quarta-feira, 27 de abril de 2011

Ministério Público Militar investiga centros de tortura e morte da ditadura




João Peres / Rede Brasil Atual
 
 
Familiares de vítimas da ditadura têm sido chamadas a depor nos últimos meses pelo Ministério Público Militar do Rio de Janeiro. Documentos e solicitações de informações também fazem parte do trabalho iniciado em abril para investigar o que ocorreu nos centros de tortura e de desaparecimento de vítimas da repressão. Um dos principais alvos do inquérito é o funcionamento da chamada “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), na região serrana do estado.

O promotor Otávio Bravo indica que várias frentes de investigação foram abertas por conta dos 40 casos apresentados ao Ministério Público Militar pelo Grupo Tortura Nunca Mais fluminense. “Já ouvi alguns familiares. Também pedi algumas informações para as Forças Armadas e agora aguardo respostas”, afirma o promotor à Rede Brasil Atual. Bravo pontua que não há previsão de conclusão dos trabalhos porque cada morte será tratada separadamente, o que pode levar inclusive à localização de corpos.
 
 
 
“Que se desvende, que se abra todas as informações sobre o regime de exceção. Hoje em dia isso é absolutamente necessário para a sociedade brasileira”, pede o promovor. Ele explica que tem a intenção de ajudar a reconstituir a verdade sobre o que ocorreu durante o regime. O alvo são “aparelhos” da repressão mantidos no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, estados nos quais atua.

Bravo espera, neste momento, a resposta das Forças Armadas sobre a existência de centros de tortura, em especial a “Casa da Morte”, conhecida por ter sido utilizada para várias execuções. A existência desses locais era negada pelo governo da época, e parte deles é classificado por historiadores como espaços clandestinos, mantidos por agentes da repressão.
“Quero saber a versão oficial da instituição. Se vão dizer que não existia, se vão dizer que era uma unidade clandestina”, pondera. Bravo acrescenta: “Os militares de hoje não viveram esse período de exceção, então estão carregando uma mácula institucional que eles não formaram”.


Tramitação

Após colher depoimentos e analisar documentos, será preciso ouvir a versão dos militares envolvidos. Em seguida, uma denúncia criminal contra os envolvidos em crimes de ocultação de cadáver será elaborada. Se esse trâmite se cofnirmar, o tema terá de ser repassado ao Ministério Público Federal, já que o ramo militar não tem atribuição para abrir uma apuração criminal.
 
 
Há alguns argumentos que dão sustentação a um processo que peça que o julgamento dos envolvidos na repressão. Em tese, todos os desaparecidos políticos da ditadura seguem dentro do Ministério Público sob sequestro, que é um crime de caráter continuado. Ainda que se esclareça a data da morte dessas pessoas, dando fim ao rapto ilegal do ponto de vista da Justiça, a ocultação de cadáver é uma infração que tem o mesmo caráter duradouro.
 
 
Outro argumento favorável a um processo por ocultação também é fornecido pela OEA. A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu no ano passado uma sentença condenando o Estado brasileiro por não haver esclarecido a verdade em torno do episódio da guerrilha do Araguaia, uma decisão que se estende à atuação da ditadura como um todo. A Corte considera que a Lei de Anistia, aprovada em 1979, não deve servir como pretexto para não processar aqueles que tenham cometido violações aos direitos humanos, numa clara advertência ao Supremo Tribunal Federal (STF), que entende o contrário.


Casos emblemáticos
 
 
Inicialmente são investigadas pelo Ministério Público Militar as mortes de Carlos Alberto Soares de Freitas e de Rubens Paiva. O primeiro foi militante de várias organizações, sendo executado em data desconhecida de 1971, na “Casa da Morte”, quando militava na Vanguarda Armadas Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares. Paiva foi um deputado cassado que denunciou as violações cometidas nos primeiros anos da ditadura. Detido também em 1971, logo foi dado como desaparecido após ingressar no centro da repressão em Petrópolis.

Sua esposa e sua filha foram detidas no dia seguinte, em 21 de janeiro. A primeira ficou incomunicável até o início de fevereiro. A segunda foi liberada 24 horas após a prisão, não sem antes passar por algumas sessões de interrogatório. O promotor Otávio Bravo se refere a este caso como simbólico da falta de uma investigação séria a respeito das violações cometidas pela repressão. “Tive a oportunidade de ouvir a filha de Rubens Paiva. Ela jamais havia sido chamada a falar a respeito do caso, mesmo tendo acompanhado tudo. Houve um inquérito militar em 1987, mas é tão malfeito que ela sequer foi chamada.”

Bravo espera ouvir ainda Inês Etienne Romeu, sobrevivente da “Casa da Morte”, mas a família ainda avalia se a ex-militante terá condições de saúde para prestar depoimento. Embora esteja pendente a confirmação, Inês já prestou uma contribuição importante ao registrar um depoimento em 1971.

Além dos assassinatos de Freitas e de Paiva, ela divulgou informações sobre os desaparecimentos de Mariano Joaquim da Silva, Aluísio Palhano Pedreira Ferreira e Ivan Mota Dias. De acordo com o livro O direito à memória e à verdade, editado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Inês informou ainda as mortes de Walter Ribeiro Novaes e Paulo de Tarso. Além disso, foi morta naquele mesmo ano na “Casa da Morte” uma moça que se acredita ser Heleny Ferreira Telles Guariba, cuja história foi tema de reportagens do Jornal Brasil Atual.

O testemunho de Inês dá detalhes também das humilhações e das torturas sofridas e é importante por fornecer pistas que podem levar à identificação dos militares envolvidos nos crimes. Neste ano, o jornal O Globo, por meio do depoimento dado pela ex-militante em 1971, chegou à identificação do sargento e advogado Ubirajara Ribeiro de Souza, de 74 anos, um dos mais atuantes no centro de tortura da cidade serrada do Rio. Ubirajara será convocado a depor.

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