terça-feira, 13 de março de 2012

Na Globo, o mundo encantado de Ricardo Teixeira




Quem assistiu ao Jornal Nacional na segunda-feira 12 não teve propriamente uma surpresa, mas talvez tenha dado boas gargalhadas ao ver a reportagem sobre a queda de Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Como muitos disseram no Twitter na manhã do dia seguinte, o espaço dado ao cartola parecia mais o Arquivo Confidencial do Faustão do que propriamente uma reportagem jornalística.


A introdução de Patricia Poeta já dava as proporções: “Ao longo de uma gestão de mais de duas décadas, a seleção tricampeã se tornou penta. Teixeira colecionou vitórias, mas também desafetos. E enfrentou denúncias”.


Ou seja: as denúncias ficariam entaladas em apenas 22 segundos no final da reportagem, que teve ao todo 3:39 minutos. E com todas as ressalvas: “Ao longo da carreira, Ricardo Teixeira foi alvo de denúncias. Diante de todas elas, Teixeira sempre disse que as acusações eram falsas e tinham caráter político”, afirmou o Jornal Nacional.


E prosseguiu: “A denúncia mais contundente foi a de que ele e um grupo ligado à Fifa teriam recebido dinheiro de forma irregular nas negociações de uma empresa de marketing esportivo, em 1999. Viu os processos serem arquivados pela Justiça.”


Neste trecho, a reportagem omite um detalhe (RISOS) importantíssimo: é verdade, sim, que o processo do caso da empresa de marketing esportivo, a ISL, foi arquivado pela Justiça suíça. Porém, segundo a BBC britânica, o arquivamento só ocorreu porque Teixeira e os outros envolvidos, seu ex-sogro João Havelange e o atual presidente da Fifa Joseph Blatter, assumiram terem cobrado a propina e devolveram parte do valor. É uma maneira válida de arquivamento de processo para a Justiça suíça – o que não pode, em hipótese alguma, ser um salvo-conduto de inocência para Ricardo Teixeira, como pareceu na reportagem.

No restante da matéria, a suposta disneylândia que teriam sido os 23 anos de gestão dele, na visão da emissora: a matéria cita os 112 títulos em várias categorias do futebol conquistados em sua gestão e os 271 milhões de reais de faturamento da CBF.


O fato de o futebol ter sido relegado a segundo plano frente aos negócios, e da desorganização mafiosa que é o futebol brasileiro atual, com clubes com pouca saúde financeira que brigam entre si por bobagem, e federações estaduais que vivem de esmola e nada fazem para a melhoria do esporte, nada disso foi tema do epílogo da gestão Teixeira na Rede Globo.



Merval poetizou


Mas o melhor da emissora fundada por Roberto Marinho ocorreu na Globo News, o canal de notícias da emissora na tevê paga.


Merval Pereira, o jornalista e leão de chácara verbal de plantão, cumpriu muito bem o seu papel de assessor de imprensa informal da Globo e chorou rios de desilusão com a saída cartola.


Já saiu logo defendendo-o: “Esses problemas de denúncias contra o Ricardo Teixeira vêm de longe e ele enfrentou com tranquilidade e sempre conseguiu superar essas denúncias”. E prosseguiu, mais para o fim: “Então resolveu tirar o time porque viu que não tinha condições de recuperar, como várias vezes se recuperou, o prestígio político”.


Menção ao buraco que Teixeira representou na vida do futebol brasileiro, nada. No máximo, dise que ele é culpado pelos atrasos na organização da Copa. Ou seja, o ex-chefão da CBF passou de hecatombe gerencial a levemente incompetente, o que, frisa-se, ele também é. (Veja o comentário de Merval inteiro aqui.)


A cobertura da Globo parcialmente em favor de Ricardo Teixeira, que garantia só se preocupar com o que o Jornal Nacional diria sobre ele (desdenhado das críticas recebidas pelos veículos “traço de audiência), expõe a incestuosidade que fez a Fifa ter o poder que tem, mesmo sendo tão suja. A partir do momento que a empresa compra os direitos de transmissão da Copa do Mundo, um novo mundo cor de rosa passa a dar a tônica do futebol. É o que ocorre com a Globo.


A maior emissora do País já mostrou diversas vezes que sabe fazer jornalismo quando quer. E para o azar de todo mundo, isso fica relegado a enésimo plano quando os interesses comerciais da emissora estão em jogo. Uma derrota acachapante para o jornalismo.


Fernando Vives, CartaCapital

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