Em cadeia nacional, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fez um
balanço do primeiro semestre de 2015 e tentou vender ao povo brasileiro a
ideia de que a Casa nunca teria trabalhado tanto, poucas vezes teria
sido tão independente e de que, finalmente, os deputados estariam
atendendo os anseios populares. Diz ele que "as demandas da população é
que estão pautando" a Câmara.
Não é bem assim.
Alguém sabe dizer onde e quando aconteceram manifestações populares
pedindo a retirada da rotulagem dos transgênicos? Não? Mas a maioria da
Câmara aprovou.
E o financiamento empresarial de campanha? Pesquisa do Datafolha
mostrou que 74% do povo brasileiro é contra. Mas mesmo sabendo que este
mecanismo está na raiz da corrupção e mantém a influência do dinheiro
sobre a política, a maioria da Câmara aprovou.
E será que a sociedade está a clamar por salários precarizados e
medidas que desestimulam o emprego? Claro que não! Mas foi nestes termos
que a Câmara disse "sim" à terceirização.
E as mulheres, será que não gostariam de ver ampliado seu espaço de
representação política? Claro que sim, afinal, elas são maioria na
população, sabem o valor que têm e já entenderam que são vítimas de uma
cultura patriarcal e machista. Pois não é que a mesma maioria da Câmara
rejeitou o projeto que previa cota mínima de vagas femininas no
Parlamento?
Mas, então, que virtudes são essas de que falou o presidente Cunha? E
o quê, exatamente, ele foi fazer na TV e no rádio? Talvez a explicação
esteja na necessidade de melhorar a imagem, não do Parlamento, mas do
próprio presidente que anda às voltas com acusações graves de que teria
pedido 5 milhões de reais em propinas a um intermediário de negócios da
Petrobras. E não se trata de prejulgar Cunha, mas de perceber que a
citação de seu nome como parte da fraude da Petrobras, obliterou-lhe a
razão a ponto de ele sair atirando para todos os lados.
Notemos: ele responsabiliza o governo por uma investigação que foi
autorizada não pelo Executivo, mas pelo Judiciário. Ele ofende um
Procurador-geral da República cujo comportamento tem se caracterizado
pela coragem de autorizar investigações contra políticos de todos os
matizes ideológicos. E ele investe até contra o juiz Sérgio Moro. Bem,
no caso de Moro, outros também o acusam de seletivizar vazamentos e
utilizar dois pesos e duas medidas na investigação da Petrobras. Mas
antes de dizer que o juiz paranaense "se acha dono do país e do Supremo
Tribunal Federal", Cunha deveria lembrar que essas ofensas não serão
compartilhadas pelo demotucanos e outros, que como ele próprio, fazem
oposição ao governo. E que foi esta gente que o elegeu presidente da
Câmara...
Como se vê, ao tomar-lhe a razão, a sanha acusatória de Cunha parece
confundir tanto as medidas quanto os alvos dos seus ataques. Ao que tudo
indica, foi esta confusão que, somada a um comportamento nitidamente
egóico, levou o presidente da Câmara a um pronunciamento de tv que, do
ponto de vista político, beirou a esquizofrenia.
Que o presidente não se ofenda com a comparação. Mas que outra
avaliação se poderia fazer de uma fala que diz que fez aquilo que o povo
queria quando o próprio povo diz que não queria aquilo?
Elvino Bohn Gass
Deputado federal (PT-RS) e secretário nacional agrário do partido
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