Um processo que levou à destituição de um presidente da república decidido em menos de dois dias poderia bem ser um novo filme de Woody Allen sobre republiquetas latino-americanas e suas frágeis democracias - o cineasta fez isso em Bananas, filmado em 1971.
Mas a história é verídica, ocorreu mais de 40 anos depois e, ainda assim, não sensibilizou um grupo notório de jornalistas e intelectuais brasileiros. Para eles, se a Constituição permite tirar do poder um presidente eleito antes da hora, que se tire - ainda que para isso seja preciso valer-se de um processo relâmpago e de discutível aplicação, como parece ser o caso do presidente deposto do Paraguai, Fernando Lugo.
A turma de defensores do golpe constitucional paraguaio está junta há mais tempo nas últimas polêmicas políticas: nela estão o polêmico Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista Veja; seu colega de revista Augusto Nunes; o colunista “imortal” Merval Pereira, d’O Globo; o historiador Marco Antônio Villa, que dá aulas na Universidade Federal de São Carlos mas passa a maior parte do tempo dando entrevistas, sobretudo para a Globonews…
Chama a atenção, porém, o fato de um antigo colaborador da turma, o sociólogo e geógrafo Demétrio Magnolli, ter destoado desta vez. Para Demétrio, o que houve no Paraguai foi um “golpe parlamentar, vestido nos andrágios das leis de uma democracia oligarca”. “Nem mesmo essa lei típica da democracia oligárquica foi cumprida, pela velocidade como a coisa aconteceu”, defendeu ainda o geógrafo, outro dos intelectuais também frequentemente ouvidos pela mídia tradicional brasileira. Reinaldo, Augusto, Merval e Villa, porém, não ficaram tão impressionados com a argumentação.
Reinaldo Azevedo chega a dizer que, fosse dado maior tempo à defesa de Lugo, as forças contra o impeachment teriam tempo para articularem-se e evitar a deposição. Transformou, desse modo, uma discussão legítima, que passa pela presunção de inocência e pelo legítimo direito à defesa em pressa política. O blogueiro de Veja não deve ter tido tempo para pensar que, se a extensão do tempo da defesa levasse à prova de inocência de Lugo e consequente derrocada do impeachment, era um sinal de que não havia provas suficientes de culpabilidade…
Augusto Nunes também politiza excessivamente a questão e chama de choramingueiros quem alega que algo sério como tirar do poder um presidente eleito não poderia ter sido feito em tão pouco tempo. É a deixa para Nunes falar, adivinhe… do mensalão: “Os paraguaios é que deveriam perguntar-se como pode o Brasil esperar sete anos pelo julgamento dos quadrilheiros do mensalão”. Portanto, atenção, juristas e magistrados brasileiros: aprendam com a Justiça paraguaia, ela é muito superior à brasileira…
Para defender que o governo brasileiro deveria respeitar a soberania paraguaia - embora não devesse fazer o mesmo para denunciar a ditadura cubana, chavista ou a iraniana -, Nunes vale-se do impeachment de Collor: “(O parlamento do Paraguai) fez com Lugo o que faria com Fernando Collor o Legislativo brasileiro se o presidente que desonrou o cargo não tivesse renunciado pouco antes”. O jornalista esquece os três meses que duraram o processo brasileiro de 1992 até que resultasse na dissolução do presidente, num episódio que envolveu na época todos os atores políticos - muito diferente do que ocorreu no Paraguai e o vapt-vupt da queda de Lugo...
O melhor talvez seja ficar com a ideia contida no texto equilibrado escrito neste sábado pelo também jornalista Clóvis Rossi, na Folha de S. Paulo: a questão é complexa e envolve uma nova modalidade golpista na América Latina, pois amparada, nas aparências, na constituição. Rossi cita o presidente do Diálogo Interamericano, Michael Shifter: “Vai contra o espírito da democracia”.
Alguém tem dúvidas como o mundo olhará, daqui a 40 anos, para o que ocorreu no Paraguai esta semana? Um novo Woody Allen faria o Bananas 2. Alguém duvida mesmo? Heberth Xavier_Brasil 247
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