Aquele que diz uma mentira não sabe a tarefa que assumiu, porque está obrigado a inventar vinte vezes mais para sustentar a certeza da primeira (Alexander Pope)
Muitas pessoas pensam que quem diz a verdade só precisa de coragem. Esquecem a segunda dificuldade, a que consiste em descobri-la. Não se pode dizer que seja fácil encontrar a verdade. Quando o escritor e dramaturgo alemão Bertolt Brecht escreveu isso, em “As cinco dificuldades para escrever a verdade”, sabia da luta de classes, conhecia a manipulação da informação no capitalismo, tinha sido escolado na sua Alemanha.
Após a eleição de Hitler e a ascensão do nazismo, em 1933, Brecht foi para um longo exílio. Nesse período viu o Incêndio do Reichstag, mentira do Nacional-Socialismo que deu plenos poderes ao terror de Estado. Em 27 de Fevereiro, um comando nazista ateou fogo no parlamento alemão e Hitler colocou a responsabilidade nos comunistas. A maioria dos alemães acreditou e apoiou a Lei da Autoridade, início do massacre ao Partido Comunista, aos judeus e democratas radicais.
De lá para cá se repete a frase do seu Ministro da Propaganda, Joseph Goebbels: “De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”. Há dúvida histórica sobre esta frase ser de Goebbels. No processo histórico, nenhum governo se mantém muito tempo apenas com propaganda ideológica, mentira ou repressão, é preciso muito mais. Sabem disso a Luftansa, a Bayer, a Krupp, a Wolkswagem e até a norte-americana IBM que sustentaram o Reich que queria ter mil anos.
Sabe-se que ódio nazista instrumentalizava a imprensa, o rádio e o cinema para a orquestração da mentira. Mas a estratégia era mais inteligente. A diretriz goebbeliana era trabalhar a meia verdade – a verossimilhança - e direcioná-la aos interesses do poder. Em seu decálogo havia outros princípios: 1) de simplificação - individualizar o adversário em um único inimigo; 2) da transposição - atribuir ao adversário os próprios erros ou defeitos: “Se não podes negar as más notícias, inventa outras que as distraiam”; 3) do exagero e desfiguração - converter qualquer anedota em ameaça grave; 4) da vulgarização: “Toda propaganda deve ser popular, adotando seu nível ao menos inteligente dos indivíduos, aos que se dirige”; 5) de orquestração - “A propaganda deve limitar-se a um número pequeno de ideias e repeti-las incansavelmente”; 6) de renovação - emitir constantemente informações e argumentos novos a um ritmo tal que, quando o adversário responda, o público está já interessado em outra coisa. As respostas do adversário nunca devem poder contrariar o nível crescente de acusações; 7) da verossimilhança - construir argumentos através dos chamados balões de ensaios ou de informações fragmentadas; 8) do silêncio - calar sobre as questões das quais não se tem argumentos e encobrir as noticias que favorecem o adversário; 9) da transfusão - a propaganda opera sempre a partir de uma mitologia nacional ou um complexo de ódios e prejuízos tradicionais; 10) Principio da unanimidade - convencer muitos, criando impressão de unanimidade.
O Brasil tem exemplos. O Plano Cohen, criação de integralistas brasileiros e do governo de Getúlio Vargas foi a farsa que ganhou as capas diárias de O Globo, entre outros, justificando o Golpe de Estado de 10 de novembrro de 1937 e nove anos de intensa repressão. Contra o próprio Vargas, entre 1951 e 1954, a UDN e Carlos Lacerda levaram ao suicídio de Vargas, um “cala boca!” à direita e seus aliados imperialistas.
Depois do liberalismo conservador de Jânio Quadros, a Campanha da Legalidade de 1961 garantiu Jango na Presidência, mas os escolados golpistas não desistiram. Na conjuntura das Reformas de Base, a burguesia multinacional e associada, a CIA e o Pentágono, como mostrou René Dreifuss, em 1964: a conquista do Estado, criaram um Estado-Maior Golpista. Da Legalidade até o Golpe Civil-Militar de 1964, a direita brasileira mentiu, desinformou, conquistou a pequena burguesia moralista com o discurso da corrupção e ameaça comunista. Com apoio de O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo, impediu o avanço da democracia e de mudanças estruturais: reformas agrária, urbana, universitária, administrativa e tributária.
Em 1989 dois projetos foram para o segundo turno. Mas as mentiras da “Renovação Nacional” do PRN derrotaram Lula e o neoliberalismo alçou vôo, um projeto nefasto que teve seu auge com o PSDB e o PFL, hoje DEM. Suas marcas foram e são tão profundas que oito anos de Governo Lula não rompeu o processo: a macro-política econômica dos tempos de FHC e a lógica privada e rentista ainda são hegemônicas. Mesmo assim, o liberalismo conservador e seu partido maior, a mídia golpista, não se contentam.
José Serra-Índio da Costa REPRODUZEM E SÃO A TÁTICA DA DIREITA BRASILEIRA. Manifestos que insinuam a ameaça à democracia e à liberdade de imprensa, idênticos ao do pré-1964, e a manipulação da mídia têm sido o mote de sua campanha eleitoral.
A História não pode esperar para dar a resposta tardia. Perdemos em 1937, em 1964, em 1989. Urge desmontar a farsa da mídia que está ao lado de José Serra, o ator-vítima que encena a vergonhosa ópera-bufa baseada na manjada trama engenhosa e ridícula de nossas classes dominantes, as quais jogam com o medo para impedir qualquer mudança no País.
A tentativa de colocar quebra de sigilo fiscal no colo do Governo Lula e da candidatura de Dilma, no lugar da disputa interna entre José Serra e Aécio Neves como pré-candidatos do PSDB à presidência, foi a tecla batida insistentemente no primeiro turno. O episódio de Campo Grande é a marca do segundo turno, se algo novo não aparecer até o último dia do mês. É vergonhosa e ridícula a manipulação de imagens e informações.
A bolinha de papel, a meia-verdade, transformou-se na mentira do rolo de fita adesiva no lugar de parte da cabeça de um tolo apoiador de Serra. Era o que faltava para o retorno da tática nazi-fascista ensinada por Goebbels e repetida à exaustão ao longo dos anos. Não foi diferente em 1989 com a compra de Miriam Cordeiro e a montagem do Jornal Nacional, após o último debate do segundo turno entre Lula e Collor, em 14 de dezembro.
A resposta é a derrota desta “onda reacionária”, em 31 de outubro de 2010. As eleições presidenciais centram a luta de classes e exigem o povo na rua: antes para a vitória eleitoral; depois para base da futura governabilidade, única voz que as classes dominantes temem e que colocam do lado popular a vacilante classe média e os fisiológicos governistas.
O nazismo se foi? Pelo que se vê na campanha eleitoral brasileira há uma rediviva permanência dessa diretriz em filhotes de Goebbels nas redações de alguns jornais, emissora de televisão e sítios de da internet, além do uso do telefone para mentir e intimidar. Ah, mas eles dirão que não sabem de nada! Resta a nós o conforto das palavras do saudoso Bertolt Brecht: "Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso".
* Doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Professor Adjunto de História do Brasil e de Teoria da História do Departamento de História da UFSM - RS
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