É uma teia imensa, intrincada e surpreendente que se forma com pessoas, situações e instituições de algum modo incluídas na história, que apenas se começa a perceber, centrada até agora em Carlinhos Cachoeira.
Se a CPI mista decidida pelos presidentes do Senado e da Câmara, José Sarney e Marcos Maia, conseguir aprovação das duas Casas; se conseguir razoável composição; se conseguir fazer trabalho sério e produtivo, nem assim conseguirá penetrar em certos meandros da teia para explicá-los. Seja porque nem o seu grande poder bastaria, seja por dificuldade excessiva.
A Operação Satiagraha, por exemplo, nada tinha a ver com Carlinhos Cachoeira e redes clandestinas de jogo. Mas o hoje deputado, e delegado da operação, Protógenes Queiroz, já se vê colhido pela vigilância sigilosa ao círculo de Cachoeira.
O deputado dispõe de incontáveis modos de citar sua atividade policial como motivo dos contatos. Mas não é tão simples.
Protógenes e o então juiz Fausto De Sanctis eram os alvos imediatos da exaltada acusação do ministro Gilmar Mendes, à época da Satiagraha, de que vivíamos "um Estado policial". Como provava, dizia ele, a gravação grampeada de um telefonema seu, no próprio Supremo Tribunal Federal. Com quem era o telefonema?
Com o senador Demóstenes Torres, que confirmou: "Sim, eu conversei por telefone com o ministro Gilmar". E nada mais disse nem lhe foi perguntado, por ninguém. Nem ao menos para saber se tinha ideia de como fora feita a gravação. Sobre a qual também Gilmar Mendes não teve ou não pôde dar qualquer esclarecimento.
Uma coisa, porém, ficou clara à época. A Satiagraha ultrapassou as finalidades que lhe estavam atribuídas e, com isso, tornou-se ela o alvo, por intermédio também dos ataques do ministro ao juiz De Sanctis. Eram muitos a querer encerrá-la. Algo havia batido em uma casa de maribondos.
Ninguém duvide: tanto os arquivos da PF guardam material valioso daquela fase, como parte dele é uma das inspirações da Operação Monte Carlo -esta que levou Cachoeira para a prisão, em fevereiro. E deu nos espantos que aí estão.
Mas por que, se há tanto tempo coletava gravações e outros materiais em torno de Carlinhos Cachoeira, a PF decidiu desfechar sua investida em fevereiro passado?
Tal explicação não aparece no pinga-pinga de seus vazamentos para a imprensa. Em todo caso, por falar em fevereiro, nesse mês ressurgiu das sombras um processo que lembra Carlinhos Cachoeira sem, no entanto, incluí-lo ou sequer citá-lo.
Esse processo ficou cinco anos guardado com o ministro Cezar Peluso, que desde 2005 o recebera para relatá-lo. É a ação do Ministério Público de Goiás contrária, por inconstitucionalidade, a um decreto e uma lei aprovada pela Assembleia goiana em 2000, ambas liberando a exploração de uma tal loteria instantânea.
Outro nome para o jogo em caça-níqueis, especialidade de Cachoeira. O Tribunal de Justiça de Goiás derrotou os procuradores do Ministério Público, que voltaram a recorrer. Mas, como jogo de azar é assunto federal, o recurso foi para o Supremo Tribunal.
Na redistribuição dos processos em mãos de Peluso, quando feito presidente do STF em 2010, o de Goiás foi entregue a Gilmar Mendes. Em abril, foi mandado ao procurador-geral da República para dar parecer. Roberto Gurgel demorou 20 meses para fazê-lo, até meados de dezembro do ano passado. E, afinal, a solução: em fevereiro, o ministro Gilmar Mendes mandou o processo ao arquivo. Com o argumento de que, ainda em Goiás, os procuradores queixosos perderam o prazo para recorrer.
Mas não perderam. Um agravo seu já demonstrara a antecedência da entrega, feita em 19.8.2002, conforme o recibo. A data posta no recurso pelo tribunal goiano foi, porém, 25.8.2002, adotada por Gilmar Mendes para o arquivamento.
Erro de um dia, dois, seria compreensível. Mas sete dias de erro, uma semana, ao registrar a data do dia em curso, é impossível. Só por má-fé. O poder dos interesses no decreto se preveniram com esperteza.
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, recorreu para reconsideração de Gilmar Mendes. Não ocorrida, até ontem. O ministro limitou-se a dar entrevista afirmando que uma decisão vinculante do STF, em caso de 2007, já negava validade à exploração do jogo em caça-níqueis.
A decisão de arquivar a ação dos procuradores de Goiás, contra a inconstitucionalidade da liberação do jogo naquele Estado, não considerou a sentença do caso de 2007.
E estamos no começo da história.
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