domingo, 9 de outubro de 2011

Iriny: pra quem enfrentou o crime organizado no ES, não é o PIG alienado que vai detê-la.


A ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para as Mulheres, concedeu entrevista a Revista IstoÉ, onde vê-se que as atuais polêmicas em torno de exageros em propagandas e programas de TV, não são nada perto das brigas que já enfrentou.

Iriny já combateu o crime organizado infiltrado nos poderes de seu estado, o Espírito Santo. Por sua atuação, passou cinco anos sob proteção da Polícia Federal, ameaçada de morte.

Com longa história de militância e dirigente de organizações de direitos humanos, muitas e muitas vezes teve que sair de casa, inclusive de madrugada, para ajudar mulheres que iriam ser esfaqueadas, mortas.

Com a autoridade moral de quem viveu e vive o dia-a-dia desses dramas e injustiças tão de perto, não são os xiliques de jornalistas alienados e pseudo-humoristas que vão detê-la.

Ela puxa a orelha da imprensa, por sua alienação e ignorância, ao desconhecer a ação da Secretaria de Mulheres no caso das adolescentes estupradas nos presídios do Pará, preferindo enfatizar as picuinhas televisivas.

Eis a entrevista da Ministra:

ISTOÉ - Por que a sra. decidiu censurar o comercial de lingerie, estrelado por Gisele Bündchen?

IRINY LOPES - Não cabe a palavra censura nesse caso. Cabe responsabilidade social. Não temos uma visão moralista nem somos contrárias à publicidade de calcinha e sutiã. Todas nós usamos calcinha e sutiã e gostamos de peças bonitas e benfeitas. O problema é a indução de subalternidade. O comercial dá a entender que a mulher, para se proteger de alguma reação mais agressiva por parte do companheiro, precisa de uma imagem erotizada. Ela poderia conversar sobre aquele assunto vestida.

ISTOÉ - Não é uma reação exagerada? A secretaria não está vendo problemas que não existem?

IRINY LOPES - Na minha opinião, não. Dentro do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, nós temos um eixo muito importante que é a questão do uso da imagem. Temos também uma ouvidoria, para tomar procedimentos que considerem cabíveis. E há o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que não pertence ao governo. A publicidade tem regras e parâmetros. Na nossa opinião e na das pessoas que enviaram suas mensagens solicitando que a secretaria tomasse providências, há um conteúdo sexista na publicidade e cabe ao conselho analisar e tomar uma decisão. É legítimo, o Conar serve para isso.

ISTOÉ - A sra. reclama da exposição da mulher de forma subalterna, mas a própria Gisele já protagonizou outra propaganda em que aparece limpando o chão, enquanto o marido a troca pela tevê por assinatura. Naquele caso, a secretaria não se manifestou. Por quê?

IRINY LOPES -Também não consideramos aquela uma propaganda adequada à valorização da imagem da mulher. Mas a nossa ouvidoria não foi provocada.

ISTOÉ - Sobram exemplos em que a mulher é usada como símbolo sexual. As propagandas de cerveja estão cheias dessas citações. A secretaria pretende tomar alguma medida?

IRINY LOPES - Sempre vamos reagir ao exagero. Nós suspendemos o comercial de milhões da Devassa no Carnaval do ano passado. O caso da Hope não foi a primeira vez. Não foi nem será o último caso.

ISTOÉ - Quais os cuidados que as agências de publicidade devem tomar a partir de agora para não entrar na mira da secretaria?

IRINY LOPES - A publicidade é do produto, não da mulher. A Hope poderia ter feito outro tipo de exibição durante o comercial da Gisele. Mostrado as peças que queria comercializar, por exemplo. O problema é o conteúdo de certo e errado, que induz à compreensão equivocada de que as mulheres precisam do corpo como instrumento, em primeiro, segundo e terceiro lugar, para se impor. E que a erotização pode reduzir uma reação mais violenta.

ISTOÉ - Nesse ritmo, as novelas vão acabar fora do ar...

IRINY LOPES - Acredito no diálogo. Nós entramos em contato com as redes de televisão para expressar tanto o nosso agrado quanto o desagrado. Nós tivemos novelas que trataram da violência praticada contra a mulher. Mostraram o problema e como enfrentá-lo. É uma contribuição. Na semana passada, liguei para a Ana Maria Braga para parabenizá-la por uma matéria sobre agressão, com base na novela. Também já fizemos contatos mais de uma vez solicitando alteração, dialogando no sentido de mudar o perfil de personagens que tinham características sexistas, sem contraponto na novela. Com o contraponto é o mundo real: há pessoas pacíficas e outras violentas.

ISTOÉ - E a sra. teve sucesso?

IRINY LOPES - Recentemente, me reuni com a Globo. Na novela “Fina Estampa”, que está no ar, a personagem de Dira Paes apanhava muito no começo. Agora, eles deram um tempo. Não queremos ocultar o fato, mas é preciso mostrar que a mulher pode reagir, que há políticas públicas, organismos públicos e grupos de ajuda que ela pode procurar. No aniversário de cinco anos da Lei Maria da Penha, nós recuperamos a personagem Raquel, vivida pela atriz Helena Ranaldi em “Mulheres Apaixonadas”, que passou em 2003. Ela apanhava do marido com uma raquete de tênis. Agora, numa publicidade toda voltada para a Lei Maria da Penha, Helena Ranaldi estimulou mulheres a buscar seus direitos. Nós temos um histórico de diálogo.

ISTOÉ - Mas há que se ter sensibilidade para separar a violência de peças publicitárias bem-humoradas, brincalhonas. Vinícius de Moraes, por exemplo, dizia: “As muito feias que me perdoem. Mas beleza é fundamental.” O que a sra. considera aceitável?

IRINY LOPES - Veja bem, o que pesa para nós não é se a modelo é bonita ou feia. O que não está certo é falar com um homem só se estiver de calcinha e sutiã. E se a mulher for baixinha? Gordinha? A propaganda estrelada pela Gisele é preconceituosa, pretende ser bem-humorada, mas estimula nas próprias mulheres a ideia de que precisa estar erotizada para superar, ganhar ou neutraliar uma reação negativa. Ali manifesta uma opinião de conteúdo a respeito de como as mulheres devem se portar. Essa é a essência do debate que gostaríamos de ter travado, mas não houve oportunidade.

ISTOÉ - Alguns críticos mais exaltados disseram que a sra. teria agido por uma reação feminina de inveja à beleza da Gisele Bündchen.

IRINY LOPES - Eu acho isso uma baixaria. Ter opinião diferente faz parte do processo democrático. Censura é pensar que ninguém pode pensar ou agir diferente do que a gente pensa. O ataque à minha pessoa vem de pessoas despreparadas para o debate democrático.

ISTOÉ - A sra. sempre foi uma militante feminista?

IRINY LOPES - Na verdade, sempre militei na área de direitos humanos. Sou uma mulher que passou por muitos desafios, porque a vida política e a vida pública impõem esses desafios. Sinto bem na pele o que tive de enfrentar para vencer, para dirigir um partido, para conquistar três mandatos de deputada federal. Como militante e dirigente de organizações de direitos humanos, quantas vezes tive que sair de casa para atender casos de mulheres que iriam ser esfaqueadas, mortas. E eu, de madrugada, tinha que bater na porta de juiz, pedir medida protetiva com urgência. Eu conheço de perto esses dramas.

ISTOÉ - No ano passado, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial considerou Monteiro Lobato racista, a ponto de tentar barrá-lo nas escolas públicas. O que será de Nelson Rodrigues, se depender da Secretaria de Políticas para as Mulheres?

IRINY LOPES - O debate sobre Nelson Rodrigues já está posto na sociedade. Se Nelson Rodrigues estava certo, se estava errado. Mas ao fim e ao cabo acabamos na mesmíssima situação: qualquer decisão sobre a publicidade com viés machista compete ao Conar.

ISTOÉ - Então a obra de Nelson Rodrigues será submetida ao Conar?

IRINY LOPES - Nelson Rodrigues já morreu. A obra dele está aí, feita e refeita. Com releitura, sem releitura. Mas nenhuma “mulher gosta de apanhar” (referência à célebre frase do escritor: “Toda mulher gosta de apanhar. Todas não, só as normais”). Nem hoje nem naquela época. Mas, naquela época, as mulheres não tinham voz suficiente para dizer: “Eu não gosto de apanhar.” Ninguém gosta de apanhar, e por que a mulher gostaria?

ISTOÉ -Essa polêmica toda em relação à propaganda é positiva?

IRINY LOPES - As mulheres se organizaram e conquistaram mais direitos. Já são maioria na população, embora ainda não estejamos no ponto de igualdade que achamos que as mulheres precisam estar. Não existiam tempos atrás organizações de mulheres ou feministas.

ISTOÉ - Mas causa estranheza que a secretaria não tenha se manifestado com tanta veemência no caso das adolescentes trancafiadas nos presídios masculinos no Pará.

IRINY LOPES - Claro que nos manifestamos. Deslocamos pessoas para o Pará, conversamos e tratamos com o sistema de segurança e com a Justiça local nos dois casos. Essas ações não viraram notícia. As pessoas deveriam prestar um pouco mais de atenção em tudo o que a gente faz.

ISTOÉ - Os dois assassinatos em Brasília foram executados por homens que não aceitaram o rompimento da relação. Nos últimos 20 anos, houve um avanço surpreendente das mulheres. O que acontece? O homem brasileiro não conseguiu acompanhar essa evolução?

IRINY LOPES - O Brasil é muito conservador e tem o hábito de colocar muita coisa embaixo do tapete. Não é um problema só do homem. É universal. Questões como essa deveriam ser discutidas nas escolas e pela imprensa, mas longe do calor do homicídio. Todos com ódio do homem e pena da mulher ou pensando: “Alguma coisa ela fez.” Como ocorre no caso de mulheres ao depor nas delegacias: “Minha filha, você não apanhou à toa, alguma coisa você fez.” E se fez? A mulher merece apanhar? Claro que não. Pelo momento bom de crescimento que o País está vivendo, pelo acesso ao conhecimento e à informação, a agilidade na mudança cultural poderia ser muito maior. Mas o Brasil ainda é bastante machista.

ISTOÉ -Em quanto tempo a sra. calcula que a Secretaria de Políticas para as Mulheres deixará de existir?

IRINY LOPES - Quando a delegacia da mulher virar peça de museu. (da IstoÉ)
 
Pescado no Amigos do Presidente Lula

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