terça-feira, 19 de agosto de 2014

Do que têm medo a Globo e os três Marinhos?



Marco Damiani, 247 – Donos do maior patrimônio pessoal entre todos os empresários de mídia do mundo, como o australiano Ruppert Murdoch, do grupo Media News, ou o americano Ted Turner, da rede CNN, os três irmãos Marinho – João Roberto, Roberto Irineu e José Roberto – consideram ter mais de um bilhão de motivos para atuarem, com sua poderosa máquina editorial, contra a reeleição da presidente Dilma Rousseff. Nota sobre nota, eles têm, juntos, uma fortuna estimada pela revista Forbes em US$ 28,9 bilhões (R$ 74,2 bilhões de reais). Porém, com mais quatro anos de Dilma no Palácio do Planalto, os três temem perder dinheiro, prestígio e influência em doses imprevisíveis. Podem ser bastante fortes.
No ano passado, a Receita Federal venceu no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) uma disputa com a Globo de R$ 713 milhões. Hoje, a conta ainda não saudada está em mais de R$ 1 bilhão. Por outro lado, a reeleição da presidente vai, necessariamente, aquecer o debate sobre a regulação do funcionamento do setor de mídia no Brasil. Pilares da base do gigantismo da Globo, como propriedades cruzadas e presença majoritária em múltiplas áreas de atuação, configuram um oligopólio que fatura, anualmente, cerca de R$ 10 bilhões. É essa espécie de fábrica de fazer dinheiro, erguida a partir do período dos militares no poder do Brasil (1964-1985) e movida pelo B.V. (o famoso bônus de veiculação), que se vê ameaçada pela presidente candidata.
Um terceiro, mas não menos importante elemento, é o público em si. Em junho do ano passado, uma parte do vandalismo em que as manifestações degeneraram foi dirigido contra a Globo. Esterco chegou a ser jogado nas paredes da sede da emissora em São Paulo. A pressão popular sobre carros adesivados da emissora passou a ser um fato cotidiano, e sempre arriscado, na vida dos profissionais da empresa.
BELIGERÂNCIA NO DNA - É natural, na defesa de seus interesses bilionários, que os Marinho usem todos os canhões ao seu dispor. A beligerância, de resto, está no DNA do grupo empresarial que eles herdaram do pai. A Globo nasceu com obsessão pelo poder. A estratégia do empresário Roberto Marinho foi, desde as primeiras transmissões, em abril de 1965, exatamente um ano depois de os militares brasileiros derrubarem o presidente João Goulart, a de servir ao regime. Não há interpretação histórica que possa superar esse fato.
A Globo, apesar de algumas linhas de autocrítica publicadas no jornal O Globo por ocasião do cinquentenário do golpe militar, no ano passado, não quer cortar suas raízes com o autoritarismo. Pelo simples motivo de que foi a antítese da democracia que estabeleceu o modelo de concentração que a beneficiou. As Organizações enxergam a democracia como o regime que necessariamente vai enfraquecer seu poder, à medida em que permite a existência e o florescimento de outras fórmulas empresariais.
O nervosismo do âncora William Bonner e a descortesia da apresentadora Patrícia Poeta, ontem, diante de Dilma, na entrevista no Jornal Nacional, revelaram apenas a ponta do iceberg de interesses escondidos pela Globo em sua propalada isenção editorial. Não está no DNA da emissora ser isenta, ao contrário. Muito menos têm havido equilíbrio por parte da emissora no noticiário da atual sucessão presidencial. Pesquisadores da Uerj já havia mostrado que o JN dedicou, entre 1º de janeiro e 31 de julho, 83 minutos de noticiário avaliado por ele como negativo para Dilma contra 3 minutos de informações apontadas como positivas. 
JN PERDEU IBOPE NOS ÚLTIMOS ANOS - Para tomar-se, apenas, os investimentos do governo federal em publicidade, o que se tem é que eles diminuíram para a Globo a partir da introdução continuada de filtros técnicos para a aplicação das verbas. Acontece que a audiência da Globo como um todo, e em horários nunca antes ameaçados, está diminuindo. Apenas o Jornal Nacional, por exemplo, perdeu mais de 20 pontos no Ibope nos últimos anos. A introdução de novos mecanismos de medição de público, de outra parte, também mostra que o poderio real das Organizações Globo é declinante, no sentido do alcance e influência sobre público.
Em 1982, a Globo tentou ditar o resultados das eleições para governador do Rio de Janeiro, no que ficou conhecido como o escândalo da pró-consult – a assessoria que contava os votos em paralelo à Justiça Eleitoral. Em 1989, como o então todo poderoso global Boni admitiu em biografia festiva, a emissora manipulou o debate presidencial entre os candidatos Lula e Collor e usou, claro, o Jornal Nacional para desequilibrar ainda mais a cena real daquele disputa. Em ambos os casos, a Globo procurou interferir na disputa em seus momentos finais. 
Ontem, com a chamada entrevista em que a presidente Dilma foi interrompida 21 vezes, em 15 minutos de conversa, pelo âncora do JN, a Globo mostrou que partiu para o ataque desde o primeiro minuto. Certamente porque sabe, com seus sofisticados instrumentos de aferição dos humores da população, que enfrenta cada vez mais dificuldade para impor a vontade de seus herdeiros ao público. 

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