segunda-feira, 3 de maio de 2010

O companheiro Serra




Era uma vez um sapo barbudo considerado o mais indigesto ser que já houve naquele bosque. Para velhas raposas e lobos paralíticos, o bicho era insuportável. Dos emplumados tucanos o sapo chegou a ser aliado, na remota época em que os animais falavam. Já nos últimos tempos não se bicavam. De repente, o feio sapo começou a mandar no brejo e adjacências, e a ser admirado em suas andanças fora dali. Na medida em que ia virando príncipe, os predadores passaram a olhar o batráquio com voracidade. Foi tamanho o alvoroço que ninguém se espantou quando, um dia, começou a desfilar pela floresta um tucano de barba sob o bico.

O Brasil é uma fábula. Quem diria, oito anos atrás, que seria possível a aparição no cenário político de um tucano barbudo? Talvez a que Aécio Neves assumiu há poucos dias seja só coincidência, mas reparem bem na recente postura adotada pelo candidato do PSDB, José Serra, à sucessão de Lula: elogia os feitos do petista, promete dar continuidade às boas iniciativas, aperfeiçoá-las. Não fosse o mesmo partido que, nesses anos todos, acusava o governo de cínico, antiético, antidemocrático, incompetente e populista, para dizer o mínimo, qualquer um poderia pensar que é Serra, e não Dilma Rousseff, o candidato da situação à Presidência da República.

A metamorfose de Serra em lulista de primeira hora deve se acelerar ainda mais depois que a revista norte-americana Time anunciou que o presidente do Brasil foi escolhido por seus leitores como um dos líderes mais influente do planeta, na sua tradicional lista anual de 100. “O que Lula quer para o Brasil é o que nós costumávamos chamar de American Dream (sonho americano)”, escreveu o cineasta Michael Moore, autor do perfil de Lula para a publicação, com as tintas um tanto exaltadas de fã do brasileiro. O líder do DEM na Câmara dos Deputados, Paulo Bornhausen, chutou logo a canela: “A Time ficou louca ou ganhou patrocínio de estatal brasileira”. Em seu Twitter, Serra fez o oposto e deu parabéns a Lula.

Mas que ninguém se engane, a conversão do tucano é muito menos reconhecimento do valor do adversário do que adoção de uma estratégia. Para especialistas, a única possível, numa eleição onde novamente está no momento errado: se em 2002 era o candidato da continuidade, quando o eleitor queria mudança, Serra é, em 2010, o exato oposto. Daí sua opção pela, na linguagem dos marqueteiros, triangulação. Ao mesmo tempo que vai se apresentar como oposição ao PT para os simpatizantes do PSDB, tentará firmar entre os demais a imagem de candidato mais experiente para continuar o trabalho de Lula.

A análise de alguns números das pesquisas eleitorais ajuda a compreender a estratégia. Do total dos eleitores que, no momento, dizem pretender votar em Serra, 44% não sabem afirmar quem é o candidato apoiado por Lula. Entre o eleitorado de Dilma Rousseff, o porcentual é de 5%. Tal situação permite aos especialistas em pesquisa a seguinte avaliação: se o último levantamento do Datafolha for o mais correto e a intenção de voto do tucano estiver mesmo na casa dos 38%, pode-se aferir que seu voto consolidado gira na casa dos 21,28% (56% desses 38%). São aqueles que, mesmo sabedores de quem o atual presidente da República apoia, tendem a escolher Serra. A pergunta que atormenta os QGs das campanhas: o quanto dos 44% desinformados continuarão a preferir o ex-governador de São Paulo após associarem Lula a Dilma?

Os próximos passos da campanha presidencial são óbvios. Cada vez haverá mais críticas tucanas à ex-ministra e cada vez menos a Lula e seu governo. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), iniciativa mais identificada com a candidata do governo e seu carro-chefe, será o principal alvo, por “inconcluso”, como diz o PSDB. A ex-chefe da Casa Civil já tem sido atacada como a inexperiente que nunca disputou eleição. Enquanto isso, o Bolsa Família, vitrine de Lula entre os mais pobres e outrora “eleitoreiro” e “fábrica de vagabundos”, será “mantido e fortalecido”, como vem anunciando Serra.

Ironicamente, foi o ex-governador quem cunhou, em 2002, a expressão “tucano barbudo” para alfinetar Luiz Inácio Lula da Silva no figurino paz e amor que o levaria à primeira vitória à Presidência. “O Lula deixou de ser o sapo barbudo do (Leonel) Brizola para se tornar o tucano barbudo do Duda Mendonça”, atacou então, referindo-se ao marqueteiro responsável pelo início da “transformação” do enfezado Lula de 1989 e 1994 no “Lulinha paz e amor”.

Serra terá sucesso? “Vai ser bem mais difícil essa guinada. Baseado em pesquisas qualitativas, o marqueteiro apenas realça a melhor qualidade que o candidato já possui, não o transforma”, analisa Luiz Signates, professor de Comunicação da Universidade Federal de Goiás e diretor de um instituto de pesquisas que leva seu nome. “Quando Duda pegou Lula, ele era considerado um radical, altamente perigoso para a iniciativa privada, e passou a ser apresentado como cordato, negociador, o que não é uma invenção. Sempre pergunto nas minhas palestras: entre as duas, qual a imagem mais próxima do Lula que conhecemos? É óbvio que é a segunda.”

Signates explica que as pesquisas qualitativas têm duas vertentes: a primeira é mostrar o que o eleitor deseja, o que lhe faz falta como cidadão. A segunda é descobrir o que o eleitor vê no candidato, tanto positiva quanto negativamente. O que se faz, então, é reposicionar o político em campanha de maneira a reforçar seus aspectos positivos, ainda que à primeira vista não pareça ter nenhum. O pesquisador lembra do caso Paulo Maluf. “Jamais um marqueteiro poderia vender a imagem dele como honesto, mas, sem dúvida, é um tocador de obras. E é por aí que ganhou as campanhas em que foi eleito.”

Para o especialista, a principal arma de Dilma Rousseff será mesmo a proximidade com o presidente. Mas o perfil que está sendo traçado para a candidata do governo pretende colar nela também a ideia de que não representará só a continuidade, e sim a “continuidade do novo” na política, contra o “velho”, que seria uma volta atrás, rumo ao governo FHC. As últimas declarações de Dilma vão nessa linha. “O Brasil precisa impedir a volta da política da roda presa, a política que colocou o País no acostamento. Vocês não vão permitir a volta do atraso e da estagnação”, disse a candidata na terça-feira 27 a uma plateia de caminhoneiros.

Um dia antes, Dilma havia respondido às provocações feitas por Ciro Gomes ao abandonar a corrida presidencial, forçado por seu partido, o PSB. Em entrevista ao portal iG, depois negada e em seguida ratificada no canal SBT, Ciro declarara que “Dilma é melhor do que o Serra como pessoa. Mas o Serra é mais preparado, mais legítimo, mais capaz”. A pré-candidata petista argumentou não ser “uma política tradicional”, mas que se sente credenciada a governar o País por ter atuado como coordenadora, nos últimos cinco anos, de todos os programas do governo Lula e dos ministérios.

Não se sabe exatamente qual será o efeito da saída de Ciro da campanha e qual candidato se beneficiará de seus votos, mas é certo que o cearense contava com um apoio da mídia que não veio. Chegou a ser chamado de “mentiroso compulsivo” por um colunista em primeira página. Em parte por seus próprios erros e em parte pelo rolo compressor do Palácio do Planalto, o deputado do PSB acabou fora do páreo de uma forma imerecida.

A mídia tem dado um amplo destaque ao que seriam erros na seara governista, mas o que parece haver, de fato, até agora, é a insatisfação da ex-ministra com o trabalho do marqueteiro João Santana Filho, que lhe foi imposto por Antonio Palocci, um dos coordenadores da campanha. Dilma preferia Duda Mendonça e continua a se consultar com o marqueteiro baiano com frequência.

Na quarta-feira 28, em uma palestra no Rio de Janeiro, Duda chegou a criticar publicamente os rumos da campanha da amiga, que está, segundo diz, pouco à vontade no figurino em que foi posta. “Não adianta desvirtuar a Dilma. Tem que deixar a Dilma ser como ela é. As pessoas vão entender como ela é ou não. Pegá-la e fazer outra pessoa... Vai ficar numa vestimenta que não é confortável, vai ficar escorregando volta e meia.”

Dilma quase demitiu João Santana no fim do ano passado, mas, como o programa de televisão do PT que o marqueteiro levou ao ar em dezembro foi considerado bom, os ânimos arrefeceram. Mais recentemente, Santana insistia em ter todos os setores da campanha sob seu controle, mas a ex-ministra, com fama de durona, não aceitou que indicasse os responsáveis pela assessoria de imprensa e de internet. O marqueteiro estrilou e é apontado por integrantes da campanha petista como a fonte das notinhas que vêm aparecendo nos jornais sobre os supostos “desacertos” nessas áreas.

Para firmar a imagem de Dilma como candidata de Lula e combater o pseudolulismo de Serra, a partir de agora ela começa a seguir o presidente em mais eventos. No sábado 1º, estará ao lado de Lula nas festividades do Dia do Trabalho programadas pela CUT em São Paulo. Na sexta-feira seguinte participa no Recife da inauguração de um petroleiro do estaleiro Atlântico-Sul, a primeira com o presidente desde que deixou o cargo de ministra. Serra continuará a deixar crescer a barba virtual. Falta convencer os demais que não é só make-up.


Ps:Todo cuidado com esses bandidos é pouco.

Um comentário:

Francisco Cândido Dias disse...

Se o povo não souber quem é a candidata de Lula, pelo amor de Deus, ela vive à tiracolo do presidente.A verdade é que a ex Ministra não empolga os eleitores, não tem empatia com o povo, tem cara de burocrata.