livre e impunemente pelas ruas de Miami.

Ignoram-se os 50 anos de bloqueio econômico imposto pelos EUA à ilha, que já causou um prejuízo superior a 568 bilhões de euros, apesar das 20 resoluções contrárias da ONU. Omite- se o que é fundamental: o expressivo apoio do povo cubano às conquistas da revolução socialista que livrou o país do domínio dos EUA. Como bem ilustra Fernando Morais no livro “Os últimos soldados da guerra fria”, lembrando a frase de um outdoor nas proximidades
do Aeroporto de Havana: “Esta noite 200 milhões de crianças dormirão nas ruas do mundo. Nenhuma delas é cubana.”

Ressaltam-se os problemas econômicos como as cotas de alimentos para ofuscarem números surpreendentes: mortalidade infantil de 4,9% e expectativa de vida de 77 anos, índices superiores a países como os EUA, Japão e Dinamarca. Mesmo sob o mais longo bloqueio da história, Cuba conseguiu manter os índices sociais positivos. Nada menos que 85% dos cubanos moram em casa própria; 98% deles têm acesso à energia elétrica, água potável e saneamento básico. No campo educacional, de cada sete cubanos, um tem curso superior.

Diante das dificuldades, eles também são solidários. O pequeno país acolhe mais de 10 mil estudantes de 34 países latino-americanos, africanos e do caribe como bolsistas integrais nos cursos de graduação, mestrado e doutorado. A ilha possui o maior número de médicos para cada 600 habitantes numa lista de174 países.

Esse é o cenário real de Cuba que passa por amplo processo de reformas econômicas e políticas. Entre elas destacam-se a renovação dos quadros políticos, estímulos ao empreendedorismo e atividades turísticas. São medidas que buscam superar as limitações impostas pelo bloqueio. Mudanças que têm como principal foco a melhoria da qualidade de vida da população. Portanto, o Brasil caminha certo ao aprofundar suas relações comerciais e os laços de amizade com o povo cubano.

*Vanessa Grazziotin é senadora pelo PCdoB do Amazonas e presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Cuba.

Fonte: O Globo

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