Um país sobressaltado pelo alarme e colapsos iminentes compõe a tônica das manchetes nos últimos meses.
O conjunto evoca um ritual de extrema-unção econômica diariamente renovado: um Brasil aos cacos.
A vigília das carpideiras contrasta com o diagnóstico de sinal predominantemente oposto emitido do exterior.
O saldo vai além das palavras.
Ele se traduz em cifras convencionalmente associadas à credibilidade no potencial econômico de uma nação.
A sigla do termômetro é IEDI – Investimento Estrangeiro Direto.
A anemia dessa variável costuma ser evocada nas sentenças dos tribunais ortodoxos como a síntese dos pecados da 'macroeconomia populista'.
A seca de capitais na Argentina, de Cristina Kirchner, por exemplo. Seria uma prova da afronta capital.
Desde que o país impôs um desconto de 70% aos credores externos em 2003, o investimento estrangeiro despencou.
De nada adiantou a economia provar o acerto da destinação de recursos a um sistema produtivo que cresceu 7,5 %, em média, na década seguinte.
O mercado carimbou o risco-país num patamar 100% superior ao atribuído à Espanha, eviscerada no açougue neoliberal.
O comportamento inverso do capital estrangeiro em relação ao Brasil não tem merecido melhor sorte na mídia.
Ao contrário de ontem, hoje o jornalismo dominante adota critérios próprios para espetar o risco-Brasil.
A pendência entre um olhar e outro acumulou no ano passado a fantástica diferença de US$ 65,3 bi.
Foi esse o volume do investimento produtivo que ingressou no país em 2012, à revelia das advertências estampadas nas manchetes.
O destaque maior, no entanto, contemplou a fuga do dinheiro especulativo, efetivamente registrada no mesmo período.
Mas não pela alegada ' incerteza' cravada na ladainha conservadora.
Desde meados de 2012, o governo elevou o imposto (IOF) sobre o dinheiro 'visitante' e promoveu uma desvalorização cambial da ordem de 30%.
Cortou em cinco pontos o juro básico, desestimulando operações especulativas de arbitragem (que tomam dinheiro a juro negativo lá fora para aplicar a taxas mais elevadas aqui).
Reverter a espiral que asfixia a industrialização brasileira num torniquete de muitas voltas era o objetivo.
Custos financeiros elevados a inibir a aplicação produtiva, em benefício da obsessão rentista, é uma dessas voltas. Câmbio desfavorável, a penalizar exportações e incentivar importações, outra. (A lerdeza na alavanca do investimento estatal, a desencorajar adicionalmente o setor privado, formaria uma terceira volta, ainda não atacada.)
O passeio do capital que enxerga nações como um pasto de engorda rápida, para desfrute em regime de “self-service”, com acesso livre e custo baixo, foi prejudicado no Brasil.
Fundos especulativos especializados em ações de emergentes reduziram a fatia do país em sua carteira: de 16,7%, em fins de 2009, para 11,6%, em novembro de 2012.
O noticiário econômico reagiu comme il faut: sirenes de alarme soaram logo cedo.
Plantonistas adestrados nos think tanks da finança global ocupariam uma página inteira na Folha. Alerta máximo: o Brasil está perdendo espaço nos fundos de 'investimento' (os especulativos).
E para o México. O amigável fruto desregulado do Nafta.
O mesmo México que se notabilizou, conforme estudo da Cepal de 2012, por ter sido o único grande país da América Latina – ao lado da pequena Honduras – a registrar um avanço da fome e da miséria na última década.
Nas entranhas do 'tigre' mexicano, o miserê 'evoluiu' de 12,6% para 13,3%; na 'desvirtuada' Argentina, recuou de 34,9% para 5,7%.
Nem mesmo um comunicado elogioso da ONU levou o saldo favorável do investimento estrangeiro no país ao espaço nobre das manchetes.
Algumas chamadas desperdiçadas pelo usucapião do alarmismo no terreno do noticiário:
a) 'Brasil recebe mais capital produtivo que Europa e Japão';
b) 'Brasil é o 4º destino do investimento no mundo' (é também a terceiro prioridade mundial das empresas, conforme a Price Watherhouse);
c) 'Fluxo de investimento cai 18% no mundo; apenas 2% no Brasil'
d) 'Só EUA, China e Hong Kong superam Brasil em investimento estrangeiro'.
e) 'Brasil recebe mais investimentos do que toda a África'
A ausência desses destaques indica que a Presidente Dilma dará um passo importante na retomada do crescimento se o que fez na última 5ª feira, ao falar em rede nacional sobre a questão elétrica, refletir um novo entendimento do seu governo.
A oposição que politiza até o serviço de meteorologia acusou o golpe.
Manchetes, colunas e editoriais ressentidos bradaram contra 'a politização da questão tarifária'.
A reclamação procede.
Mas peca pela incoerência.
Quando oculta a confiança internacional no país e exacerba a incerteza intrínseca ao cálculo econômico, o conservadorismo sabe o que está fazendo.
Está fazendo política econômica.
Admite implicitamente o que nega sua fé na 'objetividade científica' dos mercados racionais, autorreguláveis.
Ou seja, que a macroeconomia reúne técnicas úteis à direita e à esquerda.
Mas o amálgama final é político.
O amálgama da coalizão conservadora é indisfarçável: impedir a retomada do crescimento brasileiro; disso depende sua volta ao poder.
Corroer o grau de confiança nas iniciativas do governo é o atalho mais curto. As incertezas retardam as decisões de investimento.
É política econômica. Ecoada com zeloso alarmismo por editores, colunistas e convertidos de orelhada e holerite.
O saldo desse braço de ferro decidirá a luta pelo poder em 2014.
Decidirá se o país terá mais ou menos empregos; mais ou menos inflação; mais ou menos receita fiscal; mais ou menos salário; mais ou menos recursos para erguer escolas, construir estradas, multiplicar creches, implantar serviços dignos de saúde.
O pêndulo oscila diante de um calendário curto.
O investimento brasileiro patina há cinco trimestres.
Possivelmente, fechou 2012 com desempenho negativo.
Liberações de financiamento do BNDES ao setor produtivo, no entanto, cresceram 12% no ano passado.
Consultas para empréstimos em 2013 saltaram 60%.
São consultas.
Dependem de um empurrão para se materializar em fábricas, vagas, salários e oferta anti-inflacionária.
O empurrão não virá dos sinais contraditórios do mercado, ordenados pela coerência editorial conservadora.
O governo Dilma descobriu seu ovo de Colombo na semana que passou.
Inspirou confiança quando saltou o lacre da mídia dominante e falou direto à Nação.
De forma assertiva e clara liquidou a queda de braço em torno da questão tarifária. Escancarou os interesses insuflados na 'emergência elétrica'.
Fez política econômica falando à Nação.
Um presidente quando encontra seu ovo de Colombo não pode mais desperdiçá-lo. Tem a obrigação de multiplicá-lo.
Trata-se, no caso, de um ingrediente decisivo.
Dilma vai precisar de dúzias dele na receita de 2014.
O conjunto evoca um ritual de extrema-unção econômica diariamente renovado: um Brasil aos cacos.
A vigília das carpideiras contrasta com o diagnóstico de sinal predominantemente oposto emitido do exterior.
O saldo vai além das palavras.
Ele se traduz em cifras convencionalmente associadas à credibilidade no potencial econômico de uma nação.
A sigla do termômetro é IEDI – Investimento Estrangeiro Direto.
A anemia dessa variável costuma ser evocada nas sentenças dos tribunais ortodoxos como a síntese dos pecados da 'macroeconomia populista'.
A seca de capitais na Argentina, de Cristina Kirchner, por exemplo. Seria uma prova da afronta capital.
Desde que o país impôs um desconto de 70% aos credores externos em 2003, o investimento estrangeiro despencou.
De nada adiantou a economia provar o acerto da destinação de recursos a um sistema produtivo que cresceu 7,5 %, em média, na década seguinte.
O mercado carimbou o risco-país num patamar 100% superior ao atribuído à Espanha, eviscerada no açougue neoliberal.
O comportamento inverso do capital estrangeiro em relação ao Brasil não tem merecido melhor sorte na mídia.
Ao contrário de ontem, hoje o jornalismo dominante adota critérios próprios para espetar o risco-Brasil.
A pendência entre um olhar e outro acumulou no ano passado a fantástica diferença de US$ 65,3 bi.
Foi esse o volume do investimento produtivo que ingressou no país em 2012, à revelia das advertências estampadas nas manchetes.
O destaque maior, no entanto, contemplou a fuga do dinheiro especulativo, efetivamente registrada no mesmo período.
Mas não pela alegada ' incerteza' cravada na ladainha conservadora.
Desde meados de 2012, o governo elevou o imposto (IOF) sobre o dinheiro 'visitante' e promoveu uma desvalorização cambial da ordem de 30%.
Cortou em cinco pontos o juro básico, desestimulando operações especulativas de arbitragem (que tomam dinheiro a juro negativo lá fora para aplicar a taxas mais elevadas aqui).
Reverter a espiral que asfixia a industrialização brasileira num torniquete de muitas voltas era o objetivo.
Custos financeiros elevados a inibir a aplicação produtiva, em benefício da obsessão rentista, é uma dessas voltas. Câmbio desfavorável, a penalizar exportações e incentivar importações, outra. (A lerdeza na alavanca do investimento estatal, a desencorajar adicionalmente o setor privado, formaria uma terceira volta, ainda não atacada.)
O passeio do capital que enxerga nações como um pasto de engorda rápida, para desfrute em regime de “self-service”, com acesso livre e custo baixo, foi prejudicado no Brasil.
Fundos especulativos especializados em ações de emergentes reduziram a fatia do país em sua carteira: de 16,7%, em fins de 2009, para 11,6%, em novembro de 2012.
O noticiário econômico reagiu comme il faut: sirenes de alarme soaram logo cedo.
Plantonistas adestrados nos think tanks da finança global ocupariam uma página inteira na Folha. Alerta máximo: o Brasil está perdendo espaço nos fundos de 'investimento' (os especulativos).
E para o México. O amigável fruto desregulado do Nafta.
O mesmo México que se notabilizou, conforme estudo da Cepal de 2012, por ter sido o único grande país da América Latina – ao lado da pequena Honduras – a registrar um avanço da fome e da miséria na última década.
Nas entranhas do 'tigre' mexicano, o miserê 'evoluiu' de 12,6% para 13,3%; na 'desvirtuada' Argentina, recuou de 34,9% para 5,7%.
Nem mesmo um comunicado elogioso da ONU levou o saldo favorável do investimento estrangeiro no país ao espaço nobre das manchetes.
Algumas chamadas desperdiçadas pelo usucapião do alarmismo no terreno do noticiário:
a) 'Brasil recebe mais capital produtivo que Europa e Japão';
b) 'Brasil é o 4º destino do investimento no mundo' (é também a terceiro prioridade mundial das empresas, conforme a Price Watherhouse);
c) 'Fluxo de investimento cai 18% no mundo; apenas 2% no Brasil'
d) 'Só EUA, China e Hong Kong superam Brasil em investimento estrangeiro'.
e) 'Brasil recebe mais investimentos do que toda a África'
A ausência desses destaques indica que a Presidente Dilma dará um passo importante na retomada do crescimento se o que fez na última 5ª feira, ao falar em rede nacional sobre a questão elétrica, refletir um novo entendimento do seu governo.
A oposição que politiza até o serviço de meteorologia acusou o golpe.
Manchetes, colunas e editoriais ressentidos bradaram contra 'a politização da questão tarifária'.
A reclamação procede.
Mas peca pela incoerência.
Quando oculta a confiança internacional no país e exacerba a incerteza intrínseca ao cálculo econômico, o conservadorismo sabe o que está fazendo.
Está fazendo política econômica.
Admite implicitamente o que nega sua fé na 'objetividade científica' dos mercados racionais, autorreguláveis.
Ou seja, que a macroeconomia reúne técnicas úteis à direita e à esquerda.
Mas o amálgama final é político.
O amálgama da coalizão conservadora é indisfarçável: impedir a retomada do crescimento brasileiro; disso depende sua volta ao poder.
Corroer o grau de confiança nas iniciativas do governo é o atalho mais curto. As incertezas retardam as decisões de investimento.
É política econômica. Ecoada com zeloso alarmismo por editores, colunistas e convertidos de orelhada e holerite.
O saldo desse braço de ferro decidirá a luta pelo poder em 2014.
Decidirá se o país terá mais ou menos empregos; mais ou menos inflação; mais ou menos receita fiscal; mais ou menos salário; mais ou menos recursos para erguer escolas, construir estradas, multiplicar creches, implantar serviços dignos de saúde.
O pêndulo oscila diante de um calendário curto.
O investimento brasileiro patina há cinco trimestres.
Possivelmente, fechou 2012 com desempenho negativo.
Liberações de financiamento do BNDES ao setor produtivo, no entanto, cresceram 12% no ano passado.
Consultas para empréstimos em 2013 saltaram 60%.
São consultas.
Dependem de um empurrão para se materializar em fábricas, vagas, salários e oferta anti-inflacionária.
O empurrão não virá dos sinais contraditórios do mercado, ordenados pela coerência editorial conservadora.
O governo Dilma descobriu seu ovo de Colombo na semana que passou.
Inspirou confiança quando saltou o lacre da mídia dominante e falou direto à Nação.
De forma assertiva e clara liquidou a queda de braço em torno da questão tarifária. Escancarou os interesses insuflados na 'emergência elétrica'.
Fez política econômica falando à Nação.
Um presidente quando encontra seu ovo de Colombo não pode mais desperdiçá-lo. Tem a obrigação de multiplicá-lo.
Trata-se, no caso, de um ingrediente decisivo.
Dilma vai precisar de dúzias dele na receita de 2014.
Saul Leblon-Carta Maior
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