quarta-feira, 7 de março de 2012

Comendador&Dante, Cachoeira&Marconi: a sedução do jogo-do-bicho

Não é a primeira vez que o crime abastece campanhas tucanas. O filme que se vê em Goiás já foi visto no Mato Grosso

Marcus Vinícius



A quebra da banca de Carlos Augusto “Cachoeira” em Goiás mostra que essa não é a primeira vez que um governo do PSDB é envolvido num escândalo ligado à contravenção. A tentação dos caça-níqueis do “Comendador Arcanjo” seduziu os governos tucanos de Dante Oliveira no Mato Grosso. O dinheiro fácil do jogo do bicho abasteceu campanhas tucanas naquele estado. Em Goiás há evidências de que recursos do jogo também irrigaram estruturas políticas.


A comprovação pela Operação Monte Carlo da Polícia Federal de que o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, tinha uma rede de atividades ilegais em setores da administração do governador Marconi Perillo (PSDB), confirma aquilo que se comentava há muito nos bastidores da politica em Goiás: a existência de um poder paralelo no governo. Um Estado dentro do Estado, em que os agentes públicos perdem espaço para grupos privados, muitos deles alheios ao interesse coletivo, como mostram as investigações em curso.


Seis meses de escutas telefônicas autorizadas pela Justiça confirmaram que Cachoeira tinha grande influência na Secretaria de Segurança Pública de Goiás, sendo suspeitos de participar do esquema de proteção aos jogos de azar (cassinos, caça-níqueis) 6 delegados, 30 policiais militares, oficiais da PM e agentes da Polícia Civil, além de dois delegados da Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.


O trabalho da PF e do Ministério Público Federal evidenciam que o poder do grupo coordenado por Carlos Augusto Ramos vai além, se estendendo à Secretaria de Indústria e Comércio e outros cargos na máquina administrativa, suspeitando-se de ramificações também no Detran-Go.


No Mato Grosso, nas idos de 1998, ninguém tinha dúvidava que João Arcanjo Ribeiro, conhecido como “Comedador”, era um homem temido, perigoso e influente no governo do tucano Dante OIiveira.


Nos oito anos da administração Dante Oliveira (1995-2002) o crime organizado ditava ordens. “Autoridades e bandidos coabitavam nos mesmos nichos sociais. O estado paralelo ameaçava o Estado Democrático de Direito. Cambistas da Loterias Colibri vendiam pules do jogo do bicho nas portas dos quartéis, delegaciais e fóruns. Os cassinos da Colibri funcionavam ostensivamente e os resultados das extrações do bicho eram divulgados pelo rádio e televisão. O homem que comandava a jogatina e factorings com relações mais que incestuosas com políticos era João Arcanjo Ribeiro, pomposamente chamado de ”Comendador” por obra e graça de uma comenda que recebera da Câmara Municipal de Cuiabá”. (Wikileaks – Link: http://migre.me/89AmI).


O Império de João Arcanjo caiu quando a PF deflagrou a Operação Arca de Noé, que prendeu o “Comendador” e seus “tenentes” na exploração de caça-níqueis e jogo do bicho. O curso das investigações revelou uma intrincada relação de João Arcanjo com o governo do tucano Dante Oliveira. Além da influência no setor de Segurança Pública do Mato Grosso, o Comendador foi também um dos principais financiadores de campanhas do PSDB. As investigações feitas à época pela Polícia Federal e pelo Ministério Público revelaram que o total dos recursos repassados por Arcanjo para o caixa 2 das campanhas do senador Antero Paes (PSDB) e do governador Dante de Oliveira (PSDB) ultrapassaram a monta de R$ 6,4 milhões, em valores não atualizados, entre os anos de 1998 e 2002. (ver matérias: “Citações de Arcanjo derrubam mascara do tucanato e “Ex-Chefe do crime organizado pretende exigir pagamento de parlamentares – http://migre.me/89AMJ)


Proximidade


Em Goiás a Operação Monte Carlo, por meio de interceptações telefônicas e na internet, comprova que Carlos Cachoeira conversava frequentemente com parlamentares da base de governo e com membros da alta cúpula, como o governador Marconi Perillo, o senador Demóstenes Torres (DEM), o líder do PTB na Câmara Federal, Jovair Arantes e o deputado Carlos Alberto Leréia (PSDB), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Federal.


Em entrevista à revista Época, Jovair Arantes admite que “ele (Cachoeira), sempre foi ligado à política. Liguei recentemente para ele, por exemplo, para pedir apoio porque sou candidato à prefeitura de Goiânia. Mas era ajuda legal”, frisa.

Demóstenes Torres revela que recebeu de Carlos Cachoeira uma geladeira e um fogão de presentes por ocasião de seu casamento. “A ex-mulher dele é muito amiga da minha mulher. Ela é ex-mulher do meu suplente (Wilder Morais). Realmente temos esta relação. Pensei que ele tivesse largado a contravensão e se dedicasse somente a negócios legais”, declarou à Época.


O governador Marconi diz que conhece o bicheiro por tê-lo visto circular na “alta sociedade”. Segundo as investigações, a casa onde Cachoeira foi preso, no Residencial Alphaville, em Goiânia, pertenceu ao próprio Marconi, que alí residiu entre 2007 e 2010. Declarado à Justiça Eleitoral pelo valor R$ 417.816,13 o imóvel foi vendido por R$ 1,4 milhão ao empresário Walter Paulo (Faculdade Padrão). O intermediário da negociação foi o ex-vereador Wladmir Garcêz, que é investigado na Operação Monte Carlo como um dos integrantes do esquema de Cachoeira.


Corrupção


Conforme registra matéria do jornal O Popular (2/02/2012) em sua decisão o Juiz Paulo Augusto Moreira Lima, da 11a Vara da Justiça Federal alerta que Carlos Cachoeira é um homem bem relacionado e com patrimônio suficiente para fazer jus a propinas que seriam pagas pelo grupo comandado por ele. “Carlos Cachoeira é por demais habilidoso na arte de corromper agentes públicos, além de ter muito dinheiro para isso”.


O Juiz Paulo Augusto informa na peça judicial que a investigação do Ministério Público Federal (MPF) em torno dos negócios comandados por Carlos Cachoeira oferecem elementos de prova suficiente para apontar a existência de forters indício de prática de crimes de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção ativa e passiva, peculato, prevaricação e violação de sigilo, com propósito de conferir suporte à exploração ilegal de máquinas programáveis, bingos de cartelas e jogos de bicho e Goiás.


“Caberá à instrução desvendar e aclarar se Cachoeira manda de fato ou, pelo menos, exerce fortíssima influência na Secretaria de Segurança Pública de Goiás. Sua imensa teia de contatos políticos chamou atenção nos diálogos constantes”, registra o Juiz Paulo Augusto Moreira Lima, em trecho da decisão judicial.


Silêncio


Por enquanto o Palácio das Esmeraldas e o secretário de Segurança Pública ainda não se manifestaram oficialmente sobre a crise. O silêncio parece explicitar a tática de ver se o assunto “cansa” e cai no esquecimento. Alheio ao silêncio governamental, e de setores da mídia regional e nacional, internautas manifestam indignação com o caso nas redes sociais. No Twitter, Facebook e Orkut a prisão de Cachoeira e os desdobramentos da investigação do MPF geram comentários diversos, com desdobramentos nas ruas. Os professores em greve, indignados pelo corte na folha de pagamento e pela retirada de benefícios no Plano de Cargos e Salários, já ensaiaram um grito de guerra: “Marconi, bicheiro, devolve meu dinheiro”. Atrevido e deselegante, o slogan revela, no entanto, o ânimo com que parte substancial do servidor público comeca a enxergar a relação entre o “empresário de jogos de azar” e o governo.


A oposição começa a se manifestar. O deputado estadual Wagner Siqueira (PMDB) movimenta-se pela criação de uma CPI para apurar as relações entre Carlos Cachoeira e agentes públicos do Estado. Ainda assim a oposição corre o risco de ver o Governo adotar a tática de impelir um dos deputados situacionistas a pedir a abertura de uma CPI para ter o controle da situação, a exemplo da “CPI do Endividamento”, que serviu de cabo-de-chicote do governo atual para açoitar elementos do governo anterior.


O povo põe, o povo tira


O povo, entretanto, não é bobo. Dante Oliveira, que fôra eleito em 1994 com um discurso de mudança e de rompimento com as oligarquias do Mato Grosso, amargou a derrota na disputa ao Senado em 2002. O povo matogrosensse expurgou o autor da Emenda das Diretas já depois que o ex-deputado progressista envolveu-se com o crime organizado. Em seu lugar foi eleita a professora petista Serys Slhessarenko.


O marconismo, sob o slogan do Tempo Novo, venceu em 1998 prometendo pôr fim à “panelinha” do PMDB. Dezesseis anos depois, o que era moderno transformou-se num “museu de novidades”. Marconi que nos dois primeiros governos tinha como conselheiros o saudoso ex-governador Henrique Santillo, o ex-prefeito de Goiânia Nion Albernaz e os secretários Guiuseppe Vecci e Carlos Maranhão, nesta terceira gestão mudou de turma. Os ideólogos perderam espaço para os empresários e o governo é visto por muitos como um conglomerado de interesses, onde cada setor empresarial detém um naco de poder.


A Operação Monte Carlos põe à prova o Marconismo “versão 3.0” e impõe limites a ação de grupos – empresariais ou do crime organizado -, aos cofres públicos do Estado.

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