A audácia de Avigdor Lieberman
Um amigo e colega confiável jura que viu o seguinte incidente alguns anos atrás nos territórios ocupados por Israel. Um médico palestino, precisando urgentemente de permissão para viajar, estava tentando persuadir um soldado em uma barricada na estrada a permitir que ele continuasse até a próxima cidade. Primeiramente, ele tentou falar com o guarda sem expressão em hebraico, no qual muitos árabes são fluentes, mas não recebeu resposta. Então fez uma tentativa em inglês, que é algo como uma língua franca local, mas ainda assim não conseguiu resultado melhor. Após um intervalo desagradável de não-comunicação mútua, tornou-se evidente que a única palavra que o soldado israelense sabia era não, e a única língua na qual conseguia falar isto era em russo.
As palavras ocupação e desapropriação são jogadas por ali bem livremente, mas eu convido você a imaginar uma vida sob ocupação na qual o seu policial hostil da vizinhança nem mesmo falasse a língua do estado ao qual servia, para não dizer qualquer língua conhecida de você. Falando nisso, há uma considerável chance de que o soldado nem fosse judeu; é um segredo descoberto em Israel que dezenas de milhares de imigrantes russos usaram documentos falsificados como uma forma de saírem do seu país natal, fingindo exercitar o "direito de retorno". Então aqui está mais um insulto para encher aqueles cujos trisavós nasceram na Palestina, mas ainda assim são tratados como se vivessem lá apenas por consentimento.
Apesar disso, se você for um ex-leão-de-chácara nascido na Moldávia soviética, como Avigdor Lieberman, você pode vir morar na Terra Santa como de direito e tornar-se o líder de um partido que propõe instituir um "juramento de lealdade" não apenas para os cidadãos árabes do Estado de Israel, mas para todos os membros judeus de seitas religiosas ortodoxas que não se declaram como sionistas. E este partido grotesco, chamado de Israel Beiteinu, ou "Israel é nosso lar", é agora o influente, e o seu líder é o pistolão no processo eleitoral israelense.
No início de seu período como imigrante em Israel, Lieberman foi, por pouco tempo, um membro do Kach, o grupo histérico liderado pelo Rabino Meir Kahane, que era morbidamente obcecado com a vida sexual dos árabes e que gritava pela sua expulsão em massa ou - para empregar o eufemismo comum - "transferência". Agora, de alguma forma, ele refinou sua posição, pregando uma troca de territórios e pessoas que se aproximaria mais de uma partição ou mesmo de uma solução de dois estados. Mas como no caso de qualquer uma destas propostas, isto ainda deixa um grande número de árabes sob a soberania israelense, tanto na Cisjordânia como no "território" de Israel. Duvido que Lieberman esteja realmente falando sério quanto a quaisquer negociações de "terra para paz" -- ele discutiu até com Ariel Sharon sobre a retirada de Gaza, então, se fosse por ele, supostamente haveria mais colonos israelenses na faixa. Ele mudou todo o tom do argumento ao decidir questionar a presença dos árabes israelenses que, ao contrário dos seus primos sob ocupação, gozam do direito de cidadania e voto, bem como do privilégio de viver sob a bandeira israelense.
O melhor livro sobre esta comunidade extremamente interessante e negligenciada foi escrito pelo romancista israelense David Grossman em 1992, e se chama "Sleeping on a Wire". Ele contém micro-flashes de esclarecimento (como a probabilidade de que mais árabes israelenses falem hebraico do que judeus americanos) e também algumas reflexões memoráveis sobre a língua e sua relação com literatura e cultura. Todos lembramos que Maimônides escrevia fluentemente em árabe, mas talvez seja menos conhecido que: "A conversa cotidiana dos israelenses palestinos cintila com expressões da Bíblia e do Talmud, de Bialik e Rabino Yehuda Halevy e Agnon. O poeta Naim Araideh derrama: 'Você sabe o que significa escrever em hebraico para mim? Você sabe como é escrever na língua na qual o mundo foi criado?' "
Pode-se não desejar ir tão longe assim, mas permanece o caso que o marxista árabe-israelense Emile Habibi, autor do romance clássico "The Secret Life of Saeed: The Pessoptimist" foi premiado uma vez com o prêmio anual de Israel para melhor produção literária em hebraico.
Pode-se acrescentar que os mísseis do Hamás e Hezbollah caem sobre estas pessoas, também, em Jaffa e outras cidades, exatamente como eles caem sobre os armênios e drusos israelenses. As discussões e imbricações que unem e formam as camadas dos candidatos contraditórios à terra da Palestina são tão fortes quanto sutis, tão antigas quanto modernas. É por isso que Grossman ficou tão deprimido ao descobrir, no final do seu livro, que a lembrança de 1948 ainda estava nítida mesmo entre os mais bem-sucedidos e prósperos árabes israelenses e que todos eles se sentiam inseguros e secretamente temiam uma renovação da exigência pela sua expulsão. Em 1993, ele se sentiu capaz, até certo ponto, de tranqüilizá-los quanto a isto.
Agora temos que assistir ao surgimento de um brutamontes e um demagogo que tem exigido, com prazer, a execução dos membros árabes eleitos do Parlamento de Israel se eles se encontrarem com o Hamás, que tem exigido o afogamento dos prisioneiros palestinos no Mar Morto, cujos apoiadores cantam "Morte aos árabes" nos seus comícios, e que tem materializado os piores medos daqueles árabes que tem feito os ajustes de mais longa duração com o estado judeu. De qualquer forma, o estilo essencialmente totalitário e inquisitorial de Avigdor Lieberman pode estar ainda mais manifesto na sua insistência que os haredim não-sionistas, ou judeus devotos, também façam um juramento de lealdade ou percam a sua cidadania. Isto leva o machado à raiz da idéia de que os judeus têm uma presença em Jerusalém desde tempos imemoriais e que seus direitos resultantes não são derivados ou dependentes de qualquer estado ou qualquer ideologia. Será uma vergonha se Benjamin Netanyahu fizer uma aliança, mesmo que temporária, com Lieberman. Por mais questionável que o "direito de retorno" já possa ser, ele certamente não pode conceder o direito de expulsar.
Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor do livro "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo". Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.
Terra Magazine Quinta, 26 de fevereiro de 2009
Um comentário:
Qual a diferença entre comunofascismo e fascismo?
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