sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Quem não tem voto caça com Valério



O alvoroço provocado pela notícia de que Marcos Valério pode ter informações comprometedoras contra Lula, Antônio Palocci e até sobre o caso Celso Daniel chega a ser vergonhoso.
 
 
Desde a denuncia de Roberto Jefferson que Valério tem demonstrado grande disposição para colaborar com a polícia.
 
 
Foi ele quem entregou a relação de 32 beneficiários das verbas do mensalão, inclusive Duda Mendonça.
 
 
Conforme os advogados de um dos réus principais, ao longo do processo Valério fez quatro tentativas de oferecer novas delações em troca de uma redução de sua pena. As quatro foram rejeitadas.
 
 
O estranho, agora, não é a iniciativa de Valério, mais do que compreensível para quem se encontra numa situação como a sua. Não estou falando apenas dos 40 anos de prisão.
 
 
As condenações de José Dirceu e José Genoíno se baseiam em “não é possível que não soubessem”, “não é plausível”, “um desvio na caminhada” e assim por diante.
 
 
Eu acho legítimo pensar que deveriam ser questionadas em novo julgamento, o que certamente poderia ser feito se tivessem direito a uma segunda instância, como vai ocorrer com os réus do mensalão PSDB-MG que foram desmembrados nestes “dois pesos, dois mensalões,” na antológica definição de Jânio de Freitas.
 
 
Parece muito difícil questionar o mérito das acusações contra Valério. Ele participava de um esquema para levantar recursos de campanha. Mas seu interesse era comercial, digamos assim. Pretendia levantar R$ 1 bilhão até o fim do governo, disse Silvio Pereira, secretário geral do PT, em entrevista a Soraya Agege, do Globo, em 2006.
 
 
Era o titular do esquema, o dono das agências de publicidade, aquele que recolhia e despachava o dinheiro, inclusive com carros forte e conta em paraíso fiscal.
 
 
O estranho, agora, não é o comportamento de Valério. São os outros.
 
 
É a torcida, o ambiente de vale-tudo.
 
 
Ele teve sete anos para apresentar qualquer informação relevante. A menos que tenha adquirido o costume de criar dificuldades para comprar facilidades até com a própria liberdade, o que não é bem o costume dos operadores financeiros, seu silêncio sugere a falta de fatos importantes para revelar. Ele enfrentou em silêncio a denúncia do primeiro procurador, Antônio Carlos Fernando de Souza, em 2006. Assistiu do mesmo modo à aceitação da denúncia pelo Supremo, em 2007. Deu não se sabe quantos depoimentos a Justiça e a Polícia. Seu advogado, Marcelo Leonardo, um dos mais competentes do julgamento, escreveu não sei quantas alegações finais no STF.
 
 
Nem mesmo quando , preso por outras razões, tomava porrada de colegas de presídio numa cadeia, lembrou que podia contar algo para se proteger?
 
 
A verdade é que os adversários de Lula não conseguem esconder a vontade de que Valério tenha grandes revelações a fazer. Deveriam estar acima de tudo desconfiados e cautelosos, já que as circunstâncias não garantem a menor credibilidade a qualquer denuncia feita DEPOIS que um réu enfrenta uma condenação de 40 anos e não se vislumbra nenhum atenuante para amenizar a situação.
É preocupante porque nós sabemos que é possível transformar versões falsas em fatos verdadeiros.
 
 
Basta que os melhores escrúpulos sejam deixados de lado, as versões anunciadas sejam convenientes e atendam aos interesses de várias partes envolvidas. O país tem uma longa experiência com essa turma. Ela denunciou um grampo telefônico que não houve. Falou de uma conta em paraíso fiscal – do próprio Lula e outros ministros – que eles próprios sabiam que era falsa. Também denunciou uma caixa de dólares enviados do exterior para a campanha de 2002 que ninguém foi capaz de abrir para dizer o que tinha lá dentro.
 
 
Na prática, os adversários de Lula querem que Valério entregue aquilo que o eleitor não entregou.
 
 
O próprio Valério sabe disso. De seu ponto de vista, qualquer coisa será melhor do que enfrentar uma pena de 40 anos, concorda? Qualquer coisa.
 
 
Do ponto de vista dos adversários de Lula, também. Qualquer coisa é melhor do que uma longa perspectiva de derrotas, não é mesmo? Talvez não por 40 anos mas quem sabe mais quatro?
 
 
É por isso que os interesses das partes, agora, coincidem. O mocinho da oposição tornou-se Valério.
 
 
No mundo do “não é possível”, do “é plausível”, do “não pode ser provado mas não poderia ser de outra forma ” as coisas ficam fáceis para quem acusa. A moda ideológica, agora, é acusar de bonzinho quem acha que a obrigação da prova cabe a quem acusa.
 
 
E eu, que pensei que a presunção da inocência era um direito constitucional e fazia parte das garantias fundamentais. Mas não. Isso é ser bonzinho, é se fazer de ingênuo.
 
 
No novo figurino, as coisas parecem verdadeiras porque não podem ser provadas. É a inversão da inversão da inversão. O movimento estudantil tem uma corrente que se chama negação da negação. Estamos dando uma radicalizada…
 
 
A experiência ensina que há um meio infalível de levantar uma credibilidade em baixa. É a ameaça de morte, o que explica a lembrança do caso Celso Daniel.
 
 
Os advogados dizem que Valério sofreu ameaças de morte. Já se fala nos cuidados com a segurança pessoal e da família. Também li que a Polícia Federal “ainda “ não decidiu protegê-lo.
 
 
Algumas palavras tem importância especial em determinados momentos. A morte de Celso Daniel foi acompanhada por várias suspeitas de crime político mas, no fim de três meses de investigação, a Polícia Civil de São Paulo concluiu que fora crime comum.
 
 
Um delegado da Polícia Federal, que seguiu o caso e até participou das investigações a pedido de Fernando Henrique Cardoso, chegou a mesma conclusão. O caso parecia encerrado. Os suspeitos estavam presos, confessaram tudo e aguardavam julgamento. Quem fala em aparelho petista deve lembrar que a investigação tinha o respaldo do comando da polícia do governo Alckmin e da PF no tempo de FHC.
 
 
O caso saiu dos arquivos quando um irmão de Celso Daniel alegou que sofria ameaça de morte. Fiz várias entrevistas com familiares e policiais e posso afirmar que nunca ouvi um fato consistente. Nem um grito ameaçador ao telefone. Nem um palavrão no trânsito. Nem um empurrão no bandejão da faculdade.
 
 
Nunca. Respeito aquelas pessoas, fomos colegas de luta no movimento estudantil mas aquilo me pareceu uma história sem consistência. Eu ia fazer uma matéria sobre essa denuncia mas aquilo não dava uma linha. Não havia sequer um fato para ser narrado. Nem um boato para ser desmentido. Nada. Fiquei impressionado porque eu havia entrado na história achando que havia alguma coisa, seja lá o que fosse. Nada. Mas a família conseguiu o direito até de viver exilada na França. O caso foi reaberto e, embora uma segunda investigação policial tenha chegado a mesma conclusão, o suspeito de ser o mandante aguarda o momento de ir a julgamento.
 
 
Nos últimos meses, com o julgamento no mensalão, os adversários de Lula pensavam que seria possível reverter o ambiente político favorável a Lula, no país inteiro. É este ambiente que coloca a reeleição de Dilma no horizonte de 2014, embora muita enxurrada possa passar por debaixo da ponte. Mas, no momento, essa perspectiva, para a oposição, é insuportável e dolorosa – até porque ela não foi capaz de reavaliar suas sucessivas derrotas do ponto de vista político, não fez um balanço honesto dos acertos do governo Lula, o que dificulta aceitar que o país tem um presidente popular como nenhum outro antes dele, a tal ponto que até postes derrotam medalhões vistos como imbatíveis. No seu apogeu, a ideia de renovação sugerida por FHC foi descartada como proposta petista por José Serra. Assim fica difícil, né.
 
 
(Vamos homenagear os postes. Essa expressão foi cunhada por uma das principais vozes da luta pela democratização, Ulysses Guimarães, para quem “poste” era o candidato capaz de representar os interesses do povo e da democracia, mesmo que fosse um ilustre desconhecido. Certa vez, falando sobre a vitória estrondosa do MDB em 1974, quando elegeu 17 de 26 senadores, Ulysses falou que naquela eleição o partido elegeria “até um poste.” Postes, assim, são candidatos que entendem o vento da sua época.)
 
 
Semanas antes da eleição do poste Fernando Haddad, o procurador geral Roberto Gurgel chegou a dizer que ficaria muito feliz se o julgamento influenciasse a decisão do eleitor. Muita gente achou natural um procurador falar assim.
 
 
Eu não fiquei surpreso porque sempre achei a denuncia politizada demais, cheia de pressupostos e convicções anteriores aos fatos. Eu acho que a denuncia confunde aliança política com compra de votos e verba de campanha com suborno, o que a leva a querer criminalizar todo mundo que vê pela frente – embora, claro, tenha sido seletiva ao separar o mensalão PSDB-MG, como nós sabemos e nunca será demais lembrar. Mas não achei o pronunciamento do procurador natural. Em todo caso, considerando a liberdade de expressão…
 
 
Mas a fantasia oposicionista era tanta que teve gente até que se despediu de Lula, lembra?
 
 
Embora o julgamento tenha caminhado na base do “não é plausível”, “não poderia ter sido de outro jeito ”e outras considerações pouco conclusivas e nada robustas, faltou combinar com o eleitor.
 
 
Em campanha própria, com chapa pura, os adversários de Lula tiveram uma grande vitória em Manaus. Viraram a eleição em Belém onde o PSOL não quis apoio de Lula. Ganharam em Belo Horizonte em parceria com Eduardo Campos, que até segundo aviso é da base de Lula e Dilma.
 
 
O PT cresceu no número de prefeituras, no número de votos em escala nacional, e também levou o troféu principal da campanha, a prefeitura de São Paulo. Mesmo com a vitória em Salvador, os partidos conservadores, à direita do PSDB, tiveram a metade do eleitorado reunido em 2008. Isso aí: perderam 50% dos votos.
 
 
É neste ambiente que Valério passa ter importância. Quem não tem voto caça com Valério.

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