DE JULHO DE 2009
por Luiz Carlos Antero*
É falso o atual debate sobre a crise no Senado na medida em que é posto sobre os pilares do desespero neoliberal — remanescente das forças rejeitadas popularmente pelas urnas por sua desastrada condução do País.
Entretanto, como os problemas do Senado estão na sua origem secular e na tradição inoculada por essas mesmas forças - e sua mídia golpista - é natural que sorvam uma dose letal do seu próprio veneno.
Uma Câmara Alta instituída originalmente para abrigar o “andar de cima” (as oligarquias regionais brasileiras) e acomodar interesses econômicos vinculados a uma dependente pauta primário-exportadora, apenas em sua recentíssima história verificou pontuais e modestas mudanças em seu perfil. Logrou certa absorção de indivíduos de outras classes e camadas sociais, descomprometidas com a agenda da tradicional elite brasileira.
O povo entra aos poucos
Além disso, tanto quanto outras instituições republicanas, o Senado passou por lentas transformações, que tem um perfil progressivamente condicionado pela crescente participação popular na política.
Esta, intuitivamente exige maior consonância entre suas aspirações confessas por mais igualdade e até por uma sociedade mais justa e equânime, ao confrontar o comportamento de seus representantes e de suas casas legislativas, chafurdando essa nobre — porém amarga, reimosa e envenenada — sopa.
Mesmo com seus limites na condução da política macroeconômica, ainda submetida no essencial à gangorra financeira descolada da esfera produtiva que gerou a recente crise, o governo Lula nasce dessa insatisfação com a velha política, pois sua eleição e formação sufragaram uma liderança operária significativa dos novos tempos. E que, no Congresso Nacional, a muito custo, conquistou uma base hegemônica em seu segundo mandato.
Legado sem ruptura
Por isso, chamamos de contraditória a época atual, visto que estabelece a convivência entre novos e velhos elementos da política, oriunda de uma transição de ruptura. E são contraditórios os elementos de avaliação dos poderes republicanos, nos quais se abrigam, mais ou menos representativamente, as mais variadas correntes de pensamento e matizes partidários. É assim no Executivo, no Judiciário e no Parlamento, nos quais apenas o Executivo passou por mais expressivas mudanças progressistas.
Entretanto, é neste terceiro cenário que se concentra agora o foco principal das batalhas que anunciam as eleições de 2010, do mesmo modo que o Executivo foi o alvo central da oposição PFL (DEM)-PSDB - e de sua mídia - nas eleições de 2006.
Nesse enquadramento de um debate enviesado, o Senado foi posto diante de dois caminhos, apontados pelos que se debruçam sobre seus dilemas:
(1) da sua compulsória extinção por caducidade;
(2) da reformulação completa dos seus princípios e estrutura de funcionamento.
Adeus Senado?
por Luiz Carlos Antero*
É falso o atual debate sobre a crise no Senado na medida em que é posto sobre os pilares do desespero neoliberal — remanescente das forças rejeitadas popularmente pelas urnas por sua desastrada condução do País.
Entretanto, como os problemas do Senado estão na sua origem secular e na tradição inoculada por essas mesmas forças - e sua mídia golpista - é natural que sorvam uma dose letal do seu próprio veneno.
Uma Câmara Alta instituída originalmente para abrigar o “andar de cima” (as oligarquias regionais brasileiras) e acomodar interesses econômicos vinculados a uma dependente pauta primário-exportadora, apenas em sua recentíssima história verificou pontuais e modestas mudanças em seu perfil. Logrou certa absorção de indivíduos de outras classes e camadas sociais, descomprometidas com a agenda da tradicional elite brasileira.
O povo entra aos poucos
Além disso, tanto quanto outras instituições republicanas, o Senado passou por lentas transformações, que tem um perfil progressivamente condicionado pela crescente participação popular na política.
Esta, intuitivamente exige maior consonância entre suas aspirações confessas por mais igualdade e até por uma sociedade mais justa e equânime, ao confrontar o comportamento de seus representantes e de suas casas legislativas, chafurdando essa nobre — porém amarga, reimosa e envenenada — sopa.
Mesmo com seus limites na condução da política macroeconômica, ainda submetida no essencial à gangorra financeira descolada da esfera produtiva que gerou a recente crise, o governo Lula nasce dessa insatisfação com a velha política, pois sua eleição e formação sufragaram uma liderança operária significativa dos novos tempos. E que, no Congresso Nacional, a muito custo, conquistou uma base hegemônica em seu segundo mandato.
Legado sem ruptura
Por isso, chamamos de contraditória a época atual, visto que estabelece a convivência entre novos e velhos elementos da política, oriunda de uma transição de ruptura. E são contraditórios os elementos de avaliação dos poderes republicanos, nos quais se abrigam, mais ou menos representativamente, as mais variadas correntes de pensamento e matizes partidários. É assim no Executivo, no Judiciário e no Parlamento, nos quais apenas o Executivo passou por mais expressivas mudanças progressistas.
Entretanto, é neste terceiro cenário que se concentra agora o foco principal das batalhas que anunciam as eleições de 2010, do mesmo modo que o Executivo foi o alvo central da oposição PFL (DEM)-PSDB - e de sua mídia - nas eleições de 2006.
Nesse enquadramento de um debate enviesado, o Senado foi posto diante de dois caminhos, apontados pelos que se debruçam sobre seus dilemas:
(1) da sua compulsória extinção por caducidade;
(2) da reformulação completa dos seus princípios e estrutura de funcionamento.
Adeus Senado?
No primeiro caso, verificar-se-ia como vício incontornável seus defeitos congênitos no berço: enquanto Câmara Alta — ou seja, espaço exclusivo das elites bem nascidas —, perderia sentido contemporâneo e estaria destinado a um féretro tardio.
No segundo, teria sua existência precariamente confirmada pelas alterações verificadas em sua correlação de forças interna, desde a referida eleição, aqui ou acolá, de senadores atípicos no seu perfil conservador original, condenado porém a cortar na própria carne, corrigindo estruturalmente seus irreparáveis vícios congênitos, presentes em seu nascedouro.
De um modo ou de outro, cristianizar seu atual presidente pelos vícios monárquicos e republicanos da instituição se enquadra no velho fenômeno inspirado na hipocrisia de quem deseja alterar alguma coisa, imolando à mesa um dos seus comensais, para que tudo permaneça exatamente como está.
E apenas para desgastar e desmontar a base de apoio do governo federal, evitando que prospere a coalizão com o PMDB nas eleições de 2010 e suas repercussões no processo eleitoral.
Furiosa lógica udenista
No entanto, posta como consistente a furiosa lógica, seria mais adequado imolar todos os ocupantes dessa primeira-secretaria do Senado, um simbólico reduto do ordenamento de despesas da instituição, desde 1993, período de maior intensidade na produção de sinecuras, do PFL (DEM), titular de cinco mandatos nas mesas diretoras desse período — citados por Adalberto Monteiro em seu artigo “Sarney Diabo; Virgílio e Heráclito anjos & santos?”.
Neste sacrifício, seu atual titular, o senador Heráclito Fortes, do DEM, poderia alugar qualquer fantasia numa loja especializada, menos a de “moralizador”, ao exercer sua missão de patrulhamento dos pecados alheios, entretanto com a cauda em chamas.
Naquela mesma lógica, efetivamente seria elevado ao panteão dos incriminados até mesmo o paladino tucano da renúncia presidencial, senador Arthur Virgílio, que, numa penada comprometedora, empenhou-se para enfrentar uma onerosa temporada parisiense.
O passado é recente
Pois, na onda do imponderável, não é excessiva a lembrança de que, em seu período recente e distintas conjunturas e motivações, a história do Senado abrigou tensos e conturbados episódios como o que envolveu o ex-senador Luiz Estevão, seu primeiro e único membro cassado; e, noutra ocasião, em 2001, o falecido senador ACM e José Roberto Arruda, hoje governador do Distrito Federal, acusados de violação do painel eletrônico da Casa, que renunciaram aos seus mandatos na corrida contra a cassação.
Se a produção de “atos secretos”, fosse critério para punição, a patuléia udenista deveria repensar sua fúria. O Correio Braziliense revelou que, desde quando começaram os boletins com os 663 atos secretos do ex-diretor- geral Agaciel Maia, o atual presidente do Senado é o autor de 49 desses boletins em três mandatos. Há outros ex-presidentes com quase 100 ou mais de 100 boletins.
Mais: diz o CB que “Tião Viana (PT-AC), quando foi presidente interino, poderia ter lançado luz sobre pelo menos 207 dos 312 boletins registrados de 1995 até hoje, mas não fez nada”.
Combate de poucas trincheiras
A única “limpeza” a se verificar no Senado, portanto, além da necessária transparência nos seus atos e a justa responsabilização dos seus protagonistas, está na expectativa de uma mudança na sua correlação de forças nas urnas de 2010, quando o eleitorado terá a oportunidade de renovar dois terços de sua composição, sufragando candidatos de esquerda e colocando em seu devido lugar as forças conservadoras, de direita, responsáveis pelo seu perfil atual.
A imagem desse futuro que já começou — o acirramento da batalha indica uma disputa em mar aberto —, aponta para o caminho de um confronto que afasta do cotidiano o leito da civilidade e da tolerância. Quem deseja o repouso, se prepare para um combate de poucas trincheiras, de infinitas e ininterruptas escaramuças.
Expressam bem este ambiente certas consignas que revelam precaução e sabedoria, pouco importando controvérsias: ''Si vis pacem para bellum'' (''Se quer a paz, prepare-se para a guerra''), atribuída a Cícero e a Ápio Cláudio, o Cego; ou uma outra que consta na obra ''Epitoma Rei Militaris'', de Publius Flavius Vegetius: ''qui desiderat pacem preparet bellum'' (“Aquele que desejar a paz que se prepare para a guerra).
*Luiz Carlos Antero, Jornalista
Fonte:Portal Vermelho.
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