sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Nossa liderança e o impasse


As perspectivas positivas que animaram o Brasil nos últimos anos e a projeção que teremos nos próximos anos tendem a, cada vez mais, ampliar nossas responsabilidades no plano regional — especialmente no Mercosul. A questão de fundo é saber que tipo de liderança exerceremos na região e que grau de legitimidade receberemos dos demais países nesse processo.

 
Geralmente, quem trata da questão delineia duas alternativas: liderança com traços imperialista, impositiva e exploratória; ou liderança fragilizada e desacreditada, que peca por não defender seus interesses —e perde, inclusive, o potencial de coordenar. Contudo, as diretrizes de política externa que o Brasil traçou a partir de 2003 nos obrigam a adotar um terceiro caminho. Talvez mais árduo e tortuoso, mas certamente mais profícuo e duradouro.

 
No momento atual, temos um imbróglio diplomático e comercial com a Argentina, que pode servir de teste para nossa nova condição regional. Nosso governo e o Itamaraty estão numa situação difícil frente à Argentina: o governo argentino anunciou que, a partir de 1º de fevereiro, exigirá “pedidos de licenças de importação não automáticos” para todos os produtos do exterior, quaisquer que sejam suas procedências. A medida se soma às dificuldades à entrada de produtos brasileiros da linha branca —como máquinas de lavar e geladeiras—, além de artigos têxteis, calçados, baterias e tratores. E, como era esperado, provocou reação dos setores produtivos e exportadores no Brasil.

 
A melhor saída para o impasse precisa ser construída em conjunto com a Argentina. Para isso, o primeiro passo é conhecer o contexto de cada país. Nesse sentido, precisamos primeiro entender que as medidas argentinas decorrem da queda do preço da soja e da necessidade de o país manter a reserva em dólares para enfrentar a crise internacional. Um problema, frise-se, que o Brasil não tem.

 
Assim, nosso desafio é compreender as dificuldades vizinhas sem parecer condescendes. Nossa relação com o principal vizinho que temos exige muito jogo de cintura, mas fundamentalmente uma política desenvolvimentista que inclua a integração na sua prática e não apenas em sua estratégia. Ou seja, se não podemos simplesmente aceitar as medidas adotadas pela Argentina, não podemos, também, cair no mesmo jogo defendendo interesses corporativos internos da indústria, o que é importante, mas não resolve o impasse e o problema de fundo, que é a paralisação da integração.

 
A solução para a atual situação só pode ser na direção da integração das cadeias produtivas e de investimentos associados. E tais caminhos dependem muito das instâncias multilaterais de decisão, notadamente, o Mercosul, portanto, implica em fortalecer a integração regional. Nessa pauta, está, por exemplo, a criação do Banco do Sul. Ou, ainda, do Eximbank brasileiro. Ambas são instituições de estímulo às exportações e com condições de nos preparar, nacional e regionalmente, para disputar, inclusive com os chineses, o mercado latino-americano. Os dois bancos são urgentes para financiar as exportações de serviços, tecnologia, capitais, além de alimentos e manufaturas para toda região. Mas, principalmente, para financiar o desenvolvimento de nossos países, as infraestruturas, as pequenas e médias indústrias, o acesso e o desenvolvimento tecnológico, a integração energética, entre outras urgências.

Se optarmos por uma mera defesa das medidas protecionistas da Argentina, estaremos dando às costas ao nosso próprio futuro como liderança regional. Portanto, o caminho é o de avançar na integração. Até porque temos um superávit de US$ 5,8 bilhões com a Argentina, a partir de um comércio bilateral que somou no ano passado US$ 39,6 bilhões. Essa relação comercial sólida reforça a importância de nos desenvolvermos juntos.

 
Ora, como fiadores do Mercosul e da Unasul (União das Nações Sul-Americanas), precisamos sopesar uma resposta dura a ações protecionistas, de um lado, mas também não perder de vista nossa estratégia de integração regional e quem são os nossos verdadeiros adversários, de outro lado. É um duplo movimento, fundamental às nossas pretensões.

 
Solucionar esse impasse e superar as dificuldades momentâneas nas relações comerciais com a Argentina é, na verdade, um dos muitos ensaios que o Brasil terá nos próximos anos. O êxito nessa empreitada significa mais do que sanar um entrave diplomático e comercial. Significa provar que é possível exercer uma liderança sem tibieza ou sem imposições. Em jogo, está o futuro de nossa política externa e também do Mercosul.




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