Não se vai pensar que ministro do Supremo Tribunal Federal, seja quem for, não conhece o princípio do "juiz natural". O princípio rege que juiz é intransferível. Como diz a Constituição, o juiz tem a garantia da inamovibilidade. O princípio existe, precisamente, para que nenhuma "autoridade", política ou administrativamente interessada na troca de um juiz por um mais engajado com um determinado caso, em condenar ou absolver, em piorar ou facilitar uma situação maneje uma substituição. Jamais, em hipótese alguma.
Exatamente o que tudo indica ter ocorrido com a troca do juiz da execução dos réus da ação penal 470. A se confirmar isto, está-se diante de mais um escândalo.
O recém eleito presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Ademar de Vasconcelos (foto), em crítica desconcertante a Joaquim Barbosa disparou: "Pelo menos na Constituição que eu tenho aqui em casa não diz que o presidente do Supremo pode trocar juiz, em qualquer momento, num canetaço."
O jornal O Globo em franco cinismo eufemístico disse que Vasconcelos foi "irônico". Não, Vasconcelos foi demolidor, incisivo e correto. A ironia aí é o mote menor, é o que menos importa. Acusar o presidente do STF de "canetaço", de violador do princípio do juiz natural é impor desonestidade processual na questão. E a questão desafia o conceito, sim, de honestidade e desonestidade processual. A troca de um juiz, como a imprensa vem anunciando é fato gravíssimo que atenta como o Estado Democrático, contra o Supremo, contra o Judiciário, contra o Ministério Público, contra a sociedade.
Agora quem está em xeque não é mais Barbosa, mas os outros ministros do Supremo; o Conselho Nacional de Justiça; e o "fiscal da lei", o Ministério Público. A provável desobediência civil psicanalítica que deverá se estabelecer nas cabeças de muitos juízes pelo país em relação a Joaquim Barbosa equivale a uma revolução muda na magistratura. Muitos juízes seguirão Vasconcelos e deixarão de considerar Joaquim Barbosa um magistrado justo, correto e equilibrado. Isso atinge o Supremo Tribunal Federal? Claro que sim. E o STF deveria se preocupar com isso. Não deveria fingir que não está se importando.
O problema de JB deixou de ser apenas um televisível destempero ou desequilíbrio reativo momentâneo a debates orais e fundamentos divergentes. O que muitos eufemisticamente chamam de "beleza da dialética". Agora, com a fala do presidente da Associação de Magistrados passa pela ilegalidade processual e pelo abuso do presidente do STF. Nem interessam mais a propalada arrogância ou autoritarismo pessoais de JB, mas a violação a pautas jurídicas. Também se aguarda, naturalmente, alguma manifestação da Ordem dos Advogados do Brasil.
A sociedade não pode ser menosprezada quando a imprensa noticia uma ilegalidade da chefia de um Poder e este não se manifesta, não responde, não chama a questão a pratos limpos, e até desmascara o noticiador. Se a imprensa não pode projetar notícias infames, safadas e mentirosas sobre ninguém ou um Poder, este tem o dever público de, quando houver a infâmia jornalística, apontar. O Poder não estará "se" defendendo apenas, mas cumprindo o dever institucional de ser honesto perante a sociedade, sua fonte pagadora.
A impressão que há é que os ministros do Supremo estão esperando Joaquim Barbosa sair para tudo voltar à normalidade. Se fizeram essa combinação, pagarão um preço altíssimo. O da desmoralização da corte. O tempo não apaga tudo e os historiadores existem justamente para não deixar apagar. Parcela substancial da comunidade jurídica, observadores, intelectuais e imprensa estão expondo entranhas insustentáveis do tribunal. Não é sem motivo que alguns já falam em impeachment de JB.
Pensar que o problema está circunscrito à uma guerrinha partidária ou a uma imprensa doméstica brasileira é não imaginar que hoje em dia todo o mundo lê tudo. É inacreditável a letargia do Supremo em esclarecer acusações gravíssimas. Ou em prestar satisfações à sociedade perante ataques tão certeiros e ímpares em toda sua história.
Do blog Observatório Geral
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