“Os escravos negros do Haiti deram uma tremenda surra ao Exército de Napoleao Bonaparte; e em 1808 a bandeira dos livres se alçou sobre as ruínas.
Por Eduardo Galeano, no blog do Emir Sader
Mas o Haiti foi, desde ali, um país arrasado. Nos altares das plantações francesas de açúcar se tinham imolado terras e braços, e as calamidades da guerra tinham exterminado um terço da população.
O nascimento da independência e a morte da escravidão, façanhas negras, foram humilhações imperdoáveis para os brancos donos do mundo.
Dezoito generais de Napoleão tinham sido enterrados na ilha rebelde. A nova nação, parida em sangue, nasceu condenada ao bloqueio e à solidão: ninguém comprava dela, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia. Por ter sido infiel ao amo colonial, o Haiti foi obrigado a pagar à França uma gigantesca indenização. Essa expiação do pecado da dignidade, que esteve pagando durante um século e meio, foi o preço que a França lhe impôs para seu reconhecimento diplomático.
Ninguém mais o reconheceu. Nem a Grande Colômbia de Simón Bolívar, mesmo se ele lhe deveu tudo. Navios, armas e soldados o Haiti tinha lhe dado, com a única condição que libertasse os escravos, uma ideia que não tinha ocorrido ao Libertador. Depois, quando Bolívar triunfou na sua guerra de independência, negou-se a convidar o Haiti ao congresso das novas nações americanas.
O Haiti continuou sendo o leproso das Américas.
Thomas Jefferson tinha advertido, desde o começo, que tinha que confinar a peste nessa ilha, porque dali provinha o mal exemplo.
A peste, o mau exemplo: desobediência, caos, violência. Na Carolina do Sul, a lei permitia prender qualquer marinheiro negro, enquanto o seu navio estivesse no porto, pelo risco de que pudesse contagiar a febre antiescravista que ameaçava a todas as Américas. No Brasil essa febre se chamava haitianismo.
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