Povão, fora de Higienópolis!

Carlos Pompe *

	O churrasco foi suspenso por excesso de adesão

O Metrô de São Paulo informou, dia 11, que busca nova localização para uma estação da Linha 6-Laranja. A empresa explicou que cancelou o projeto da Estação Angélica por estar próxima de outras duas. A decisão atende aos pedidos da Associação Defenda Higienópolis, bairro chique paulistano. Em protesto, um “churrasco com gente diferenciada” chegou a ser convocado, mas depois cancelado devido ao número excessivo de adesões anunciadas.

Pedro Ivanow, presidente da associação, reuniu-se, em setembro de 2010, com o governo tucano paulista para informar do incômodo dos moradores locais, vizinhos do ex-presidente e guru do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, com a implantação da estação. O partido que tem ojeriza ao povão foi rápido em atender sua clientela abastada, mesmo deixando a pé trabalhadores, estudantes e demais frequentadores, por necessidade, do bairro rico. Até a singela sugestão de uma tuiteira – "É tão fácil resolver problema, gente: faz uma entrada social e uma de serviço" – não foi aceita pelas elites do bairro e do governo.

Já o motivo alegado pela Companhia do Metropolitano de São Paulo, de que a parada ficaria "a apenas 610 metros da futura Estação Higienópolis-Mackenzie e a 1.500 metros da futura Estação PUC-Cardoso de Almeida" não resiste ao cotejo com a informação da própria companhia sobre a extensão da Linha 6. O trajeto da chamada "linha das universidades" terá 13,5 km e 15 estações, portanto distância média de menos de 1 km entre uma estação e outra.

Segundo o líder dos moradores do empoado bairro, o metrô traria "inconvenientes". “O que vimos é que nas estações novas há o aumento de ocorrências de furtos e comércio ilegal, que são aspectos negativos para um bairro que tem sua própria cultura. Além das obras, que podem trazer transtornos ao trânsito e desapropriação de alguns comércios importantes para o local”, disse.

Se a burguesia de Higienópolis tem sua própria cultura, o proletariado e demais trabalhadores – uma “gente diferenciada”, na expressão atribuída a uma psicóloga que mora no local – também desse bairro e do resto do país têm a sua, e de longa data, como testemunha este texto do século XIX:

“Sim há uma cousa que se esquece muito no Brasil – é a sorte do povo que não é o grande proprietário, o capitalista riquíssimo, o nobre improvisado, o bacharel, o homem de posição. Fala-se todo o dia de política, canta-se a liberdade, faz-se de mil modos a história contemporânea, maldiz-se dos ministérios e evoca-se a constituição do seu túmulo de pedra. Ora-se a propósito de tudo, menos a propósito do povo. Escreve-se a respeito de Roma e Grécia, da França e Inglaterra, mas não se escreve acerca do povo. Enviam-se os sábios do país a estudar a língua dos autóctones, a entomologia das borboletas e a geologia dos sertões, mas não se manda explorar o mundo em que vivemos, não se observam os entes que nos rodeiam, não se abrem inquéritos acerca da sorte do povo”.

O autor dessas linhas, Tavares Bastos, era um alagoano, jornalista, político, advogado abolicionista. Neste mês, que registra mais um aniversário da proibição da escravidão legal, vale relembrá-lo. Nesse seu texto, publicado em Cartas do Solitário (1862) ele convida: “Desçamos, meu amigo, às mais baixas camadas. Penetremos na escuridão. Avivemos uma esperança no coração do oprimido e acendamos um farol nas trevas do seu futuro.” E, adiante: “Eu aponto para uma chaga que invade mais e mais o corpo social. E não está dito tudo. Há ainda, abaixo do homem livre o homem escravo; há ainda, depois do miserável que se possui, o miserável africano, livre de nome somente”.

Continuemos gente diferenciada no Twitter: @Carlopo

* Jornalista e curioso do mundo.

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