Por Luís Costa Pinto, em seu Facebook
Jaz nas telas de computadores, laptops, tablets e smartphones do país inteiro o cadáver insepulto do jornalismo tupiniquim.
Morreu em decorrência da falência de múltiplos órgãos. Nos momentos
derradeiros a bile começou a irrigar a cabeça de muitos, e ali já não
havia cérebro – o fígado se instalara no crânio de “jornalistas” e de
seus “chefes”.
O necrológio do jornalismo brasileiro está escrito em cifras e
códigos nas entrelinhas daquilo que não se perguntou, que não se
escreveu e que não se analisou nos textos que informam a existência de
um pedido de um delegado federal para ouvir o ex-presidente Lula no
âmbito dos inquéritos da Lava-Jato.
Não acho que Lula ou qualquer outro ex-presidente, autoridade ou
ex-autoridade seja intocável e não esteja passível de prestar contas do
que fez. Mas tenho convicção que tudo deve seguir o rito institucional. E
ser jornalista, ser imprensa, obriga a que todos se atenham aos ritos.
Aos ritos.
O delegado infere, presume, supõe, crê, acha, enfim, que o esquema de
corrupção ora em apuração serviu para beneficiar a sustentação política
dos governos liderados por Lula. Mas será que só ele, genial, acha
isso? É óbvio que, ao ouvir de forma isenta as delações, ao ler as
narrativas publicadas, cada um de nós infere, supõe, crê, acha a mesma
coisa. Isso é motivo para um delegado federal dirigir-se à Corte Suprema
para pedir a oitiva de um ex-presidente? Descontadas as inferências,
presunções, suposições, crenças, achismos, implicâncias e partidarismos,
enfim, há algo realmente concreto donde se possa depreender uma
orquestração criminosa promovida por Lula? E, se houvesse, não seria
natural e esperado que tais demandas saíssem para conhecimento público a
partir da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba – cuja competência
técnica parece ser acima da média e vem sendo comprovada dia a dia com o
alto percentual de confirmação de seus atos no Supremo? E não tendo
Lula qualquer foro privilegiado, afinal ex-presidentes não têm foros
privilegiados, por que um delegado federal de Brasília faz um pedido ao
Supremo Tribunal Federal para investigar Lula se o caminho natural e
próprio seria pedir isso ao juiz Sérgio Moro, que conduz os julgamentos
da Lava-Jato em Curitiba?
Por que isso ocorre em Brasília? E por que vaza numa sexta-feira de
manhã? E por que vaza para Época? E por que vaza para um repórter
específico que já tem um contencioso com a defesa jurídica do
ex-presidente em razão de outras reportagens? E por que os jornalistas
que nas últimas horas ecoaram esse expediente no mínimo heterodoxo da
Polícia Federal não fizeram, ainda, essas perguntas? Por que o texto
original do furo em Época não traz, já, uma série de respostas a esses
porquês? Por que o texto inaugural do caso, no site de Época, não põe o
delegado federal respondendo se ele acha que inventou a pólvora que pode
implodir de vez a biografia de Lula? Se ele crê que só ele acha tudo
aquilo. E por que, sendo delegado federal, não se dirigiu a Sérgio Moro?
Aliás, o juiz Moro, que fala pouco e parece sentenciar bem, poderia
abrir uma exceção e se pronunciar sobre esse pedido.
A ressaca desse assaque pode ser devastadora para quem deseja ver o
cadáver do ex-presidente Lula exposto, esquartejado, nos postes da
Esplanada dos Ministério e participar da salga dos escombros do
Sindicato dos Metalúrgicos e da sede do PT em São Paulo. E se o
Ministério Público achar que esse pedido é descabido? E se, mesmo tendo
seguimento no STF, os ministros da Corte decidirem que o pedido é
esdrúxulo? E, pior para os advogados do quanto pior melhor: e se Lula
for absolvido, inocentado? Um Lula inocentado, solto nas ruas, não seria
bem pior que um Lula suspeito para quem tanto o teme? O para os que
tanta ojeriza a ele professam e confessam numa evidente expressão de
inveja biográfica? De recalque de classe?
Estamos numa República em que há lavanderias de dinheiro em escala
semelhante à existência de abatedouros clandestinos de reputações.
Vivemos num país em que parte de uma imprensa que agoniza em praça
pública revogou a missão de questionar, de investigar, de fazer as
perguntas mais tortuosas às fontes mais amigas a fim de brilhar
intensamente por fugazes 15 segundos.
E creiam: aqui grassa também a lavagem de fatos. Ela se dá quando,
esgotadas as possibilidades de se demonstrar a veracidade de uma
apuração, costura-se um rol de meias verdades, de inferências, de
mentiras, de histórias fantásticas e outras reais, desconexas entre si,
mas alinhavadas com nexo, e aí se leva a público um enredo verossímil.
Depois disso, cabe aos acusados, ou às vítimas e às suas carcaças,
provar a verdade – porque as provas só são exigidas da verdade. A
mentira pode ser apenas verossímil se ela servir para confirmar o que a
bile quer ver confirmado a fim de atender ao comando do fígado que hoje
ocupa o lugar dos cérebros na maioria das redações remanescentes.
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