Você deve ter achado estranho o artigo que o senador Demóstenes Torres publicou nesta semana, certo? Mesmo depois de passar por um intenso processo de achincalhe público, o parlamentar não perdeu a pose e manteve sua posição de crítico do governo. Como pode? Só há uma explicação: há dois Demóstenes.
Um que, de tão probo, tem – mais do que a condição – a obrigação de criticar e julgar tudo o que há de condenável a sua volta. E outro que, amigo de um notório contraventor, não se constrange ao misturar os interesses enquanto parlamentar e… bem, amigo de bicheiro. Há precedente em Dostoievski.
Em O duplo, o conselheiro titular Iávok Petróvitch Goliádkin cruza com Iávok Petróvitch Goliádkin nas ruas gélidas de Petersburgo, e ali começa o fim de sua reputação. O duplo de Goliádkin acaba se apropriando de seu trabalho e tomando-lhe o lugar na repartição pública.
Parece delírio, hein? Mas, no caso de Demóstenes, o duplo explica tudo. O homem que se estabeleceu como paladino da moral no Senado permanece o mesmo, escrevendo seus artigos inquisidores, enquanto o Demóstenes Torres lá de Goiás mantém as velhas amizades, sem preconceito, sem julgamento, sem pudor.
Faz sentido, senador. Afinal, o que é pior: achar que suas relações com um bicheiro não comprometem seu trabalho enquanto parlamentar ou continuar achando isso depois de revelada a amizade? Seria absurdo demais… Por isso recorro a Dostoievski para entender Demóstenes: há dois deles. O problema, percebeu Goliádkin, é conseguir convencer alguém disso.
Fonte: Literatura de Verdade
Fonte: Literatura de Verdade
Um comentário:
Para Demóstenes, a melhor defesa é o ataque
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