Uma das colunas que mais presta serviço a causas obscurantistas no Brasil celebrava, esta semana, o fato de que dez partidos aliaram-se no Congresso Nacional contra o Decreto 8.243, que cria a Política Nacional de Participação Social e o Sistema Nacional de Participação Social. Participação popular, para os brutos, deve reduzir-se ao voto em urna. E pronto. O restante da atividade política é atribuição dos poderes constituídos, segundo eles. É a mesma gente que concebe o Judiciário como uma espécie de poder “moderador” dos demais poderes da República, coisa que jamais foi seu papel; o fazem, decerto, por ser esse o único poder que não é constituído por sufrágio universal. Confiam pouco no voto popular e na participação social.
O horror que a ideia de mais participação causa na parcela da mídia alinhada à agenda de oposição não é surpreendente. Afinal, a democracia em nosso país tem-se construído apesar dessa gente, não com ela. O que considero, mesmo, surreal é partidos políticos se declararem e atuarem contra a participação popular e depois pedirem votos ao povo que alegam não ter legitimidade para monitorar, avaliar e promover o controle social das políticas públicas. É como dizer, claramente, que a legitimidade da cidadania se encerra e se resume no ato de votar – em eleições para eleger representantes nos governos e no Congresso, que fique claro.
Os dez partidos são DEM, PPS, PSDB, PR, PRB, SDD, PV, PSD, PROS e PSB.
O caso mais notório, não há como deixar de reconhecer, é o do Partido Socialista Brasileiro, o PSB de Eduardo Campos e Marina Silva. Há pouco se gerou um debate, que em minha opinião era tolo, em torno do fato de que alguma liderança do partido sugeriu retirar do manifesto de fundação, um documento histórico, as referências mais claras ao marxismo enquanto horizonte estratégico – como a socialização dos meios de produção, por exemplo. Com a atual postura, o PSB já não precisa mexer em seu manifesto porque ele já não tem significado algum. É espantoso que forças políticas que pretenderam dar ares de “primavera brasileira” às manifestações de junho de 2013, inclusive conclamando a população a manifestar-se com o mesmo ímpeto durante a Copa do Mundo e que, ademais, auto proclamam-se a “nova política”, aliem-se ao conservadorismo para manter o modelo de política velho, oxidado e autorreferente contra o qual se mobilizaram milhões de cidadãos, sobretudo os jovens.
Há que se reconhecer que esta, como muitas outras, são batalhas que o Governo Federal – e o PT – postergaram, sabe-se lá os motivos, para momentos mais que inoportunos; não basta mencionar a boa e velha cantilena da correlação de forças na sociedade. A esperar por essa condição ideal na chamada correlação de forças, damos por fato a ideia de que mudanças dependem, fundamentalmente, de quem é contra elas. Batalhas podem ser pedidas ou ganhas, mas a correlação de forças só muda com discussão de ideias. E é redundante reconhecer aqui a miséria do debate político no Brasil; qual ideia, grande ou pequena, para o país está em debate hoje? Sou por demais pessimista ao não conseguir enxergar nenhuma?
O fato é que a imaginação dos nossos companheiros – sou filiado ao PT – limitou-se à elevação do tema da inclusão social e econômica à condição de estratégia de desenvolvimento mas sem apontar, no entanto, qual sociedade queremos construir e sob quais valores. E agora temos de discutir mobilidade nas cidades que ajudamos a inundar de carros, por exemplo. O problema não é da péssima qualidade da política de comunicação dos governos petistas, como comumente se diz, frente a uma mídia corporativista, oligárquica e com agenda própria; a questão é que não fomos capazes, até aqui, de trabalhar verdadeiramente a construção de significados em torno de pautas como essa da participação social. Na temática da qual me sinto mais apropriado, a juventude, não construímos uma só ideia marcante para as novas gerações. Nenhuma.
Mesmo a alegação, verdadeira, de que a Política Nacional de Participação Social como instituída no Decreto é fruto de uma construção, ela própria, resultado de amplos processos participativos e que, metodologicamente, leva-se tempo para a máxima concertação dos pontos estruturantes, eu considero que ainda não justifica a tão pouca incidência desse debate. A Copa do Mundo é um exemplo; tivemos sete anos para promover processos que dessem o devido significado à realização do maior evento comercial do mundo em nosso país, mas não o fizemos, a ponto de hoje termos de justificar diuturnamente sua realização.
À parte esse contexto difícil, o Decreto 8.243 é o marco institucional cujo teor mais dialoga com as manifestações de junho de 2013; muito mais, aliás, que as pautas conservadoras com que o Congresso Nacional buscou responder mais à mídia que aos manifestantes. Agora, é necessário enfrentar a argumentação dos que querem que a atividade política permaneça sendo um privilégio oligárquico ou de classe social. Para definir campo nesse debate, acho que a pergunta que cabe é: você daria seu voto a quem não quer que sua participação tenha validade institucional? Eu não. O figurino de Justo Veríssimo é o ideal para os políticos que são contrários a instrumentos de participação social. Para quem não se lembra, é a criação do genial Chico Anísio como arquétipo do político paroquial e corrupto. Uma de suas citações caberia bem a quem quer derrotar a proposta da Política Nacional de Participação Social. Do povo, diria Justo Veríssimo, eles querem duas coisas: o voto e distância.
Carlos Odas
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