O processo eleitoral chega ao seu final e expõe sua ruína. Por Sergio Lirio. Ilustração: Cárcamo
No domingo 3 os brasileiros irão às urnas escolher o presidente da República pela sexta vez desde o fim da ditadura. São 21 anos de exercício formal da democracia, tempo que se iguala ao triste período que os militares se mantiveram no poder a mando da elite civil. Deveríamos ter amadurecido mais – e talvez o eleitorado esteja hoje mais preparado que os que pedem seu voto. O debate na tevê Globo de ontem à noite expôs a ruína do processo que chamamos de eleitoral. Está tudo errado, a começar pelas leis que, a pretexto de preservar a democracia, a corroem.
Por conta dessas regras rígidas, a campanha de fato, pública, dura pouco mais de um mês. É o tempo do horário eleitoral gratuito. Antes disso, reina a hipocrisia, com os candidatíssimos obrigados a fingir que não o são. E proibidos de se apresentar ao eleitorado de forma adulta, sem subterfúgios ou efeitos especiais. E o que se pode fazer em frente às câmeras para convencer o eleitor? Não muito, se a intenção for realmente apresentar um projeto. É o paraíso dos marqueteiros, profissionais que ganharam peso desproporcional na política brasileira em consequência dos entraves e distorções do sistema. Se José Serra fez uma campanha errática, Dilma Rousseff foi anódina e Marina Silva uma espécie de fada da floresta, credite-se à genialidade dos marqueteiros e sua “ciência”, suas certezas. Os candidatos são entregues ao gosto do freguês, customizados para cada platéia. O que se diz agora pode e será desmentido amanhã, a depender do alvo da mensagem. Quanto menos ideias melhor, para não ferir suscetibilidades. Mas quem pode garantir que uma vitória só pode ser construída dessa forma?
As tevês que organizam debates costumam celebrar sua contribuição à “democracia” e repetir que aqueles encontros fortuitos de pouco mais de duas horas são uma oportunidade de o eleitor “conhecer o candidato sem a roupagem do marketing”. Mais uma ilusão vendida ao telespectador. Os eventos tornaram-se uma extensão dos programas eleitores gratuitos, uma cacofonia na qual os postulantes a cargos públicos evitam o confronto de propostas e despejam números em cascata. Sejamos francos: é impossível debater no formato atual, com dois minutos para uma resposta, um minuto de réplica e outro de tréplica. Fora os torcedores de cada lado, é impossível ao cidadão não-militante definir com precisão vencedores e perdedores. No caso do debate da Globo de ontem, minha sensação foi a de que todos saíram derrotados. Mais uma vez, a conta deve ser creditada às equipes de comunicação das candidaturas. São eles que definem, com as emissoras, as regras.
É fato que os atuais postulantes à presidência contribuem em muito para a modorra. Não há um Brizola, um Covas, um Lula, nem mesmo um Maluf no páreo. Mesmo assim, até esses personagens encontrariam dificuldades para superar as amarras dos atuais debates. Como quase tudo na tevê brasileira, o formato dos debates parece saído da máquina de escrever do Chacrinha: estão aí para confundir.
As leis eleitorais continuam a tutelar de forma primária o eleitor brasileiro, como se fôssemos incapazes. A bem da democracia, é hora de flexibilizar várias regras. Sem prejuízo ao processo, as campanhas poderiam começar mais cedo, talvez em janeiro do ano em que as eleição será realizada. Quem está no governo teria o direito de se manifestar (nos Estados Unidos, George Bush deu entrevistas a favor de McCain na porta da Casa Branca). Caberia, como cabe atualmente, ao Ministério Público, à oposição e à mídia (de forma honesta) denunciar e coibir eventuais excessos no uso da máquina.
Rádios e tevês, concessões públicas, deveriam ter autonomia para realizar entrevistas, definir suas coberturas e promover debates. Igualmente caberia aos partidos, ao MP e à imprensa (de forma honesta) a vigilância contra abusos. Os debates, em especial, precisariam ser mais livres e estabelecer confrontos diretos entre os principais concorrentes. Poderiam ser em número muito maior, eventualmente realizados em pool entre os canais. Mais tempo de resposta, de réplica e de tréplica. Mais projetos, menos marketing.
Sergio Lirio, CartaCapital
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