terça-feira, 29 de julho de 2014

Dilma em sua versão 4.0 vem aí



E foi o que ocorreu com Dilma Rousseff entre os anos 2010 e 2014. Temos uma outra Dilma, eloquente, à vontade, com domínio do tempo jornalístico. Isso ficou patente ao assistir ao vivo a sabatina com os presidenciáveis do pleito presidencial de 2014 promovido pelo consórcio Folha/Uol, no Palácio da Alvorada, em Brasília, na tarde desta segunda-feira, 28 de julho.
Chama a atenção a descontração de uma presidente sempre bem-humorada mesmo que as perguntas que lhe destinavam pareciam mísseis teleguiados por Israel em direção à Faixa de Gaza, a diferença é que a segurança da presidente funcionou como perfeita bateria antimíssil, derrubando logo de início o caráter provocativo das questões e abatendo por completo o lait-motiv dos inquisidores que não era outro que deixá-la sem norte e sem rumo, sem resposta, insegura, encurralada.
A segurança das respostas de Dilma também ficou evidente. Sabia dados econômicos na ponta da língua, e mais que isso, se sentia muito à vontade para desqualificar informes estatísticos aventados por Kennedy Alencar e Josias de Souza, não demonstrando irritação com quem fazia a pergunta e sim, buscando apresentar o enfoque que em cada situação lhe parecia ser o mais correto, verdadeiro, genuíno.
Essa sabatina deixou em apuros a visão de nossa grande imprensa: quase sempre distorcida, colocando por baixo do tapete jornalístico o que de bom é feito pelo governo e dando desmedida exposição midiática a qualquer indicador que demonstre inflação descontrolada, desemprego em alta, desaquecimento econômico. E para isso incansável em expor cenários comparativos os mais inusitados como: a maior taxa de desemprego na indústria em meses com maior números de lua no quarto minguante; a maior escalada inflacionária desde que foi inventada a penicilina ou desde quando foi descoberto o ex-planeta Plutão; desde que foi lançado nas farmácias e drogarias de todo o país o regulador Xavier; ou ainda, dos tempos em que Monteiro Lobato criou a boneca Emília e se envolveu  na campanha nacionalista "O petróleo é nosso!"
E nossa imprensa chega às raias do risível quando investe pesado em pintar tempestades perfeitas irrompendo assim do nada, como se surgisse ao acaso em perfeitos dias ensolarados.
Com domínio do lugar da fala, Dilma foi a senhora absoluta do tempo da entrevista, colocou sob sua perspectiva o que era de seu desejo explicitar, soube com rara habilidade de comunicadora – coisa que ela realmente não é ou pelo menos nunca demonstrara antes ser – não se prender à maneira e ao contexto com que os temas eram levantados pelos entrevistadores.
E estes contextos eram claramente desfavoráveis ao seu governo. A maior parte dos tópicos foram levantados tendo como pano de fundo claro clima de confrontação, aquele clima que se bem emoldurado, costuma render além de boas manchetes jornalísticas, farto combustível a ser alardeado pela oposição como fraqueza da presidente que tenta a reeleição.
E tudo assumia tinturas de escândalo, escárnio, menosprezo ao governo da entrevistada. Algumas das bombas logo desarmadas foram:
Santander: Dilma considerou a ação do banco espanhol para influenciar no processo eleitoral como inadmissível, afirmou ainda estar estudando medidas a serem tomadas e disse que o pedido de desculpas do banco foi não mais que protocolar, ou seja, que o governo brasileiro não ficara satisfeito com as explicações e, que pretende,algo entre 0 e 10 como 1,5 ou 2.
Anão diplomático: Acerca do vexame cometido pela chancelaria israelense de taxar o Brasil de “irrelevante” e “anão diplomático”, não só reafirmou que agira de forma certa ao convocar a Brasília nosso embaixador em Israel, como também disse e repetiu que apoia integralmente a posição da ONU de que tem que haver um cessar fogo imediato do bombardeiro de Israel sobre a população civil de Gaza. Falou da importância do Brasil quando da criação do estado de Israel, de grande parte da população brasileira ser descendente dos cristãos novos, aqueles que no século XV  assumiram novos sobrenomes como forma de escapar da diáspora ibérica. Preferiu chamar de massacre ao invés genocídio o que Israel está fazendo em Gaza. E deixou claro que não pretende cortar relações diplomáticas com o estado judeu.
= Mensalão: Dilma afirmou que o processo envolvendo o PT e partidos de sua base aliada, herdada ainda dos governos Lula da Silva foi tratado, se visto em relação ao mensalão do PSDB, como “dois pesos e 19 medidas”. E desconcertou Josias de Souza com essa: “O mensalão mineiro não foi julgado pelo STF e você sabe como será julgado em Minas, não é Josias?”
= Corrupção: Dilma rechaçou a pecha que a oposição e a mídia tenta desde há muito colar no PT de que é um partido que enseja o crescimento da corrupção. Demonstrou que, muito ao contrário do que se acostumaram a difundir, o PT é quem mais investiga qualquer caso de corrupção, é o partido que teve, pela primeira até seus antigos dirigentes condenados, bem ao contrário dos demais partidos que sempre mantiveram a prática de engavetar as denúncias, abafar os escândalos, nada investigar. Dilma reafirmou sua profunda confiança em órgãos como a Controladoria-Geral da União, o Ministério Público Federal, a Advocacia-Geral da União, o Tribunal de Contas da União.
= Inflação: Dilma nadou de braçada, dando informações detalhadas sobre o comportamento anual das taxas de inflação de 1999 a 2013, e com isso esclareceu que os governos do PT sempre estiveram dentro das metas, e na maioria dos anos, bem abaixo do centro das próprias metas. Destacou a robustez econômica do Brasil em relação a diversos países do mundo. Afirmou que mesmo em meio à crise internacional de tal monta. o Brasil optou por políticas de livre emprego e não pelo desemprego e arrocho salarial, que segundo ela, eram práticas dos governos anteriores ao PT.
= Cuba: Dilma fez clara defesa do seu Mais Médicos, explicou que o maior número de médicos vem de Cuba simplesmente porque foi o país que melhor atendeu aos propósitos do programa que é o de interiorizar o atendimento à saúde básica nas regiões Norte e Nordeste, em lugares remotos do Brasil, áreas indígenas e nas periferias das grandes cidades de todo o país: primeiro abriu para médicos brasileiros, conseguiu pouco mais de mil; depois abriu para médicos do exterior, pouco mais de 12 mil se inscreveram e destes cerca de 10 mil eram de nacionalidade cubana, quando então o governo brasileiro buscou concretizar a parceria com a entidade de saúde que tratava de convênios da espécie (OPAS). Afirmou também que não se trata de salário e sim de bolsa. E que é algo temporário, até que o Brasil consiga formar médicos em quantidade suficiente às necessidade do país e consiga convencê-los a se estabelecer em centenas de municípios-metas do Programa. Depois mencionou que achava um contrassenso que, em pleno século XXI, ainda existisse tanta aversão a Cuba. E afirmou que a totalidade dos países da América do Sul, inclusive o Brasil, são unânimes ao se posicionar contra o embargo/bloqueio mantido pelos Estados Unidos contra a pequena ilha caribenha há tantas décadas.
= Rejeição: Dilma disse que boa parte dessa rejeição atribuída ao PT e ao seu governo tem a ver com o desconhecimento da população das ações do governo e que com o horário eleitoral isso será sanado. Lembrou que um mês antes da Copa do Mundo pesquisas davam conta que mais de 60% da população estavam contra o Mundial e que durante e logo após o evento, cerca de 84% da população mostrou posição amplamente favorável, positiva acerca de Copa no Brasil. Perguntada sobre o que pretende fazer quanto à sua rejeição em São Paulo, apresentou várias grandes obras do governo federal em São Paulo: 600 mil casas pelo “Minha casa, minha vida”, grande parte da construção do Rodoanel. Creditou isso ao nível de desinformação.
= Dinheiro em casa: Josias de Souza quis saber porque ela conservava consigo R$ 152.000,00 em espécie, porque não tinha esse dinheiro em banco. Dilma foi de uma sinceridade desconcertante: ”acho que isso vem do tempo em que eu vivia fugindo, dos três anos em que fui presa durante a ditadura militar, eu era uma fujona”. Matou assim dois coelhos de uma só cajadada. Primeiro, porque relembrou seu passado de resistência à ditadura, coisa que nenhum de seus adversários na corrida pelo Planalto podem trazer para si. Segundo, porque é uma pessoa de hábitos e que prefere ir ao longo do ano ir depositando em poupança. È óbvio que uma pessoa que é perseguida por um regime, como aquele que os militares instauraram no Brasil no período 1964/1985, não cometeria a insensatez de manter conta em banco, até porque nunca se sabia em que residência pernoitaria ou em qual cidade buscaria refúgio. Simples assim.
Ao final, nenhuma pergunta ficou sem resposta. E em nenhuma Dilma fraquejou ou gaguejou, simplesmente porque enfrentou todos os temas com extrema naturalidade e segurança. Aquela naturalidade de quem se orgulha do que fez e a segurança de quem sente orgulho do que faz.
A candidata que tenta sua reeleição em outubro próximo é imensamente diferente daquela desconhecida bancada por um presidente-rei-da-comunicação como o foi Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. Por outro lado, foi um bom exercício para jornalistas que sempre se achavam  "a última bolacha do pacote" perceber como a realidade é outra quando há espaço para o contraditório.
Se eu fosse qualquer dos principais adversários da candidata Dilma Rousseff começaria a me preocupar com os debates que virão pela frente. Porque, levando em conta esse aperitivo servido pela Folha/Uol, Dilma nunca esteve tão à vontade como agora para discorrer sobre qualquer tema.
O mesmo não se pode dizer de Eduardo Campos. O pernambucano, neto de Miguel Arraes, posou  tempo demais tentando passar a imagem de que é a encarnação de  um novo modo de fazer política, uma terceira via possível para a política nacional em contraponto ao binômio PT/PSDB, agora nos debates terá que explicar pencas de contradições internas de seu combalido PSB: histórias mal contadas e numerosos atritos envolvendo o consórcio PSB/Rede de Marina Silva e atinentes à distância entre “programático e pragmático”; percepção que nordestinos têm de que ele traiu Lula em favor de sua ambição pessoal; compra de apoio político para seu candidato ao governo de Pernambuco; coligações com expoentes da direita ao estilo Jorge Bornhausen e Heráclito Fortes; apoio aos candidatos tucanos aos governos de Minas (Pimenta da Veiga) e São Paulo (Geraldo Alckmin).
Quanto ao mineiro Aécio Neves, neto de Tancredo Neves, ele terá que conviver com uma imprensa que decididamente não é a das Minas Gerais. E terá que parar de gaguejar e de mostrar seu incontrolável nervosismo ao tratar de temas triviais em uma campanha presidencial que faz completo contraponto do atual governo ao legado de FHC; aeroportos que vão de Montezuma a Claudio; bafômetro; drogas; evolução patrimonial; rádio Arco-Íris; cerco à imprensa de oposição ao seu governo; perda de posições de Minas Gerais para vários outros estados brasileiros nos últimos 5 anos; mensalão tucano envolvendo seu candidato Pimenta da Veiga ao governo de Minas;Petrobrax.


Daniel Quoist


Daniel Quoist, 55, é mestre em jornalismo e ativista dos direitos humanos

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