As deformações resultantes das trágicas políticas econômicas do Brasil ainda não foram resolvidas na atual quadra histórica. A formação colonial portuguesa, a submissão ao capital inglês e a dependência ao imperialismo norte-americano geraram uma classe dominante de costas para o País, com os olhos em Lisboa, Londres ou Miami.
A independência política iniciou com dívida externa; o massacre ao Paraguai, atendendo os compromissos da Monarquia com a Inglaterra, aumentou a dependência da jovem nação; o governo de Campos Sales aprofundou os interesses do mercado externo e solidificou o poder do latifúndio agrário-exportador no núcleo central dos governos federal, estaduais e municipais; com Juscelino Kubistchek, o aumento do mercado interno foi à custa de "50 anos de dívida externa em 5"; com a Ditadura Civil-Militar, o Estado serviu de ponta de lança para uma concentração de renda sem precedentes, cujo acúmulo resultou na transferência de capitais para a banca estrangeira; fora o "ensaio geral" de Fernando Collor, foi com Fernando Henrique Cardoso que a lógica da dependência aprofundou as contradições estruturais da subjugação ao controle financeiro de nossa economia.
Nos dois governos do PSDB e do PFL, entre 1995 e 2001, a reinserção do Brasil na divisão internacional do trabalho, alicerçada nas políticas neoliberais, resultou em estagnação econômica, privatizações de setores estratégicos da economia, aumento do desemprego estrutural e mais e mais concentração de renda.
Na maré conservadora, reforçada pela crise do socialismo, reformas do Estado e flexibilização dos direitos trabalhistas foram a marca de um governo que reeditou o predomínio do mercado sobre as necessidades sociais, aprofundando a marca da direita brasileira: a defesa da política e da economia liberal.
Com o Plano Real muitos tucanos diziam que a aliança do PFL com FHC, se este fosse eleito Presidente, enquadraria aqueles na lógica da social-democracia, do Estado de bem-estar social. O que se viu nos oito anos de governo Fernando Henrique foi o contrário: a política econômica centralizada no que sempre defenderam os profetas do livre mercado. As consequências sociais daqueles oito anos todos sabem. Modernização e modernidade viraram sinônimo de abertura ao capital imperialista com o eufemismo de investimento estrangeiro. Com o neoliberalismo, como nunca antes na História deste País, as grandes potências e o capital financeiro deixaram fundo os alicerces das renovadas formas de dominação, deixando a dívida externa ruborizada perto do crescimento da dívida interna, facilitada por um câmbio tão propício ao capital que Campos Sales quase pode ser chamado historicamente de "entreguista progressista".
A virada eleitoral veio em 2002, mesmo que a guinada histórica da política econômica não tenha acontecido com os dois governos de Lula, o qual reconheceu que nunca os banqueiros ganharam tanto no Brasil como em seus mandatos. No varejo, tivemos políticas sociais importantes, retomada de investimentos do Estado e crescimento de renda e do mercado interno, certa retomada produtiva e aumento dos níveis de emprego. No atacado, o superávit primário e as altas taxas de juro continuaram sinalizando ao mercado que mudanças estruturais ainda não viriam, enquanto não foi construída uma correlação de força que possibilitasse romper com a "herança maldita" do neoliberalismo.
A crise do capital ganhou dimensões mundiais, sobretudo em 2008, mas nossas reservas sustentaram uma navegação em mares mais tranqüilos, comparado com os Estados Unidos, a Grécia, a Espanha, Portugal, entre outros. Mas não desarmou a bomba relógio armada na ótica financeira nesta fase de acumulação flexível do capital.
Neste meio tempo, diante de sucessivas derrotas eleitorais no pós-FHC, em 2007, o PFL mudou de nome para DEMocratas (sic), querendo modernizar-se para ficar no mesmo lugar. Numa espécie de pleonasmo vicioso, continuou repetindo a desnecessária ideia sobre as necessidades do mercado como solução para os problemas econômicos do Brasil. Sem mudar de nome, o PSDB permaneceu no mesmo diapasão e ambos foram novamente derrotados nas eleições de 2010.
A crise política destes partidos, representantes maiores do conservadorismo neoliberal brasileiro, leva-os para uma morte anunciada. Ou o paciente reage, ou seus familiares e seus queridos se preparem para seu enterro. Sem subestimar o papel da direita no Brasil, pois seu projeto maior ainda não foi derrotado, a crise política do DEM e do PSDB os deixam embretados na atual conjuntura. Estimula ainda mais que os reacionários da mídia achem um novo líder, tipo Aécio Neves, ou se coloquem cada vez mais como o partido do capital, pautando suas diretrizes no Congresso ou no cotidiano da política.
Enquanto isso, líderes siameses do PSDB e do DEM, assombrados pelas defecções que estão formando o novo PSD, propõem uma cirurgia de unificação dos dois partidos para a solução da crise partidária em que a oposição de direita está situada.
Na Espanha, ditados como "Salir del fuego para caer en las brasas", significam passar de uma situação ruim para outra pior. É o mesmo que "Salir de Málaga y meterse en Malagón". Mas como não é com palha que se acaba o fogo, isto é, insistir com o mesmo remédio para o doente em estado terminal, o que podem querer nossos arautos do neoliberalismo?
Afinal, não foi o próprio Fernando Henrique quem afirmou na terça, 26 de abril corrente, achar "que o mais importante é manter a coesão dos partidos e, desde logo, dizer: aconteça o que acontecer, vamos nos manter unidos com certos objetivos maiores". Mais mercado para o combalido mercado? Mais extermínio de direitos, privatizações, políticas rentistas e exploração do trabalho? Menos investimentos públicos, soberania econômica e desenvolvimento social? Nada diferente disto têm proposto nossos tucanos e democratas.
Como idealizam na política, desconectam-se da realidade e não entendem aqueles que chamam de "povão" e de "populistas", justamente aqueles que cada vez mais têm dito nas urnas CHEGA de PSDB, de DEM ou dos dois juntos. Chega por que não queremos mais do mesmo, separados ou unidos.
Que o governo de Dilma compreenda de vez o recado das urnas. Que marche ao lado dos movimentos sociais e dos partidos políticos que querem construir uma sólida correlação de forças para que o neoliberalismo seja definitivamente parte de nosso passado, para que a "estabilidade econômica" não seja refém da dependência periférica nem sinônimo de desmonte do Estado Nacional e da dilapidação criminosa do patrimônio público!
* Doutor em História Social do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Professor Adjunto de História do Brasil e de Teoria da História do Departamento de História da UFSM - RS. Portal Vermelho
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