30 Nov 2008
Gostaria que esse artigo fosse lido, com carinho especial, pelo assessor da presidência para relações internacionais, Marco Aurélio Garcia.
Uma vez eu estava na Bahia, participando de um congresso, e conheci um jornalista. Perguntei sobre o que ele costumava escrever. Ele me respondeu: "eu sento o pau no ACM!" Era muito engraçado, claro. Ele fazia parte de uma minoria combativa de jornalistas que combatiam um político que chegou a dominar mais de 90% das prefeituras baianas, governo do Estado, Senado, e as bancadas legislativas federal, estadual e municipais. Eles lutavam com apoio de minorias ígualmente combativas e esclarecidas, impulsionados exclusivamente por suas consciências. Não havia internet, que permitiria a esses agentes interagirem melhor entre si mesmos e com o resto do país, de forma que nunca ficaremos sabendo, pelo menos enquanto não se publicarem livros sobre o tema, os nomes e as lutas desses jornalistas anônimos que resistiam ao império do falecido Antonio Carlos Magalhães.
Claro que eles não se dedicavam somente à luta contra ACM. Cometiam poemas, crônicas de amor, eram compositores, escreviam artigos sobre arte e turismo. Mas isso todos faziam. O que lhes distinguia de outros jornalistas era sua resistência ao caudilho baiano.
Ás vezes fico pensando no que eu sou. Escrevo sobre tudo. Cometo poemas, contos, crônicas, ensaios, artigos, resenhas. Faço tudo isso por prazer. Nâo estou interessado em louros. Me basta saber que o blog está sendo lido e comentado. Mas eu, assim como aquele jornalista baiano, também tenho uma bandeira que resume minhas lutas: sentar o cacete no jornal Globo. Tenho pra mim que não existe empresa que represente, de forma mais clara, o reacionarismo medieval que ronda a cabeça de nossas elites desde a fundação do país. Minha postura, eu sei, coloca-me numa situação de pária aqui no Rio. Entretanto, sem querer ser místico, mas já sendo, faço isso porque uma força superior, uma força histórica, assim me guia.
Tentando entender porque ajo assim, andei frequentando o arquivo histórico da Biblioteca Nacional e descobri o que já imaginava. O Globo luta contra os trabalhadores desde seus primórdios. Tudo que você possa imaginar que beneficiou o Brasil e os trabalhadores foi antes duramente combatido pelo Globo: salário mínimo, criação da Eletrobrás, da Petrobrás. Tudo. Estou apenas resumindo. E quando eu falo isso, receio que as pessoas não percebam a gravidade do fato. O sistema elétrico brasileiro estava em mãos de companhias britânicas, e metade do país vivia às escuras, porque não interessava a essas empresas ampliar a rede para áreas pobres e pouco desenvolvidas. E que continuariam pobres e pouco desenvolvidas justamente por não terem acesso as redes elétricas. O Globo, no entanto, atacava a criação de Eletrobrás porque recebia dinheiro de empresas britânicas. Leiam História da Imprensa Brasileira, de Nelson Werneck Sodré. Poderia me estender por muitas páginas, descrevendo as campanhas do Globo contra os interesses nacionais, mas cumpre falar do momento presente.
Entretanto, paradoxalmente, eu gosto do Globo. É um adversário antigo meu. Sentiria saudades se ele não existisse. Quero que ele exista. Minha luta não é para "derrubar" o Globo, e sim para que as pessoas adquiram consciência de que o Globo é um jornal que submete qualquer assunto a seus interesses, violentando todo escrúpulo jornalístico. Queria, sobretudo, que nossos valorosos (ou nem tanto) parlamentares enxergassem isso e não subissem à Tribuna, como eles fazem, com um exemplar do Globo debaixo do braço, tentando impor à nação uma agenda política elaborada nos últimos andares de um edifício da rua Irineu Marinho.
Gosto tanto do Globo, ia dizendo, que fiz uma assinatura, há poucos dias. Foi um gesto arriscado, uma opção por uma vida com emoções fortes. Dificilmente terei manhãs tranquilas durante os próximos doze meses. Hoje, por exemplo, um domingo nublado no Rio de Janeiro. Poderia acordar, tomar meu café da manhã e iniciar a leitura de um novo livro. Ou escrever uma resenha para o Gonzum (meu sebo virtual). Ou concluir logo o artigo que estou escrevendo para a Inteligência. Em vez disso, peço ao porteiro para pôr o jornal no elevador. Aguardo um pouco, vou até o corredor, levemente preocupado em ser flagrado com roupa de dormir, espero o elevador chegar, abro a porta, pego o Globo e volto para o apartamento. Pronto. Minha paz já era.
Consolo-me pensando (ou me enganando) que a paz não me interessa. Ao menos terei assunto! E não me faltará revolta! Enfim, a manchete do Globo deste domingo, 30 de novembro, é a seguinte:
VIZINHOS AMEAÇAM O BRASIL COM CALOTE DE US$ 5 BILHÕES
"Assessor da Presidência diz que "isso tudo tem cheiro de desastre"
Bem, mesmo sendo vacinado contra o Globo, levei um susto. Não um susto muito grande, porém, porque do Globo espero tudo. Qualquer dia desses, eles virão com algo como "Chávez declara guerra ao Brasil", e, na matéria, verificaremos que não é nada disso. É a mesma coisa hoje. Leio a matéria e encontro um apanhado de informações confusas genéricas, que pedem toda minha perspicácia para compreender. Em primeiro lugar, os tais US$ 5 bilhões referem-se a dívidas de mais de 30 anos, embora o Globo faça tudo para transparecer que se trata de um rombo que irá arrasar nossas contas públicas. A matéria engana em todos os sentidos. Os países estão fazendo auditoria das dívidas, o que é diferente dizer que não pagarão. Podem pagar integralmente ou podem discutir o valor, o que é natural em qualquer dívida.
Ah, e o tal assessor da presidência? Nem sinal dele na matéria. Lançou-se uma frase de efeito debaixo do manchetão, apenas para iludir os incautos que fuçam capas nas ruas, nas bancas de jornais. O Globo, aliás, sempre jogou com o público de rua. Até meados da década de 70, seus editoriais eram publicados na primeira página, para atingir a opinião pública de menor poder aquisitivo, que tem a inteligência de não gastar seu parco dinheirinho comprando jornal golpista...
O que me revolta, especificamente, é que o Globo não diz que as exportações brasileiras para o Equador cresceram quase 600% nos últimos seis anos. E que uma suposta briga diplomática, incentivada pela mídia, entre Brasil e Equador, implicaria em danos econômicos ao país muito maiores ao causado por um suposto calote no BNDES, porque seriam danos que causariam desemprego. As empresas brasileiras hoje dependem dos mercado sul-americanos, portanto seria absurdo que o Brasil criasse uma briga com esses países por conta de dívidas de mais de 30 anos, cujos valores certamente podem ser rediscutidos.
O Globo não é comprometido com os interesses econômicos nacionais. Hipocritamente, tenta insuflar um nacionalismo burro, alienado, em leitores que, justamente pela falta de informação do próprio Globo, não sabem a importância crucial, para a economia brasileira, de relações comerciais tranquilas com seus vizinhos. Essas pendências de dívida podem ser resolvidas calmamente, e os valores são irrisórios se comparados ao volume de comércio praticado.
A situação, todavia, é ainda mais grave do que se pensa. Com a crise no primeiro mundo, sobretudo EUA e Europa, o Brasil ficará ainda mais dependente de seus vizinhos. Brigas diplomáticas, portanto, não são, definitivamente, bem vindas. O Equador, por conta da atitude agressiva do governo brasileiro, seguramente influenciado pela onda chauvinista da mídia, já ameaçou cortar compras de produtos brasileiros. É tudo que os EUA querem. Que os países sul-americanos deixem de comercializar entre si e voltem a comprar exclusivamente produtos norte-americanos. Delenda Serra.
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