terça-feira, 9 de março de 2010

O congresso do PT


Saturnino Braga

Jornal do Brasil - 09/03/2010

Partido político com legitimidade tem de fazer congressos nacionais de militantes, de tempos em tempos, para discutir e atualizar suas proposições substanciais e suas táticas face à conjuntura, mas também para rever seu ideário de base diante de alterações de circunstâncias ocorridas em prazo mais longo. E o PT, efetivamente, é um partido exemplar no cumprimento dessa obrigação, distanciando-se bem dos demais que atuam no Brasil, assim como no processo de escolha de seus dirigentes, que é feita por eleição direta entre todos os militantes, apesar das queixas apresentadas sobre práticas de manipulação de votos que têm ocorrido nessas eleições internas.

Neste mês de fevereiro último, o PT realizou seu quarto congresso nacional, ao completar 30 anos de existência, dando posse ao novo Diretório, lançando sua candidata à Presidência da República, e discutindo e aprovando teses programáticas bastante substanciais para dar ensejo a polêmicas de repercussão nacional largamente refletidas na imprensa . É o que se espera de um partido político responsável e amadurecido, que cumpre a missão relevante de emprestar seus esforços para a mobilização do interesse do povo e a elevação da cultura política do país.

Na polêmica que se seguiu, verificou-se uma vez mais a fraqueza ideológica dos partidos de oposição que, na falta de teses confronto, vêm se apegando exclusivamente a acusações, ao Governo e ao PT, no campo da eficiência e da moralidade. A grande oposição ideológica ao PT, claramente, não está nos outros partidos mas na mídia, na orientação do seu noticiário e dos seus editoriais, e no conteúdo dos seus colunistas e articulistas conservadores, que defendem sempre o liberalismo econômico e seus interesses.

E, como se trata de um verdadeiro confronto ideológico, esta oposição midiática concentra o fogo de ataque nas teses do PT que valorizam o Estado, que pedem mais iniciativa e ação estatal para o avanço do processo do novo desenvolvimento, marcado pelas exigências da distribuição mais justa da riqueza. Obviamente, maior presença do Estado acarreta elevação do gasto público, permanente alvo das críticas

Mas é óbvio, também, que a contundência da censura e do desapreço que recaem sobre as teses aprovadas pelo PT vai além da demonização do Estado e visa, enfaticamente, a duas dessas teses que incomodam particularmente os donos dessa mídia: a que os atinge mais frontalmente, que é o combate ao monopólio dos meios eletrônicos de informação, cultura e entretenimento; e a que recai indiretamente sobre diretores e donos dessas empresas, assim como dos executivos dos grupos empresariais que são os principais financiadores da mídia, que é a do imposto sobre grandes fortunas. Este, aliás, um projeto típico da social-democracia européia, que teve vigência ampla no auge do prestígio dessa corrente política no século passado, e cujo projeto em tramitação no Congresso Nacional é de autoria do principal líder político da oposição, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.

As demais teses, não obstante sua importância sob o ponto de vista de conteúdo, já haviam sido muito comentadas na imprensa e ficaram de certa forma relegadas a um segundo plano, como é o caso da cobrança da aceleração da reforma agrária, e daquela relativa ao Programa dos Direitos Humanos, especialmente no ponto que enfatiza o apoio à criação da Comissão Nacional da Verdade, que já abordei aqui neste Correio.

O conjunto foi chamado ora de radicalização, ou esquerdização do PT, ora de volta ao passado, significando, neste caso, a reedição da estratégia de desenvolvimento baseada no investimento estatal, típica do período Vargas-Kubitschek. O Capital, apesar do muito que se tem beneficiado da ação do Estado, tem horror a este Estado, quando ele tributa seus ganhos e os redistribui entre os não proprietários, e quando cria empresas que competem com ele (capital), introduzindo no mercado um poder que se confronta com o dele, tirando-lhe o absolutismo característico do liberalismo.

O fato é que a presença do Estado é, de fato, a questão que mais nitidamente divide as vertentes políticas de direita e de esquerda. No Brasil e no mundo. A busca da distribuição mais justa da riqueza e da qualidade de vida, que é outra distinção fundamental entre essas vertentes, acaba por recair na questão do Estado, visto que só a intervenção do Estado, através de políticas públicas adequadas, pode efetivar essa mudança na distribuição.

O PT, na evolução do seu ideário, teve um início muito marcado pela ênfase no apoio dos movimentos sociais. Eu me lembro bem que esta foi uma das razões que produziram um certo distanciamento entre o novo partido dos trabalhadores e a esquerda tradicional, onde eu me situava. Nos anos mais recentes, todavia, acabou por assumir plenamente a defesa da intervenção estatal, encampando o mais combatido dos pecados capitais da política brasileira nos últimos 30 anos, pela linha do chamado pensamento único, neoliberal, adotado pela mídia.

Esse avanço faz do PT o mais importante partido da esquerda política brasileira do novo século. Mais avançado, também, na defesa das liberdades em geral e, principalmente, nas práticas internas, nos seus congressos, nas suas discussões políticas, na sua Fundação Perseu Abramo. Não há como contestar.

Saturnio Braga é ex-senador e escritor.

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