Beatriz Catta Preta, a misteriosa Rainha da Delação Premiada que
abandonou seus clientes da Lava Jato, deixou uma mensagem no Facebook do
escritório em que trabalha.
Ei-la:
“Cada pessoa, escreveu John Rawls, possui uma inviolabilidade fundada
na Justiça que nem o bem-estar da sociedade como um todo pode sobrepor.
Portanto numa sociedade justa os direitos assegurados pela Justiça não
estão sujeitos à barganha política ou ao cálculo dos interesses
sociais“.
Em sua ignorância desumana, a imprensa brasileira não avançou nenhuma informação sobre Rawls.
Os leitores do DCM sabem de quem se trata. Ninguém formulou uma
teoria tão engenhosa sobre uma sociedade justa quanto John Rawls
(1921-2002). Em 1971, Rawls publicou um livro aclamado: “A Teoria da
Justiça”.
A idéia central de Rawls era a seguinte: uma sociedade justa é aquela
na qual, por conhecê-la e confiar nela, você aceitaria ser colocado de
maneira randômica, aleatória. Você estaria coberto pelo que Rawls chamou
de “véu de ignorância” em relação à posição que lhe dariam, mas isso
não seria um problema, uma vez que a sociedade é justa.
Mais de quarenta anos depois do lançamento da obra-prima de Rawls,
dois acadêmicos americanos usaram sua fórmula para fazer um estudo. Um
deles é Dan Ariely, da Universidade Duke, especializado em comportamento
econômico. O outro é Mike Norton, professor da Harvard Business School.
Eles ouviram pessoas de diferentes classes sociais. Pediram a elas
que imaginassem uma sociedade dividida em cinco fatias de 20%. E
perguntaram qual a fatia de riqueza que elas supunham que estava
concentrada em cada pedaço.
“As pessoas erraram completamente”, escreveu num artigo Ariely. “A
realidade é que os 40% de baixo têm 0,3% da riqueza. Quase nada. Os 20%
de cima têm 84%.”
Em seguida, eles aplicaram o “véu de ignorância de Rawls”. Como
deveria ser a divisão da riqueza para que eles se sentissem seguros caso
fossem colocados ao acaso na sociedade?
Veio então a maior surpresa dos dois acadêmicos: 94% dos
entrevistados descreveram uma divisão que corresponde à escandinava, tão
criticada pelos conservadores dos Estados Unidos por seu elevado nível
de bem-estar social, e não à americana. Na Escandinávia, os 20% de cima
têm 32% da riqueza. (Disse algumas vezes já e vou repetir: o modelo
escandinavo é o mais interessante que existe no mundo, um tipo de
capitalismo extremamente avançado do ponto de vista social.).
“Isso me levou a pensar”, escreveu Ariely. “O que fazer quando num
estudo você descobre que as pessoas querem um determinado tipo de
sociedade, mas ao olhar para a classe política parece que ninguém quer
isso?”
A Rainha da Delação brilhou ao evocar Rawls. Lamentavelmente, o
Brasil está muito distante da sociedade justa que ele tão magnificamente
descreveu.
Entenda o conceito essencial de Rawls e você vai entender por que
Beatriz Catta Preta se sentiu atemorizada. Numa sociedade injusta como a
brasileira, os direitos assegurados pela Justiça, ao contrário do que
disse Rawls, estão sujeitos à barganha política ou ao cálculo dos
interesses sociais.
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