A candidata Dilma Rousseff introduziu o tema do “pré-sal” nas discussões sobre as eleições presidenciais. Foi bom que o fizesse. O tema é por demais importante para passar à margem do atual debate sucessório. As posições de Dilma sobre o assunto são conhecidas, pois a ex-ministra participou da elaboração dos projetos de lei que mudam o marco regulatório no pré-sal.
Por Haroldo Lima*
Por Haroldo Lima*
O candidato Serra, mesmo provocado por Dilma no debate da Band, não explicitou suas ideias sobre o tema. Quem as explicitou, no Valor Econômico e na Exame, foi a pessoa citada pelos meios de comunicação como seu “assessor para a área de energia”, David Zylbersztajn. Serra não endossou claramente essas idéias, tampouco as refutou, e disse que “pensa com a própria cabeça”. Ademais, o suposto assessor já disse que não o é. Patenteia-se assim a necessidade de um posicionamento claro do Serra sobre o assunto, ainda mais porque seu ex-suposto assessor emitiu opiniões preocupantes.
Zylbersztajn, segundo os meios de comunicação, “aconselhou o candidato a desistir da proposta do atual governo de modificar o modelo de concessão para o de partilha, no caso do pré-sal”. “Se houvesse justificativa para mudar, tudo bem", disse. Argumenta, como outros, que sem a mudança do contrato atual, a “arrecadação pode crescer”; não vê sentido na Pré-Sal Petróleo, a empresa cem por cento estatal a ser criada; diz que não se deve mexer em sistema que está funcionando bem, como o de concessão, em vigor; que, nesse sistema, o governo recebe dinheiro antecipadamente, a partir do bônus de assinatura, enquanto na partilha o governo “só vai receber lá na frente”.
Participei, como representante da ANP no grupo de trabalho que elaborou a proposta de regime regulador para o pré-sal. Vejo, assim, que se o governo pretendesse, através do pré-sal somente arrecadar mais dinheiro, então, de fato, não seria necessário alterar o contrato existente. Contudo, explorar e produzir petróleo em área de tão alto potencial trazem riscos e oportunidades bem acima da mera questão da arrecadação financeira.
Pelo contrato de concessão hoje praticado no Brasil, o concessionário, brasileiro ou não, estatal ou privado, desde que pague as obrigações contratuais, é proprietário do óleo ou gás extraído. O ritmo da produção é ditado pelo dono do óleo, orientado pela busca do lucro máximo. Considerações de outra ordem, como correlacionar o crescimento da produção com o desenvolvimento da indústria nacional, não existem.
Não se fazendo essa correlação para o caso do pré-sal, a indústria local perde a oportunidade de se desenvolver acompanhando a expansão da produção do óleo, havendo o sério risco de outros setores industriais perderem atratividade e competitividade, estabelecendo-se no país a “doença do petróleo”, cuja manifestação mais conhecida é a desindustrialização do país, com a perda de postos de trabalho para os brasileiros.
Pelo contrato de partilha, a propriedade do óleo extraído é do Estado e, sendo assim, o crescimento de sua produção pode ser condicionado a outros fatores, como a evolução da indústria local de bens e serviços, destinada a satisfazer às novas demandas requeridas. O risco da “doença do petróleo” seria debelado.
A Pré-Sal Petróleos S.A. tem um sentido muito claro, fundamental para que o sistema possa funcionar. Na partilha, no processo de exploração, que pode se estender por sete ou oito anos, o contratado investe. Havendo sucesso, com o início da produção, ele recebe de volta o que investiu, e a partir daí a produção é partilhada. Se a formação dos custos na fase exploratória for elevada, pode cair muito a parcela destinada ao Estado.
Daí ser necessário controlar a elevação desses custos, o chamado “custo em óleo”. A Pré-Sal Petróleos S.A., estando presente em cada campo, do início da exploração até a produção, por todos os anos que isso implicar, funcionará como o “olho do Estado” no empreendimento, acompanhando de perto a formação do “custo em óleo”, que será devolvido ao contratado. Depois, regerá a partilha da produção.
Dizer que não se deve mexer em sistema que está funcionando bem, como o de concessão no Brasil, é desconsiderar a mudança da situação ocorrida com a descoberta do pré-sal.
Como muitos outros países do mundo que têm quantidade pequena ou média de petróleo, funcionamos a contento com o sistema de concessão. Atuamos, grosso modo, em áreas de elevado risco exploratório e potencial incerto. A descoberta do pré-sal mudou radicalmente essa situação. Nesta região – que corresponde aproximadamente a dois por cento da área das bacias sedimentares brasileiras – não há elevado risco nem potencial incerto, há baixo risco e potencial elevado.
Por isto, aí impunha-se a partilha da produção, como procedem países de situação similar. O interesse nacional não poderia ser desdenhado. Tratando-se de forma desigual áreas desiguais, ficaremos com um sistema misto, em que a partilha da produção vigoraria na área já identificada de elevado potencial e baixo risco, enquanto que o contrato de concessão continuaria a vigir no restante do país. Como na Rússia, por exemplo.
A informação de que no sistema de concessão atual o governo recebe dinheiro logo no início do processo enquanto na partilha proposta recursos só entrarão no Tesouro federal “lá na frente”, não tem procedência. De fato, no sistema atual, o concessionário que arremata áreas nas licitações paga um bônus para assinar o contrato. O dinheiro vai direto aos cofres públicos.
Mas, na proposta de partilha em exame no Congresso, também está previsto o pagamento de um bônus de assinatura, com uma diferença: enquanto na concessão esse bônus vai sendo devolvido ao concessionário gradativamente, no novo formato de partilha, o bônus “não integra o custo em óleo”, ou seja, não será devolvido ao contratado e deverá participar da formação do Fundo Social, também criado com a proposta de regulação para o pré-sal, cujos recursos serão aplicados no combate à pobreza, educação, cultura, ciência, tecnologia e meio ambiente.
• Diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bicombustíveis
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