O presidente Waldir Maranhão, o Consistente, deu ao Senado uma breve
oportunidade de ouro: jogar na lata de lixo a vexaminosa sessão da
Câmara do dia 17 de abril.
Teria sido o lugar apropriado para o circo de horrores. Afinal,
aquela foi uma sessão que envergonhou o Brasil perante o mundo. A sessão
que Miguel Souza Tavares definiu bem como a "assembleia geral de
bandidos presidida por um bandido".
O Senado, no entanto, resolveu simplesmente desconhecer a decisão da
outra Casa Legislativa. Não concordou ou discordou. Desconheceu.
Ignorou. Fez de conta de que nada tinha acontecido. Poderia, ao menos,
ter esperado por uma decisão definitiva da Câmara Baixa, quer por
pronunciamento de sua CCJ ou de seu plenário. Ou ainda ter esperado pela
insopitável e ágil incoerência daquele presidente. Não. Preferiu
manter, por decisão monocrática de seu presidente, criticando a decisão
monocrática do outro presidente, a "assembleia geral de bandidos".
Preferiu continuar, a toque de caixa, o rito vazio do impeachment sem crime.
O episódio é significativo. Sabe até a terra vermelha de Brasília que
não houve, não há e não haverá julgamento algum da presidenta.
Desde que Eduardo Cunha tomou a decisão monocrática, motivada por
clara vendeta política, de aceitar a ridícula peça de acusação comprada
por 45 mil reais, o que há, o único que há, é marcha forçada rumo ao
cadafalso. O que há é mero simulacro de julgamento que envergonha o país
perante o mundo.
Da "assembleia geral de bandidos presidida por um bandido" não se
podia esperar muita coisa. No entanto, da Casa Revisora, o Senado,
esperava-se mais equilíbrio, mais compostura e, sobretudo, mais altivez
na defesa da democracia ameaçada. Porém, o episódio do último dia 9
enterrou quaisquer ilusões a esse respeito.
Não que houvesse muitas esperanças. O Relatório aprovado no Senado é
um primor de contorcionismo jurídico, orçamentário e até matemático que,
contudo, não consegue demonstrar a existência de nenhum crime de
responsabilidade.
Manipula conceitos jurídicos, sob protestos de seus criadores, para
tentar retirar do processo seu imprescindível caráter penal. Cria
conceitos legalmente inexistentes de obtenção e controle de meta fiscal
para tentar provar que a presidenta teria cometido atos de
irresponsabilidade, de "gastança", em meio ao maior ajuste fiscal da
história do Brasil. Manipula até a matemática e o bom senso. Mesmo que a
presidenta tivesse cometido as "pedaladas" assinaladas na precária peça
de acusação, elas teriam equivalido a ridículos 0,8% do total do
déficit fiscal verificado em 2015. Ou ainda a infinitesimais 0,07% dos
gastos desse último ano.
É por isso que os parlamentares golpistas falam de tudo, menos dos
supostos crimes de responsabilidade. Falam da crise, do desemprego, da
baixa popularidade, da mãe, dos filhos, do cachorro. Menos do crime de
responsabilidade. Pudera: crime não há. Julgamento também não.
Na realidade, quem "julgou" Dilma foi o réu Eduardo Cunha, em decisão
monocrática. No momento em que o homem das contas na Suíça acolheu a
peça acusatória comprada por módicos 45 contos, o destino trágico da
presidenta e da democracia brasileira já estava selado. Nunca o destino
de um país foi vendido por tão pouco. O resto é mero simulacro de
julgamento. Ópera-bufa de enredo previsível. Jogo de cartas marcadas que
será denunciado, em sentença inapelável, pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos.
Cunha, o Corrupto, montou sozinho a guilhotina para fazer rolar a
cabeça da presidenta inocente. Com a cabeça dela rolarão também as
cabeças dos filhos dos pedreiros que viraram doutores, as cabeças das
"jéssicas" que fazem curso superior pela primeira vez, as cabeças das 12
milhões de crianças que abandonarão a escola por causa da redução
drástica no Bolsa Família. Direitos previdenciários e trabalhistas serão
decapitados. Nossa soberania será decapitada. Rolará, ladeira abaixo, o
futuro do Brasil.
No cadafalso erguido por Cunha, sobrará apenas o sangue da nossa
jovem democracia e a vergonha histórica que nos assombrará para sempre.
Nesse enredo tragicômico, o Senado resolveu assumir o baixo, reles e patético papel de mero executor de sentenças já proferidas.
Vestindo o capuz negro dos carrascos, a ele caberá a honrosa função
de puxar a corda da guilhotina antidemocrática de Cunha. Entrará para a
História como mero verdugo a mando de um dos maiores corruptos da
história do país.
Marcelo Zero
Sociólogo, especialista em relações internacionais e assessor da Liderança do PT no Senado
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