segunda-feira, 9 de abril de 2012

O duplo


Você deve ter achado estranho o artigo que o senador Demóstenes Torres publicou nesta semana, certo? Mesmo depois de passar por um intenso processo de achincalhe público, o parlamentar não perdeu a pose e manteve sua posição de crítico do governo. Como pode? Só há uma explicação: há dois Demóstenes.

Um que, de tão probo, tem – mais do que a condição – a obrigação de criticar e julgar tudo o que há de condenável a sua volta. E outro que, amigo de um notório contraventor, não se constrange ao misturar os interesses enquanto parlamentar e… bem, amigo de bicheiro. Há precedente em Dostoievski.

Em O duplo, o conselheiro titular Iávok Petróvitch Goliádkin cruza com Iávok Petróvitch Goliádkin nas ruas gélidas de Petersburgo, e ali começa o fim de sua reputação. O duplo de Goliádkin acaba se apropriando de seu trabalho e tomando-lhe o lugar na repartição pública.

Parece delírio, hein? Mas, no caso de Demóstenes, o duplo explica tudo. O homem que se estabeleceu como paladino da moral no Senado permanece o mesmo, escrevendo seus artigos inquisidores, enquanto o Demóstenes Torres lá de Goiás mantém as velhas amizades, sem preconceito, sem julgamento, sem pudor.

 
Faz sentido, senador. Afinal, o que é pior: achar que suas relações com um bicheiro não comprometem seu trabalho enquanto parlamentar ou continuar achando isso depois de revelada a amizade? Seria absurdo demais… Por isso recorro a Dostoievski para entender Demóstenes: há dois deles. O problema, percebeu Goliádkin, é conseguir convencer alguém disso.

Fonte: Literatura de Verdade

Um comentário:

Teresa Barbosa disse...

Para Demóstenes, a melhor defesa é o ataque