quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O PAPA E O DIABO NO RECIFE

Publicada em:03/12/2008


Recife (PE) - O Papa visitou o Recife em uma segunda-feira. Rezou uma santa missa à tarde, às 17 horas e 10 minutos, a serem verdadeiras as informações do arquivo do Jornal do Commercio:

Uma grande manifestação de fé mobilizou a cidade na passagem do papa João Paulo II pelo Recife, nos dias 7 e 8 de julho de 1980. Já na Base Aérea, a recepção calorosa do então arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, plenamente correspondida por Sua Santidade no abraço espontâneo ao arcebispo, deu o tom da visita papal, que durou menos de 24 horas. Da chegada ao aeroporto no Ibura, às 15h30 - onde foi recebido pelo governador Marco Maciel, pelo prefeito Gustavo Krause e por dom Hélder Câmara - até o embarque na manhã do dia seguinte rumo a Salvador, milhares de pessoas, entre elas centenas vindas de todo o Nordeste, saudaram João Paulo ao longo de todo o trajeto, que incluiu as avenidas Mascarenhas de Moraes, Boa Viagem e Antônio de Góis, até o altar erguido sobre o Viaduto Joana Bezerra, onde o Santo Padre celebrou, às 17h10, uma missa campal acompanhada por aproximadamente 300 mil pessoas, que se acotovelavam no local desde o início da tarde.....

Lembro que estávamos na casa do Gordo, nesse dia. Na sala estávamos eu, o Gordo, Marcão, Tarcizo Galego, Zé Correia, Semadá, Marcelino e Givaldo. Em uma palavra, uma gangue. E, claro, a mãe do Gordo, dona Dagmar, e a irmã do Gordo, irmãos, e sobrinhos, tudo isto de mistura a nós. Estávamos todos bebendo. Bebíamos, com paciência e método, porque o melhor estava por vir. O Papa !

Dona Dagmar sempre soube que não acreditávamos em Deus. Mas esse conhecimento, ainda que não trouxesse uma aceitação de nossas idéias, possuía pelo menos uma transigência, um conviver sábio, porque éramos, devíamos ser, bons meninos. Ela desconfiava que apesar de ateus não podíamos ser tão maus assim, porque afinal éramos amigos do seu filho, o seu mais velho filho, o homem que pelo estudo, pela instrução, conseguira tirar a família da extrema pobreza. O Gordo, o senhor Antonio Luís da Silva, era graduado em História e funcionário do Banco do Nordeste do Brasil, onde ingressara por concurso público.

Enquanto a missa não vinha, era possível a televisão ligada e os frevos em discos da Mocambo, em vinil, a rodar. A tarde avançava.

Ora, quis o Diabo então que às cinco em ponto da tarde todos entrássemos em silêncio, forçado, em respeito a Dona Dagmar, senhora católica, crente dos poderes e infalibilidade papal. Assinamos como por encanto uma trégua, um acordo, sem papel. Os frevos pararam de rodar, e ficamos todos, em tensão máxima, aos murmúrios, pois o respeito àquela mulher do povo assim exigia. Escrevi certo? Eu creio que sim, porque o respeito somente poderia ser a ela, nunca ao Papa nem a seus sacrossantos dogmas, está visto. Por isso o Diabo, os demônios, em nova conjura assestaram e acertaram um tento na pessoa de um dos nossos.

Em mim, estava escrito. No minuto santo, magno e piedoso em que o Papa se preparava para distribuir a hóstia em santa comunhão, que faz o Demônio? Ele me toma o corpo, a mão, o espírito, e faz com que eu me dirija em silêncio à cozinha, e lá encha vários copos de aguardente, ponha-os em uma bandeja, e arranque pedaços de pão do armário, divida-os bem divididos, e, assim posto em papel de sacerdote das trevas, retorne à sala e distribua o álcool e o pão hereges enquanto Deus era servido na televisão. Marcão, Semadá, Givaldo, Marcelino, Zé Correia, todos comungaram. Mas, safados, comungaram inocentes, alheios e alienados do instante da hóstia consagrada do Papa. Melhor dizendo, beberam, com toda educação e respeito. Eu, o demônio, que suportasse as conseqüências.

O Gordo me contou o resultado disso, longe da cena do crime, uma semana depois:

- Minha mãe me chamou naquele dia para a cozinha e me disse: “olha para as minhas mãos”. As mãos de Dona Dagmar estavam tremendo.

Somente muito tempo depois pude voltar à casa do Gordo. Dona Dagmar fez de conta que de nada mais se lembrava. Mulher sábia, a perturbação no reencontro foi minha. Imagino que ela compreendeu ao fim que filhos de Deus ou do Diabo todos temos o mesmo destino.
Urariano Mota.

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