sexta-feira, 29 de abril de 2011

Processo de escolha digno de aplausos

Dilma inova no processo de escolha de juízes
 


Na semana passada a presidente surpreendeu observadores da Justiça ao mostrar que deverá impor a tecnocracia também na escolha dos nomes que irão compor a cúpula do Judiciário em seu governo. Ao nomear para o Superior Tribunal de Justiça os advogados Antônio Carlos Ferreira, Sebastião Alves dos Reis Junior e Ricardo Villas Boas Cueva, Dilma desprezou até mesmo pedidos de governadores aliados em favor de outros candidatos às três vagas para privilegiar aqueles que, em sua ótica, têm o perfil mais técnico para o cargo.


O advogado paulista Antônio Carlos Ferreira, por exemplo, foi escolhido apesar de Carlos Alberto Menezes, um de seus adversários na lista tríplice encaminhada pelo STJ à presidente, ter o apoio explícito do governador de Sergipe, o petista Marcelo Déda, e do diretório da CUT no estado. Déda, fundador do PT, recebeu o advogado sergipano no Palácio dos Despachos em fevereiro, e declarou apoio irrestrito à sua pretensão de ocupar uma cadeira no STJ.


Na ocasião, Déda disse: “Já articulei algumas ações que tomaremos no sentido de informar à presidenta Dilma Rousseff do apoio que o governo e a sociedade sergipana dão a Carlos Alberto”. Menezes também usou a seu favor a alegação de que foi preso político e torturado pela ditadura militar.


Para Dilma, contou mais a experiência de Antônio Carlos, diretor jurídico da Caixa Econômica Federal por oito anos e responsável pela criação de um programa de conciliação de sucesso e pela cultura de não recorrer de processos nos quais as teses já haviam sido fixadas pelos tribunais. Suas ações puseram fim a nada menos do que 2,5 milhões de ações do banco estatal.


A nomeação de Ricardo Cueva é ainda mais emblemática nesse sentido. Um de seus adversários era o advogado paraense Reynaldo Andrade da Silveira, que recebeu o apoio de nove governadores das regiões norte e nordeste do país. Entre eles, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), o governador do Amazonas, Omar Aziz (PMN), e do Acre, Tião Viana (PT).


Em ofício (clique aqui para ler) encaminhado à presidente Dilma, os nove governadores defenderam a nomeação de Silveira: “É chegada a hora de se prestigiar a Amazônia, nomeando um amazônida para a Corte Infraconstitucional de Justiça desse país”. Em vão. Foi nomeado o advogado Ricardo Cueva, procurador da Fazenda Nacional, ex-integrante do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e dono de um currículo que inclui mestrado em Direito Tributário em Harvard e doutorado em Direito Tributário Ambiental pela Johann Wolfgang Goethe Universität, da Alemanha.


O advogado Sebastião Alves dos Reis Junior, conhecido por Sebá no meio jurídico, por sua vez, superou Rodrigo Lins e Silva e Alde da Costa Santos Júnior, candidatos naturais a ter o apoio do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. O primeiro foi sócio do escritório da primeira-dama fluminense, Adriana Anselmo. O segundo é procurador do estado do Rio.


Novos critérios



No governo Dilma, mais do que a nomeação, todo o processo de escolha dos ministros mudou. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, retomou para sua pasta a atribuição de comandar a seleção dos candidatos, que antes ficava mais a cargo da Casa Civil. Junto com a secretaria de Reforma do Judiciário, tomou a iniciativa de ouvir todos os candidatos das listas enviadas à Presidência da República.


No governo Lula, e nos que o antecederam, os candidatos é que disputavam um espaço na agenda ministerial para se apresentar. Muitos não conseguiam uma audiência. Na mais recente seleção para o STJ, logo que recebeu os nomes do tribunal, o pessoal de gabinete do ministro ligou para os nove advogados e marcou com cada um deles uma conversa.


Um dos advogados escolhidos pelo STJ afirmou à revista Consultor Jurídico que, tão logo soube de sua inclusão na lista tríplice, pediu a um amigo próximo ao Ministério que lhe conseguisse uma audiência com o ministro. No mesmo dia, recebeu a ligação do gabinete marcando a conversa. Foi agradecer ao amigo e descobriu que ele ainda não tinha pedido a audiência. A iniciativa tinha partido do próprio Ministério da Justiça.


As audiências foram feitas ao longo do mês de fevereiro. O ato do ministro evita que os candidatos tenham de se submeter a uma corrida por espaço na agenda ministerial. O fato é visto por muitos como positivo em razão do equilíbrio de chances, já que todos os candidatos foram avaliados pelo governo independentemente de seus apoios políticos.


A ConJur conversou com seis dos nove candidatos escolhidos pelo STJ para compor as listas tríplices enviadas à presidente. Os seis disseram que nas conversas, que duraram 30 minutos em média, o ministro da Justiça não fez perguntas sobre teses jurídicas ou processos judiciais específicos que poderiam interessar ao governo. Os candidatos falaram de sua vida acadêmica e profissional, sua visão sobre o STJ e sobre fórmulas para atacar os principais gargalos da Justiça, como a lentidão que ainda é a marca do Judiciário brasileiro.


A mesma iniciativa foi tomada com a lista para a vaga de ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral, que está ainda sem decisão nas mãos de Dilma. Os advogados Joelson Dias, que espera a recondução ao cargo, Evandro Pertence e Luciana Lóssio foram chamados por Cardozo para uma conversa. O fato revela que o processo deverá se tornar padrão no governo.


Apesar de a maior parte das pessoas considerar o ato positivo, um ministro do TSE vê o novo sistema do Ministério da Justiça com ressalvas. “Não temo interferências do José Eduardo Cardozo porque o conheço, mas o ritual pode servir a interesses menos republicanos em futuros governos”, afirmou.


Poder de decisão



No governo Lula, a decisão sobre a escolha de ministros do Judiciário também passava por muito mais mãos e mentes do que no governo Dilma. Secretários da Casa Civil e do Ministério da Justiça ficavam responsáveis pelas listas e eram consultados com frequência. O ex-presidente da República também cultivava o hábito de se aconselhar com amigos de fora do governo.


Em seu segundo mandato, não fazia nomeações sem ouvir os advogados Sigmaringa Seixas, Márcio Thomaz Bastos e Sepúlveda Pertence (ministro aposentado do Supremo). O ministro da Defesa, Nelson Jobim, também era consultado com regularidade, assim como dos titulares da Casa Civil, da Advocacia-Geral da União, do Ministério da Justiça, além de uma legião de deputados, senadores e amigos do presidente. Havia um amplo escrutínio público. Houve casos em que interlocutores do ex-presidente consultaram até mesmo jornalistas.


A opinião dos conselheiros de fora do governo, em muitas ocasiões, foi mais decisiva para a indicação do que os dados levantados pelo staff governamental de Lula. O peso político nas decisões do ex-presidente era maior, assim como sua empatia pelo candidato.


Sob Dilma, a consulta para a escolha dos nomes para o STJ foi bem mais restrita — e, ao que tudo indica, continuará a ser assim. A presidente ouviu o ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, e o ministro José Eduardo Cardozo. O campo de atuação dos players na dança das cadeiras dos tribunais diminuiu consideravelmente.


O fator apoio político, obviamente, tem peso na gestão de Dilma, como em qualquer outra. Só que em menor proporção. A nomeação do ministro Luiz Fux para o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, teve a benção de Palocci, que Fux conhecera ao recebê-lo ainda como ministro do STJ em uma corriqueira audiência para tratar de processos judiciais que envolviam o governo federal. O apoio do governador Sérgio Cabral também pesou para a nomeação do carioca Luiz Fux.


Mas as oitivas da presidente pararam por aí. Ao contrário do que se noticiou, o presidente do Senado, José Sarney, não influenciou na escolha. Fux não teria chegado ao Supremo sem se destacar como um profundo conhecedor de processo civil, autor de diversos livros sobre o tema, e sem presidir a Comissão de Reforma do Código de Processo Civil no Senado, que lhe deu destaque para que seu nome voltasse à disputa pela vaga.


As recentes nomeações da presidente Dilma para o STJ revelam também que as questões geográficas, responsáveis por fazer muitos ministros, não devem ser um critério decisivo por si só. Dos três nomeados, Antônio Carlos Ferreira e Ricardo Cueva são paulistas e Sebá é mineiro.


Advogados e ministros comentavam que era improvável a indicação de dois paulistas porque três dos candidatos eram das regiões norte e nordeste. Natural, nestes casos, que se nomeiem ministros de diferentes regiões, a despeito da convicção pessoal da presidente, para agradar lideranças políticas de todo o país. Não sob as novas regras de Cardozo e Dilma.


O mesmo critério técnico de Dilma é aplicado para decidir vagas em outros tribunais do país. No mesmo dia em que foram nomeados os três novos ministros para o STJ, o Diário Oficial trouxe a indicação de oito juízes para tribunais regionais federais e tribunais regionais do trabalho.


No Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por exemplo, foi indicado o advogado Kassio Nunes Marques, do Piauí. Um de seus adversários foi o advogado mineiro Silvio de Andrade Abreu Junior, deputado constituinte com raízes históricas na militância política de esquerda. A indicação do piauiense não significa demérito ao mineiro, mas a atuação política de Abreu falou mais baixo do que a extensa carreira jurídica de Marques.


Os três indicados na semana passada para o STJ têm em comum uma atuação forte nos tribunais. Este é o principal requisito necessário para o candidato fazer parte das listas da OAB e, depois, ser eleito pelos ministros do tribunal que pretende compor.


Ao menos nas primeiras escolhas da presidente Dilma, o requisito parece ter sido levado a sério. A experiência e conhecimento desequilibraram a balança em favor dos candidatos que, para se tornarem ministros, ainda terão de ser aprovados pelo Senado depois de sabatina que acontecer nos primeiros dias de maio.


Rito de escolha



É praxe que, antes da nomeação, os candidatos a ocupar vagas de ministro passem por uma minuciosa averiguação do Executivo. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) entra em ação fazendo uma investigação social dos nomes submetidos à Presidência para que não haja surpresas depois.


O Ministério da Justiça, então, prepara pastas com todos os dados da vida acadêmica e profissional do candidato e os coloca na balança junto com outros dados subjetivos, como quem são seus padrinhos políticos.


“Pelas nomeações e notícias que temos do processo de escolha, a diferença agora é que a subjetividade perdeu espaço. O apoio político de lideranças políticas ou pessoas próximas ao governo é bom, mas não é decisivo como já foi”, afirma um ministro do STJ.


Em governos anteriores, a força da disputa política pelo preenchimento de vagas de ministros na cúpula do Judiciário fez nascer histórias dignas de ficção, mas que são reais. O ministro aposentado do STJ, Fernando Gonçalves, chegou ao tribunal em junho de 1996 graças a uma briga entre dois dos mais influentes ministros de Estado do governo Fernando Henrique Cardoso.


Gonçalves compunha uma lista tríplice ao lado dos juízes Gilson Dipp e Américo Lacombe. Dipp tinha o apoio do então ministro da Justiça, Nelson Jobim. Lacombe era o candidato de Sérgio Motta, ministro das Comunicações.


Ao receber a lista, FHC consultou Jobim sobre qual era o melhor nome para assumir o STJ e nomeou Gilson Dipp para a vaga. O juiz foi informado sobre sua nomeação, que seria publicada no dia seguinte no Diário Oficial. Recebeu das mãos de Jobim o ato assinado por Fernando Henrique.


Ao ser informado sobre a escolha, Sérgio Motta intercedeu em favor de Lacombe. O ato assinado por FHC empacou na Casa Civil por conta da desavença entre os dois ministros. Entre a cruz e a caldeirinha, para não desagradar nenhum de seus dois importantes colaboradores, o presidente pediu a lista de volta.


Nomeou Fernando Gonçalves para a vaga, que, como ou outros dois juízes, reunia todas as qualificações para o cargo, mas não tinha padrinhos junto ao governo. Dois anos depois, Dipp foi nomeado para o STJ. Até hoje guarda os dois atos de sua nomeação para o tribunal.Consultor Jurídico

Um comentário:

Anônimo disse...

A escolha do Ministro Ricardo Cueva teve a benção de quem? Já que essa foi uma escolha para "para tornar o Tribunal da Cidadania cada vez mais humano" - segundo o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante?