quarta-feira, 4 de maio de 2016

O relógio de Janot





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Pelo momento em que acontecem, as denúncias oferecidas ontem pelo procurador-geral, Rodrigo Janot, ao STF contra 33 pessoas têm alguns objetivos claros e outros ainda enigmáticos.

O acordo de delação premiada do senador Delcídio do Amaral, base principal das denúncias, foi firmado com a Procuradoria Geral da República  pouco antes de ele deixar a prisão, em 19 de fevereiro, lá se vão mais de dois meses. O procurador teve tempo para examinar a peça. Esperou até ontem, mas não pôde esperar mais uma semana para oferecer as denúncias. Seu relógio forçou a coincidência com os dias cruciais que antecedem a votação da abertura do processo de impeachment. Com o pedido para investigar Dilma, não divulgado pelo STF, ele jogou a pá de cal que faltava ao processo.

A sorte dela já estava selada, dirão alguns. Já havia votos para autorizar o início do julgamento, determinando o afastamento. É certo,  mas com a denúncia Janot ofereceu algo como uma legitimação ao processo que, dentro e fora do Brasil, é tido como um golpe parlamentar. Golpe com rito e tudo, transmitido ao vivo. O senador Cristovam não honra sua inteligência quando pergunta, como fez ontem, como o impeachment pode ser golpe se tudo está sendo feito às claras. Golpe não acontece só com baionetas ou no escurinho das cavernas, senador. Acontece quando se tem a força e ela é usada para abater o adversário mesmo que seja preciso atropelar a Constituição. E a força, no caso, é a soma dos votos reunidos contra Dilma. Primeiro na Câmara e agora no Senado.

Voltando à denúncia de Janot, até as criancinhas entenderam que Aécio Neves entrou na lista para justificar as pancadas no PT e no PMDB, e mesmo a inclusão de Lula na lista dos que deseja investigar. Se condenado, Lula estará inelegível para 2018. Assim, Janot terá concluído a tarefa do Congresso de dar cabo do ciclo de governos petistas.

O que ninguém entendeu foi a alegação de que, contra Temer, os indícios colhidos na delação de Delcídio foram “insuficientes” para denunciá-lo. Mas está entendido que, se Janot poupou Temer agora, poupado estará para sempre. Depois que assumir a Presidência, por força de dispositivo constitucional, não poderá ser investigado por atos anteriores ao mandato. Isso inclusive valeu para Dilma em relação a ocorrências do primeiro governo dela.

Ainda assim, as denúncias atingem duramente o futuro governo Temer. Se ele levar a cabo a disposição para nomear investigados, começará trombando com o udenismo das ruas. Ou é seletivo o moralismo do MPL, o Vem Prá Rua e estes outros movimentos anti-PT? Com toda a cúpula do PMDB atingida, noves fora Cunha, os que gritavam “fora PT” vão dizer “fora PMDB” ou isso não importa?

Segundo Janot, o Brasil vinha sendo governado por uma organização criminosa que tinha um braço petista e um peemedebista, e este último dividido entre PMDB da Câmara e PMDB do Senado. Isso era sabido por Deus e o mundo. Agora o braço peemedebista vai continuar governando e o Brasil vai achar que tudo mudou? A rajada de Janot contra o PMDB talvez esteja na origem da vacilação que o PSDB sofreu nas últimas horas em relação à participação no governo Temer. Vão entrar para um balaio de denunciados. Mas, como diz velho ditado, quem anda com porcos come farelo.

Em suma, o governo Temer pode até produzir alguns milagres, como preconiza o PSDB em seu documento programático. Mas dificilmente vai pôr fim às trepidações políticas provocadas pela Lava Jato e à inexorável deslegitimação do sistema político-partidário.  

Tereza Cruvinel

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