Um pai, um líder, o maior estadista do mundo, o melhor presidente do Brasil. Um amigo, um fenômeno, um enviado de Deus, um anjo, um assombro. O pai dos pobres, o pai celestial. Em Pernambuco, Estado natal do presidente da República e onde ele recolhe os mais altos índices de aprovação a seu governo (88%), esses são alguns dos termos escolhidos pela população para se referir a Luiz Inácio Lula da Silva. Escolhida por Lula para ser a candidata do PT a sua sucessão, a ex-ministra Dilma Rousseff virou em Pernambuco "a mulher", "a mulher do homem", "a mulher de Lula", "a menina de Lula", "a mulher do presidente". No Estado, segundo pesquisa do instituto Datafolha feita na semana passada, a mineira Dilma acumulava 66% das intenções de voto para presidente, seu mais alto índice em todo o país.
Essa transferência de popularidade é parte de um fenômeno eleitoral batizado pelos cientistas políticos de "lulismo". Entender a aura mitológica que segmentos da população brasileira atribuem à figura do presidente se tornou um dos maiores desafios entre os estudiosos da política nacional. O mito Lula, em construção desde o início de sua trajetória política como líder sindical, ganhou ainda mais força em seu segundo mandato e se consolidou na mente dos eleitores na atual campanha presidencial. Enquanto os candidatos faziam campanha, Lula, paralelamente, firmava ainda mais seu posto no imaginário popular. Em fevereiro, seu governo era aprovado por 73% dos brasileiros. Às vésperas da abertura das urnas, esse índice de aprovação havia subido para 79%. Para tentar entender o fenômeno em seu berço, Época visitou cinco cidades de Pernambuco na última semana de agosto, quando o Estado recebeu a última visita de Lula antes da eleição.
Uma pequena amostra da mitificação da imagem de Lula pode ser encontrada na sala recém-mobiliada de Luzimaria Silva Nascimento, de 32 anos, moradora de Caetés, o município-sede da região rural onde o presidente nasceu e viveu até os 7 anos de idade. Ela é decorada com dois sofás novos, uma luminária ainda no plástico, um conjunto de mesa de centro, mesa de canto, um armário e um rack que serve de suporte para a TV e o som. Tudo comprado em muitas parcelas ao longo dos últimos anos. A sala foi pintada de três cores: amarelo, lilás e azul. Atrás da TV, em um dos quadros pendurados na parede lilás, vê-se uma fotomontagem com Luzimaria, seu marido, José João do Nascimento, e uma imagem de Lula ao centro.
"Para mim, ele é um pai", diz Luzimaria, ao se referir ao presidente. Em 2002, ela prometeu, caso Lula ganhasse a eleição, que subiria de joelhos uma pedra de 600 metros. Prometeu e cumpriu. No topo, acendeu um maço de velas. Seu marido, José João, diz que Lula foi emoldurado junto na foto com o casal porque o presidente também teria cumprido sua parte da promessa de melhorar a vida da família.
"Para mim,ele é um pai"
LUZIMARIA NASCIMENTO, moradora de Caetés, ao falar do presidente Lula
A mobília nova do casal Nascimento mostra a base concreta sobre a qual se construiu o fenômeno do lulismo. "A imagem de Lula saiu fortalecida com o aumento do poder de consumo das pessoas mais pobres", diz o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco. "As pessoas se reconhecem como cidadãs quando, mesmo na favela, passam a ter o poder de comprar uma TV, uma moto ou um carro. Elas atribuem essa conquista a Lula." No relato da família Nascimento, aparece igualmente o outro elemento forte da construção do mito: a tendência de uma parcela da população de associar o presidente Lula à figura de um pai provedor, que personifica as mudanças positivas ocorridas no país nas últimas décadas e é descolado de partidos ou ideologias.
O presidente do PT em Pernambuco, Jorge Perez, diz que é cada vez mais comum ver fotos de Lula em casas espalhadas pelo Estado, como a da família Nascimento. Em alguns redutos - caso de Garanhuns, a cidade que consta na certidão de nascimento de Lula, já que o município de Caetés, onde ele nasceu, foi criado depois que Lula migrou para São Paulo -, quem faz oposição a ele chega a se sentir sitiado. "Aqui o pessoal diz que, se está contra Lula, está contra o povo", diz Sivaldo Albino, candidato a deputado estadual pelo PPS. Ele mantém escondido no comitê o material de propaganda de seu candidato à Presidência, o tucano José Serra. "Sou o único a ter foto dele aqui. Os outros esconderam mais ainda, talvez dentro de casa", diz Albino.
Numa pesquisa feita pelo Instituto Maurício de Nassau, 89% dos pernambucanos disseram que elegeriam Lula mesmo se ele concorresse por outro partido, como o PSDB. "Essa é a prova de que é um fenômeno centrado na imagem do presidente", diz Adriano Oliveira, coordenador da pesquisa. "O personalismo contrasta com o ideal de uma dinâmica partidária capaz de produzir lideranças alinhadas com um programa coeso, mas é um modo como os eleitores se relacionam com a política no Brasil", afirma o cientista político Fábio Wanderley dos Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Para Reis, Lula soube explorar essa característica do eleitorado brasileiro para consolidar sua liderança.
O presidente e o futuro
Nas seis eleições presidenciais disputadas desde a redemocratização do país, Luiz Inácio Lula da Silva foi candidato em cinco. Na sexta, o nome de Lula não apareceu na urna eletrônica. Paradoxalmente, a campanha presidencial de 2010 entra, porém, para a história como aquela em que seu protagonismo na política brasileira atingiu o auge. Lula impôs a seu partido, o PT, uma candidata totalmente inexperiente em disputas eleitorais, transformou-a em favorita - transpondo, em muitas ocasiões, os limites da lei e das boas práticas republicanas - e agora está muito próximo de elegê-la como sucessora. Navegando em índices quase escandalosos de popularidade, próximos dos 80% de aprovação, Lula viu a própria oposição, de forma canhestra, tentar se associar a seu sucesso.
No exterior, Lula, cada vez mais, é comparado a Nelson Mandela, o estadista que liderou a África do Sul na superação do regime do apartheid. Em comum, Lula e Mandela têm trajetórias míticas que se confundiram com as aspirações das sociedades que governaram - a história da ascensão de Lula, de retirante nordestino a presidente da República, espelha o sonho de milhões de brasileiros. A aura mitológica que cerca a figura de Lula explica, porém, apenas em parte o fenômeno político do "lulismo". O mito não teria ganhado força se não estivesse fundamentado numa base sólida. Sob a presidência de Lula, o Brasil termina a primeira década do século XXI como uma força emergente no mundo.
O símbolo dessa nova relevância internacional foi a escolha do país para sede das Olimpíadas de 2016. Mas ela se reflete em vários outros indicadores. Enquanto os países mais desenvolvidos do mundo ainda tentam se recuperar da crise financeira internacional de 2008, a economia brasileira pode fechar este ano com a taxa de crescimento mais alta desde 1985. Nos últimos oito anos, o número de trabalhadores com carteira assinada cresceu, em média, a um ritmo de 1,2 milhão por ano. A desigualdade social e a pobreza também caíram - o porcentual de brasileiros abaixo da linha de pobreza recuou de 28% para 15,5%. Esses resultados podem ser consultados a partir da página 75, num levantamento feito por Época de 100 indicadores de 18 diferentes áreas.Fonte:Revista Época
Essa transferência de popularidade é parte de um fenômeno eleitoral batizado pelos cientistas políticos de "lulismo". Entender a aura mitológica que segmentos da população brasileira atribuem à figura do presidente se tornou um dos maiores desafios entre os estudiosos da política nacional. O mito Lula, em construção desde o início de sua trajetória política como líder sindical, ganhou ainda mais força em seu segundo mandato e se consolidou na mente dos eleitores na atual campanha presidencial. Enquanto os candidatos faziam campanha, Lula, paralelamente, firmava ainda mais seu posto no imaginário popular. Em fevereiro, seu governo era aprovado por 73% dos brasileiros. Às vésperas da abertura das urnas, esse índice de aprovação havia subido para 79%. Para tentar entender o fenômeno em seu berço, Época visitou cinco cidades de Pernambuco na última semana de agosto, quando o Estado recebeu a última visita de Lula antes da eleição.
Uma pequena amostra da mitificação da imagem de Lula pode ser encontrada na sala recém-mobiliada de Luzimaria Silva Nascimento, de 32 anos, moradora de Caetés, o município-sede da região rural onde o presidente nasceu e viveu até os 7 anos de idade. Ela é decorada com dois sofás novos, uma luminária ainda no plástico, um conjunto de mesa de centro, mesa de canto, um armário e um rack que serve de suporte para a TV e o som. Tudo comprado em muitas parcelas ao longo dos últimos anos. A sala foi pintada de três cores: amarelo, lilás e azul. Atrás da TV, em um dos quadros pendurados na parede lilás, vê-se uma fotomontagem com Luzimaria, seu marido, José João do Nascimento, e uma imagem de Lula ao centro.
"Para mim, ele é um pai", diz Luzimaria, ao se referir ao presidente. Em 2002, ela prometeu, caso Lula ganhasse a eleição, que subiria de joelhos uma pedra de 600 metros. Prometeu e cumpriu. No topo, acendeu um maço de velas. Seu marido, José João, diz que Lula foi emoldurado junto na foto com o casal porque o presidente também teria cumprido sua parte da promessa de melhorar a vida da família.
"Para mim,ele é um pai"
LUZIMARIA NASCIMENTO, moradora de Caetés, ao falar do presidente Lula
A mobília nova do casal Nascimento mostra a base concreta sobre a qual se construiu o fenômeno do lulismo. "A imagem de Lula saiu fortalecida com o aumento do poder de consumo das pessoas mais pobres", diz o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco. "As pessoas se reconhecem como cidadãs quando, mesmo na favela, passam a ter o poder de comprar uma TV, uma moto ou um carro. Elas atribuem essa conquista a Lula." No relato da família Nascimento, aparece igualmente o outro elemento forte da construção do mito: a tendência de uma parcela da população de associar o presidente Lula à figura de um pai provedor, que personifica as mudanças positivas ocorridas no país nas últimas décadas e é descolado de partidos ou ideologias.
O presidente do PT em Pernambuco, Jorge Perez, diz que é cada vez mais comum ver fotos de Lula em casas espalhadas pelo Estado, como a da família Nascimento. Em alguns redutos - caso de Garanhuns, a cidade que consta na certidão de nascimento de Lula, já que o município de Caetés, onde ele nasceu, foi criado depois que Lula migrou para São Paulo -, quem faz oposição a ele chega a se sentir sitiado. "Aqui o pessoal diz que, se está contra Lula, está contra o povo", diz Sivaldo Albino, candidato a deputado estadual pelo PPS. Ele mantém escondido no comitê o material de propaganda de seu candidato à Presidência, o tucano José Serra. "Sou o único a ter foto dele aqui. Os outros esconderam mais ainda, talvez dentro de casa", diz Albino.
Numa pesquisa feita pelo Instituto Maurício de Nassau, 89% dos pernambucanos disseram que elegeriam Lula mesmo se ele concorresse por outro partido, como o PSDB. "Essa é a prova de que é um fenômeno centrado na imagem do presidente", diz Adriano Oliveira, coordenador da pesquisa. "O personalismo contrasta com o ideal de uma dinâmica partidária capaz de produzir lideranças alinhadas com um programa coeso, mas é um modo como os eleitores se relacionam com a política no Brasil", afirma o cientista político Fábio Wanderley dos Reis, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Para Reis, Lula soube explorar essa característica do eleitorado brasileiro para consolidar sua liderança.
O presidente e o futuro
Nas seis eleições presidenciais disputadas desde a redemocratização do país, Luiz Inácio Lula da Silva foi candidato em cinco. Na sexta, o nome de Lula não apareceu na urna eletrônica. Paradoxalmente, a campanha presidencial de 2010 entra, porém, para a história como aquela em que seu protagonismo na política brasileira atingiu o auge. Lula impôs a seu partido, o PT, uma candidata totalmente inexperiente em disputas eleitorais, transformou-a em favorita - transpondo, em muitas ocasiões, os limites da lei e das boas práticas republicanas - e agora está muito próximo de elegê-la como sucessora. Navegando em índices quase escandalosos de popularidade, próximos dos 80% de aprovação, Lula viu a própria oposição, de forma canhestra, tentar se associar a seu sucesso.
No exterior, Lula, cada vez mais, é comparado a Nelson Mandela, o estadista que liderou a África do Sul na superação do regime do apartheid. Em comum, Lula e Mandela têm trajetórias míticas que se confundiram com as aspirações das sociedades que governaram - a história da ascensão de Lula, de retirante nordestino a presidente da República, espelha o sonho de milhões de brasileiros. A aura mitológica que cerca a figura de Lula explica, porém, apenas em parte o fenômeno político do "lulismo". O mito não teria ganhado força se não estivesse fundamentado numa base sólida. Sob a presidência de Lula, o Brasil termina a primeira década do século XXI como uma força emergente no mundo.
O símbolo dessa nova relevância internacional foi a escolha do país para sede das Olimpíadas de 2016. Mas ela se reflete em vários outros indicadores. Enquanto os países mais desenvolvidos do mundo ainda tentam se recuperar da crise financeira internacional de 2008, a economia brasileira pode fechar este ano com a taxa de crescimento mais alta desde 1985. Nos últimos oito anos, o número de trabalhadores com carteira assinada cresceu, em média, a um ritmo de 1,2 milhão por ano. A desigualdade social e a pobreza também caíram - o porcentual de brasileiros abaixo da linha de pobreza recuou de 28% para 15,5%. Esses resultados podem ser consultados a partir da página 75, num levantamento feito por Época de 100 indicadores de 18 diferentes áreas.Fonte:Revista Época
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