quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Nem todos os gatos são pardos


Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre


Rodrigo de Grandis é procurador da República, em São Paulo. Procurador, como define o nome, procura e, quando acha, denuncia e acusa. Contudo, alguns procuradores e também juízes se transformam em políticos e, sendo assim, fazem política, escolhem lado partidário para apoiar e geralmente são conservadores ideologicamente, ou seja, cidadãos que “surfam” pelo espectro ideológico à direita.

O procurador De Grandis deixou, recentemente, dúvidas na sociedade, porque não pareceu muito cônscio de seus deveres, bem como deve ter sentido e percebido a mesma coisa o procurador-geral da República e seu xará, Rodrigo Janot, que acionou a Corregedoria do Ministério Público Federal para apurar a conduta de De Grandis, porque ele simplesmente, durante dois anos e oito meses, arquivou em pasta errada a solicitação de investigação do MP da Suíça.

Sendo assim, o procurador do MPF em São Paulo, Rodrigo de Grandis, paralisou as investigações sobre os supostos crimes de propinas pagas pela multinacional francesa Alstom a autoridades e servidores de São Paulo. Um absurdo a desculpa de De Grandis ou de qualquer servidor do MPF em São Paulo que trabalhe diretamente com o procurador esquecido e, consequentemente, com fraca memória.

É evidente que o arquivamento “equivocado” impediu uma investigação mais rápida e pontual sobre o escândalo das propinas pagas pela Alstom aos tucanos paulistas e seus aliados. Por sua vez, o MP suíço arquivou o caso na época, por falta de cooperação do MP chefiado por Rodrigo de Grandis. Os suíços solicitaram à Justiça brasileira que fossem feitas diligências de busca e apreensão na residência do ex-diretor da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), João Roberto Zaniboni, cidadão suspeito de ter uma conta na Suíça abastecida com US$ 836 mil (R$ 1,84 milhão), a  propina paga pela Alstom.

Esta é a ponta do iceberg, porque muita gente de diferentes escalões do governo paulista está envolvida, não somente com a francesa Alstom, mas também com a alemã Siemens, outra multinacional poderosa, com tentáculos no Metrô de São Paulo. E o procurador De Grandis a protelar e a praticamente esconder tais escândalos e tudo fica como está, como se nada tivesse acontecido, pois a impressão que se tem é que quando se trata de malfeitos de tucanos a impunidade corre solta e a Constituição é rasgada.

Trata-se, aparentemente, de um Judiciário e de um MPF do um peso e duas medidas, sendo que em pleno estado democrático de direito o sentimento de muitos brasileiros é de que esses poderes republicanos são seletivos ao investigar e punir. Por isso, resguardam certos nomes da política nacional, bem como protegem partidos e entidades que se aproximam de suas crenças, ideologias e conceitos ideológicos e políticos, ao tempo em que combatem, sem trégua, aqueles que porventura não rezam por suas cartilhas.

Seus “adversários”, virtuais ou não, são tratados como inimigos a serem derrotados, em nome de não sei o quê e quem, porque, não restam dúvidas, o papel de promotores e juízes é tratar das pessoas que cometem malfeitos. Entretanto, o que se vê e se percebe é que somente pessoas ligadas ao PT ou que participaram, por exemplo, da constituição de seu caixa dois de campanha é que são consideradas criminosas. Concomitantemente, os indivíduos que efetivaram e participaram das arrecadações milionárias do caixa dois do PSDB, do DEM e do PPS estão livres, leves e soltos.

O STF inaugurou no Brasil o quarto “P”, dos que sempre devem ser execrados, punidos e presos. O novo “P” é o P de petista, pois até então a tradição brasileira rezava pela cartilha dos três pês: puta, preto e pobre. Com isso, a democracia, às avessas, do Judiciário e do MPF brasileiros está a avançar. Afinal, os donos da Casa Grande provaram que ainda mandam neste País, pois eles são o próprio establishment, e gente togada e que se veste de preto, com absoluta certeza, é parte integrante e, por seu turno, essencial para que o sistema edificado para aquele que tem o domínio do capital perdure para sempre, mesmo com os trabalhistas e reformistas, mas jamais revolucionários estejam no poder há quase 12 anos.

Rodrigo de Grandis e muitos de seus colegas de perfis conservadores sabem que a luta de classe existe. Aliás, vou além: esquerdista, socialista, comunista e trabalhista que acredita que o episódio da derrubada do Muro de Berlin acabou com as ideologias e, consequentemente, com o fim da luta de classes, incorrem em grave erro filosófico, ideológico e político. É tudo o que a direita quer e deseja.

O mundo apenas mudou seus conceitos, mas os ricos, os exploradores, o sistema de capitais, o sentimento de colonizador e os procedimentos imperialistas jamais vão sumir da face da terra enquanto existirem as grandes corporações privadas e os estados beligerantes, a exemplo dos EUA e da Inglaterra, que vivem da guerra e fazem da morte o combustível de suas sobrevivências. Os conceitos apenas se modificaram para confundir a mente e a visão dos incautos, como o gato pardo à noite confunde o olhar de seus olhos.

Este foi o grande erro do PT. O partido e muitos de seus principais líderes e militantes consideraram que ao conquistar o poder seriam aceitos pelo establishment controlado pelos inquilinos da Casa Grande e proprietários dos diferentes meios de produção, dos bancos e das indústrias de armas e de petróleo. Em um primeiro momento, poucos meses de o presidente Lula assumir o poder em janeiro de 2003, a imprensa de negócios privados tentou compor com os novos “donos” do poder, e Lula, logo após sua vitória eleitoral, deu uma entrevista a William Bonner diretamente da bancada do Jornal Nacional.

Lula cometeu um erro estratégico, porque em hipótese alguma ou em qualquer tempo os magnatas bilionários da imprensa, da estirpe dos Marinhos, pensariam, com sinceridade, em apoiar ou pelo menos amenizar suas vocações golpistas e direitistas, no que tange à esquerda no poder, como provaram no passado quando tal oligarquia midiática combateu, sem água e trégua, os presidentes trabalhistas Getúlio Vargas e João Goulart, bem como o governador da mesma corrente política, Leonel Brizola.

A luta de classe existe, com outras características, sendo que ainda é preservado pelos conservadores os ditames da Guerra Fria, que tanto os beneficiaram e os enriqueceram. A direita tem mais saudade do dinheiro que ganhou quando o mundo era bipolar do que com os novos tempos, onde todos os gatos são pardos e seus antigos aliados se transformam em tigres, porque a concorrência econômica e geopolítica é voraz e feroz, sem tempo para ideologia, que o Cazuza queria ter uma para viver.

É ilusão a esquerda pensar que a luta de classe acabou, com o fim da União Soviética. Todo dia, rotineiramente, as classes dominantes e médias demonstram que a estratificação da sociedade em diferentes classes é uma realidade concreta e preservada pelos que freqüentam a parte de cima da pirâmide social. Os ricos e os médios odeiam a igualdade de oportunidades, as cotas e os programas sociais. Principalmente os que permitem aos subjugados se tornarem independentes. É uma questão primordial para quem está por cima e quer manter o status quo para dominar aquele que não tem nada, inclusive estudo.

A luta de classe é ideológica, existe e vai sempre existir, só que agora de forma mais dissimulada. A verdade é que a luta de classe representa o próprio embate ideológico, o que renega a igualdade entre os homens, para que uma classe minoritária se beneficie, mantenha seus privilégios, com o propósito de manter a hegemonia, a ser garantida pelo estado, por intermédio do dinheiro público, que financia os salários e as condições de trabalho dos policiais.

O Judiciário brasileiro e o Ministério Público são compostos por juízes e promotores dedicados e que trabalham em prol da sociedade. Contudo, inúmeros profissionais desse segmento são completamente desvinculados e dissociados dos interesses da população, além de serem politicamente conservadores e inseridos no contexto da luta de classe e também nos valores e princípios da burguesia.

Há muito tempo afirmo que o STF e o MPF são verdadeiras cidadelas da classe conservadora e que luta contra a inserção das classes mais pobres no mercado de consumo e no acesso à escolaridade de boa qualidade e superior. O procurador Rodrigo de Grandis representa fidedignamente os interesses do establishment, fato este que ocorre com muitos juízes dos tribunais superiores e com o ex-procurador da República, Roberto Gurgel, de triste memória.

Rodrigo de Grandis tem de responder por seus atos e ações. O procurador-geral Janot quer saber. A Corregedoria do MPF também. A sociedade está à espera. Afinal, trata-se de valores que superam o R$ 1 bilhão. O procurador De Grandis tem problema de memória, pois erra de pastas e por isso solicitações do MP da Suíça ficaram quase três anos arquivadas em alguma gaveta empoeirada da Procuradoria.

Não é a primeira vez que tal procurador comete erros graves e polêmicos. No decorrer da Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas duas vezes e duas vezes foi libertado pelo juiz do STF, Gilmar Mendes, Rodrigo de Grandis rapidamente pulou do barco e deixou à deriva o delegado e hoje deputado Protógenes Queiroz, bem como o juiz Fausto de Sanctis, que, sozinhos, enfrentaram a pressão fortíssima da imprensa de mercado e de Gilmar Mendes, que, prontamente, concedeu dois hábeas corpus em tempo recorde ao banqueiro.

A conduta de De Grandis aproximou o procurador do grupo de José Serra e da imprensa corporativa, pois até hoje os processos e investigações que envolvem o PSDB não tramitam com a celeridade necessária e muito menos os investigados, acusados ou denunciados são levados, concretamente, à Justiça. Quem não sabe, por exemplo, que os escândalos do Banestado, da compra de votos para a reeleição de FHC, dos mensalões do PSDB e do DEM, da privataria dos tucanos, que alienaram o patrimônio público brasileiro, da Lista de Furnas e agora os casos Alstom e Siemens, dentre inúmeros outros escândalos, nunca foram levados aos tribunais, no que concerne aos envolvidos responder à Justiça e, se culpados pelos malfeitos, punidos e presos?

O que não pode acontecer é o MPF e o Judiciário atuarem e agirem de forma seletiva, ou seja, não republicana. Essas instituições públicas devem satisfação ao povo brasileiro, porque as carreiras de juízes e promotores são, indubitavelmente, ligadas à sociedade quase que umbilicalmente, pois são partes integrantes de defesa do poder público, que representa os cidadãos ao tempo que lhes servem. 

O procurador Rodrigo de Grandis pode não ter cometido malfeitos, como a prevaricação ou simplesmente exercer sua função de forma seletiva quanto à tramitação dos processos e às investigações e denúncias. Contudo, ele é investigado pela Corregedoria do MPF. Afinal, procuradores não deveriam ser gatos pardos, principalmente quando se trata do PSDB. É isso a

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