Golpistas, depois não digam que não foram avisados.
Ainda não coube à minha geração
interromper o padrão que, desde Deodoro da Fonseca e seu espirro
ditatorial, impediu que sequer uma geração republicana se livrasse das
intervenções autoritárias, civil ou militar. De Deodoro segue-se a
geração nascida com a República, chegando, aos 31 anos, a Artur
Bernardes, que governou o país sob um estado de sítio e repressão aos
movimentos reivindicatórios operários, de 1922 a 1926. A turma de
brasileiros que escapou ao sítio de Bernardes, por acaso de nascimento,
passará, porém, boa parte de sua vida adulta em regime getulista que, se
ditadura explícita só de 1937 a 1945, nunca esteve constitucionalmente
constrangido desde a revolução de outubro de 30. A geração de 45 não
herdou melhor sorte, forçada a suportar o miasma ditatorial consagrado
como revolução redentora pelo jornalismo de DNA pervertido, legisladores
prostitutos, tribunais de rabo entre as pernas e intelectuais a frete,
de 1964 a 1985.
Eis que de supetão, para enjoo da
boa fé democrática da população, confirma-se a praga: aí estão juízes e
outros guardiões da lei, obcecados pela caça ao ex-presidente Lula, a
buscar petistas embaixo da cama, como se fazia em busca de anarquistas
na Primeira República e, depois de 45, de comunistas. Com o aplauso
espumante dos derrotados nas eleições, propaganda garantida pelo real
monopólio de comunicação do sistema Globo, o apoio da coalizão entre
políticos ressentidos ou comprados ou reacionários, e, claro, a
solicitude dos intelectuais explicadores, venais alguns e autoritários
finalmente fora do armário, violentam-se mais uma vez as práticas
democráticas e consuma-se o golpe.
Uma boa teoria conspiratória
dispensa conspirações, confiante na coordenação espontânea dos
conspiradores. Basta um afoito Procurador anunciar a descoberta de
indícios de remota conexão entre este ou aquele político progressista
para que manchetes e panelas compareçam ao linchamento público. O juiz
Sergio Moro menciona uma presunçosa “cognição sumária”, contrabando
linguístico de reles “impressão”, para antecipar sentenças
discriminatórias e obesas de ilações sem fundamento “fático”,
transcritas, não obstante, como sermões bíblicos pelos previsíveis
folhetins. Em apoio ao disfarce de democracia que reivindicam,
convocam-se os ritos da lei e o vocabulário pernóstico do juízo trivial
que deseja passar por ciência. Em vão. Chama-se ditadura da maioria a
esse massacre de direitos por via parlamentar e juizados de arrabalde. É
golpe: o golpe da minoridade eleitoral.
Se o que se esboça nas ruas,
estradas, universidades e prédios públicos, se transformar de fato em
sublevação civil pela legalidade democrática, desta vez o usufruto da
usurpação de poder não terá gosto tão doce quanto o de um pirulito
infantil dos golpes anteriores.
Wanderley Guilherme dos Santos
Cientista político, autor de vários livros na área. Seus artigos são publicados originalmente no blog Segunda Opinião
Um comentário:
k k k k k k k O senhor é um psicopata mesmo, cuide-se!
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