quarta-feira, 2 de março de 2011

Armadilhas midiáticas


O comportamento da grande imprensa, embora se saiba muito bem onde ela queira chegar, beira a esquizofrenia para observadores desatentos no que tange ao ajuste fiscal que vem sendo promovido pelo governo para desaquecer a economia e reduzir pressões inflacionárias.


O corte de R$ 50 bilhões no orçamento é elogiado como medida responsável para conter os gastos públicos, cujo aumento é sempre atribuído a Lula como exemplo de má gestão e interesse eleitoral. Além de fechar os olhos à política anticíclica que tirou o Brasil da crise justamente pela não retração do investimento governamental, a mídia aproveita para tentar criar a dicotomia Lula-Dilma, uma das estratégias adotadas para empurrá-la ao encontro dos interesses do mercado. São dois coelhos com uma só cajadada.


Mas se elogia o corte, a imprensa o explora. Se ele atinge, mesmo que transversalmente, um programa social de grande alcance, como o Minha Casa, Minha Vida, é isso que vai para as manchetes para tentar indispor governo e população. Ou seja, a governante eleita para manter os compromissos de Lula estaria abandonando os que lhe deram o voto ao cortar os subsídios do maior programa habitacional do país. Mesmo que no dia seguinte, os leitores sejam esclarecidos que o programa ficará intacto, compensado pelos restos a pagar do ano anterior, que superam o valor do corte.


É uma estratégia de morde e assopra disfarçada sob uma suposta preocupação com o crescimento sustentado do país. O corte é bom, mas o aporte ao BNDES para financiar investimentos das empresas nacionais e manter o setor produtivo funcionando é um contra-senso. O aperto é bem-vindo, mas o reajuste do Bolsa Família é sinal de frouxidão.


O que a mídia pretende definir é a orientação econômica do governo para o lado que ela defende. Onde já se viu reajustar o Bolsa Família num momento de medidas restritivas? Não há surpresa no comportamento midiático. Ele sempre foi assim e tentou envolver o ex-presidente na mesma armadilha. Os jornais estão repletos de artigos cobrando da presidente que cumpra a agenda dos mercados financeiros, que perdeu espaço com o fim da hegemonia neoliberal.


As notícias devem ser ruins para manter o governo contra a parede. Mas a realidade está longe de ser desastrosa. O crescimento de 2010, a ser anunciado, será de 7,5%, a arrecadação dos dois primeiros meses de 2011 foi altíssima, um crescimento anual de 5% está plenamente ao alcance das possibilidades do país. O que resta é a inflação, mas nenhum economista de boa fé, e não apenas de olho nos ganhos decorrentes dos aumentos da taxa de juros, é capaz de afirmar que ela irá superar o teto da meta.


Enfim, a leitura dos jornais exige, como sempre, um olhar atento e crítico. E o governo não pode se deixar envolver por uma agenda ortodoxa mesmo em momentos de contenção de crescimento.


Mair Pena Neto, Direto da Redação.

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