Degol Hailu
Correio Braziliense - 21/05/2011
Economista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em Nova York, natural da Etiópia
A reunião do G-20 em Londres durante o ápice da crise econômica mundial, em 2009, elevou o Fundo Monetário Internacional (FMI) a um novo patamar, fazendo a instituição voltar à cena global ainda mais influente: a sua capacidade de empréstimo triplicou para US$ 750 bilhões. Mas como surgiu o FMI e com quais propósitos? O FMI foi criado no período pós-Segunda Guerra Mundial para lidar com o declínio dos preços e a deterioração do comércio internacional. Durante os choques do petróleo nos anos 70, o FMI assumiu a função de emprestador de última instância, principalmente para países com problemas na balança de pagamentos. A crise da dívida dos anos 80 na América Latina deu novo impulso ao Fundo. Em meados dessa década, o FMI assumia o papel de arquiteto das políticas públicas em países de baixa renda. A crise asiática de 1998 trouxe novamente o FMI para a vanguarda da gestão dos fluxos financeiros internacionais.
Qual a leitura das práticas de empréstimo do Fundo até hoje? Quando refletimos, ficam claros aspectos questionáveis. O FMI foi responsável pela institucionalização das práticas embutidas na expressão Consenso de Washington, “recomendadas” aos países de baixa e média renda, aliadas a pesadas condicionalidades. O criador da expressão, John Williamson, explica: “Criei o termo Consenso de Washington em referência às cartacterísticas comuns de recomendações de políticas públicas que estavam sendo dirigidas pelas instituições financeiras multilaterais baseadas em Washington para os países da América Latina”. Tais recomendações incluíram a disciplina fiscal, liberalização das taxas de juro, adoção de taxas de câmbio competitivas, liberalização comercial, liberalização dos fluxos de capitais, privatização e desregulamentação dos preços e mercados.
Pergunto: a prática do FMI após a recente crise é diferente? A resposta é não: as condicionalidades estão bem vivas. Nos dias de hoje, as receitas políticas são as mesmas que foram enumeradas por Williamson e que não surtiram efeito para conter as grandes crises pós-1945.
Uma avaliação do Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG), sediado em Brasília, nos mostra que, apenas em 2008, havia 224 tipos de condicionalidades aos países de renda baixa. Para o Mali, que ocupa a posição 160 no ranking do IDH de 169 países, uma condicionalidade central é a eliminação de todas as isenções aduaneiras, o que reduz dramaticamente as receitas do governo. O Paquistão deve eliminar todos os subsídios à tarifa de eletricidade e Honduras deve aumentar a taxa de juros básica em 25 pontos base. A eliminação progressiva de subsídios nos preços de óleo combustível foi imposta à República do Congo.
O caso da Zâmbia é um dos mais emblemáticos. O FMI recomendou o ajuste das tarifas de eletricidade, o que já aconteceu mais de 10 vezes no país desde então. Estudos do IPC-IG têm alertado os países africanos sobre os riscos da privatização dos serviços de eletricidade, apontando evidências de aumento dos preços e redução do acesso aos mais pobres. A liberalização no setor na Nigéria elevou os preços em mais de 800%. O acesso à eletricidade na África Subsaariana ainda é muito baixo e desigual: em 2004, o consumo na região equivalia a apenas 6% do consumo nos Estados Unidos em 1980. Dados do IPC-IG nos mostram que mais de 550 milhões de africanos ainda não têm acesso à eletricidade. Será que devemos impor pesadas condicionalidades que afetam o desenvolvimento do setor na África?
A verdade simples é que as condicionalidades são paternalistas. Elas se destinam a alterar comportamentos e induzir alterações nas estruturas econômicas, políticas e sociais, sendo que o credor goza de poder de barganha através do controle da liberação das parcelas do crédito. Os países em desenvolvimento necessitam, sim, de financiamento externo para apoiar estratégias nacionais rumo aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, mas a prática de ajuda condicional e os créditos das instituições financeiras multilaterais têm sido decepcionantes. O momento atual nos alerta para a necessidade de avaliar e discutir práticas recentes e seus reais efeitos para o desenvolvimento dos países que mais precisam do apoio da comunidade internacional.
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