segunda-feira, 20 de julho de 2015

A Câmara contra o povo e Cunha contra o mundo

Em cadeia nacional, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, fez um balanço do primeiro semestre de 2015 e tentou vender ao povo brasileiro a ideia de que a Casa nunca teria trabalhado tanto, poucas vezes teria sido tão independente e de que, finalmente, os deputados estariam atendendo os anseios populares. Diz ele que "as demandas da população é que estão pautando" a Câmara.


Não é bem assim.

Alguém sabe dizer onde e quando aconteceram manifestações populares pedindo a retirada da rotulagem dos transgênicos? Não? Mas a maioria da Câmara aprovou.

E o financiamento empresarial de campanha? Pesquisa do Datafolha mostrou que 74% do povo brasileiro é contra. Mas mesmo sabendo que este mecanismo está na raiz da corrupção e mantém a influência do dinheiro sobre a política, a maioria da Câmara aprovou.

E será que a sociedade está a clamar por salários precarizados e medidas que desestimulam o emprego? Claro que não! Mas foi nestes termos que a Câmara disse "sim" à terceirização.

E as mulheres, será que não gostariam de ver ampliado seu espaço de representação política? Claro que sim, afinal, elas são maioria na população, sabem o valor que têm e já entenderam que são vítimas de uma cultura patriarcal e machista. Pois não é que a mesma maioria da Câmara rejeitou o projeto que previa cota mínima de vagas femininas no Parlamento?

Mas, então, que virtudes são essas de que falou o presidente Cunha? E o quê, exatamente, ele foi fazer na TV e no rádio? Talvez a explicação esteja na necessidade de melhorar a imagem, não do Parlamento, mas do próprio presidente que anda às voltas com acusações graves de que teria pedido 5 milhões de reais em propinas a um intermediário de negócios da Petrobras. E não se trata de prejulgar Cunha, mas de perceber que a citação de seu nome como parte da fraude da Petrobras, obliterou-lhe a razão a ponto de ele sair atirando para todos os lados.

Notemos: ele responsabiliza o governo por uma investigação que foi autorizada não pelo Executivo, mas pelo Judiciário. Ele ofende um Procurador-geral da República cujo comportamento tem se caracterizado pela coragem de autorizar investigações contra políticos de todos os matizes ideológicos. E ele investe até contra o juiz Sérgio Moro. Bem, no caso de Moro, outros também o acusam de seletivizar vazamentos e utilizar dois pesos e duas medidas na investigação da Petrobras. Mas antes de dizer que o juiz paranaense "se acha dono do país e do Supremo Tribunal Federal", Cunha deveria lembrar que essas ofensas não serão compartilhadas pelo demotucanos e outros, que como ele próprio, fazem oposição ao governo. E que foi esta gente que o elegeu presidente da Câmara...

Como se vê, ao tomar-lhe a razão, a sanha acusatória de Cunha parece confundir tanto as medidas quanto os alvos dos seus ataques. Ao que tudo indica, foi esta confusão que, somada a um comportamento nitidamente egóico, levou o presidente da Câmara a um pronunciamento de tv que, do ponto de vista político, beirou a esquizofrenia.

Que o presidente não se ofenda com a comparação. Mas que outra avaliação se poderia fazer de uma fala que diz que fez aquilo que o povo queria quando o próprio povo diz que não queria aquilo?


Elvino Bohn Gass
Deputado federal (PT-RS) e secretário nacional agrário do partido

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