Eleições atualizam a correlação de forças no legislativo. Isso vai significar, neste ano, na redução das bancadas dos partidos do núcleo da direita (PSDB e DEM) e no fortalecimento da base parlamentar da presidenta Dilma Rousseff
Por José Carlos Ruy
O tempo político transcorre, nos parlamentos, em ritmo mais lento do que as mudanças vividas nas sociedades. Nas democracias de modelo ocidental, estas casas são como sítios arqueológicos de correlações de forças que existiram no passado. Principalmente no Senado pois, na Câmara dos Deputados, isto é relativizado. Além da renovação a cada quatro anos, ali existe a possibilidade da sintonia mais fina de muitos deputados e partidos que fazem daquela Casa uma espécie de caixa de ressonância das inquietações populares.
Já o Senado, com renovação mais lenta (os mandatos são de oito anos, e as eleições ocorrem a cada quatro anos, trocando 1/3 dos mandatos em uma e 2/3 em outra) e média de idade dos senadores mais alta, pode funcionar como um contrapeso para mudanças políticas maiores, contrapeso formado justamente pela permanência da correlação de forças ultrapassadas e que, devido aos longos mandatos de oito anos, mantém uma sobrevida em que o passado pode travar o futuro.
Este é o sentido da alteração dos objetivos eleitorais de demos e tucanos que, segundo os jornais, jogaram a toalha nesta eleição presidencial que as pesquisas de opinião dão como perdida para o candidato da oposição José Serra. Passam a privilegiar a disputa para o Senado, como recomendam a seus correligionários caciques da direita, em particular Fernando Henrique Cardoso e César Maia.
A escolha de novos senadores na eleição deste ano vai registrar o último suspiro da conjuntura política de 2002 ao renovar os mandatos ou mandar para casa os 54 mandatários eleitos naquele ano. Esta escolha se dará numa conjuntura nova e profundamente alterada pelas mudanças ocorridas desde que o presidente Lula assumiu, em 2003. O temor do cardinalato demo-tucano é perder aquelas posições que, fincadas na correlação de forças já ultrapassada de 2002, foram o bastião conservador contra as mudanças.
O ajuste da composição da Câmara dos Deputados e, principalmente, do Senado, com a nova correlação de forças que vai se constituindo, será - tudo indica - devastador para os partidos que formam o núcleo da oposição de direita, cujo desempenho é declinante desde 1998.
Declínio eleitoral
Em 1998 o então PFL (atual DEM) elegeu 90 deputados federais; foi caindo de eleição a eleição, chegando a 54 em 2006; calcula-se que agora elegerá, com sorte, 40 deputados federais, podendo perder o status de partido grande. O PSDB vive sorte semelhante: elegeu 83 em 1998 e 56 em 2006, e há quem considere que, no máximo, vai manter esse número na eleição deste ano.
No Senado, o cenário se repete. O DEM que, como PFL, elegeu cinco senadores em 1998, passou para 14 em 2002, caiu para seis em 2006 e, este ano, poderá eleger entre quatro ou cinco. O PSDB, por sua vez, passou de quatro em 1998 para oito em 2002, cinco em 2006 e este ano poderá eleger sete.
No saldo final, segundo a consultoria Patri, os partidos que apoiam a candidatura de Dilma Rousseff poderão formar uma base parlamentar de 342 deputados e 54 senadores, contra uma bancada da direita neoliberal e conservadora de 135 deputados e 31 senadores. São números que, se forem confirmados pelas urnas, darão uma confortável maioria parlamentar (2/3 nas duas casas legislativas) para o novo governo que, como as pesquisas indicam, será chefiado por Dilma Rousseff.
A reação da direita
Se a eleição deste ano terá uma particularidade, será a de registrar as mudanças ocorridas nos últimos oito anos. Elas são indicadas pelas tendências que as pesquisas eleitorais mostram e também pelos movimentos tectônicos que acometeram a oligarquia neoliberal, cujas bases que, no passado, foram verdadeiros currais eleitorais, hoje, migram para posições mais autônomas de afirmação democrática. Migração já visível nas últimas eleições, fazendo minguar principalmente as bases do DEM, com ênfase no interior do Nordeste.
A campanha eleitoral apenas confirma essa tendência. Há aqueles que desistiram de concorrer, como mostra o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). O DEM é o partido que tem maior número de deputados federais nessa situação pois temem o fracasso nas urnas. Da bancada de 56 deputados federais que o partido tem hoje, 13 desistiram. É um número alto: entre os 513 deputados que compõem a Câmara, apenas 34 não vão concorrer este ano, e os demos constituem mais de 1/3 deste número.
Outro exemplo da derrocada ocorre em Pernambuco onde o tucano infiltrado no PMDB, o senador Jarbas Vasconcelos, candidato ao governo do Estado, foi literalmente abandonado pela maioria dos prefeitos que o PSDB tem no estado. Dos 17 prefeitos tucanos em Pernambuco, 14 apóiam a candidatura do governador Eduardo Campos (PSB) à reeleição. "Aqui", reclama Jarbas, os tucanos "só têm criado dificuldade".
Senha para o golpe
No passado, quando viveu situação semelhante, a resposta dos conservadores não veio através das urnas, mas do golpe de Estado. A última eleição democrática ocorrida no Brasil antes de 1964 é um exemplo. Ela ocorreu em 7 de outubro de 1962 e confirmou a tendência de avanço político vivida desde o início da década de 1950, que se traduzia na diminuição da votação nos partidos conservadores e no grande crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro, que era então o estuário das esperanças de mudança. E também do voto nas coligações, configurando o fracasso da organização partidária montada para garantir a hegemonia conservadora desde o final da ditadura do Estado Novo.
A eleição de 1962 revelou o crescimento mais acelerado do PTB em relação aos partidos conservadores (Partido Social Democrático - PSD, e União Democrática Nacional - UDN). Entre a eleição de 1950 e a de 1962, o número votos do PSD cresceu 8% e da UDN, 23%. O PTB teve mais votos que a UDN (1,7 milhão contra 1,6 milhão dos udenistas) e um avanço de 37% naqueles doze anos. Os votos em coligações explodiram: passaram de 1,6 milhão em 1950 a 5,9 milhões em 1962, representando um crescimento de 277%.
A direita percebeu aqueles resultados como uma grave ameaça para seus partidos (PSD e UDN), representada pelo fortalecimento da tendência de uma mudança profunda na correlação de forças. O presidente da República era o petebista João Goulart, ligado aos sindicatos e sensível às demandas populares; e a luta por reformas sociais crescia, refletindo-se naqueles resultados eleitorais. O Brasil era outro, ainda fortemente agrário, onde o poder das oligarquias latifundiárias era muito forte e os avanços democráticos enfrentavam os obstáculos representados pela aliança de proprietários que unia fazendeiros, banqueiros, industriais, parcela considerável do alto clero e da cúpula das Forças Armadas, além de representantes do imperialismo.
Naquele quadro, a avaliação que o general Golbery do Couto e Silva fez do resultado da eleição de 1962 foi uma espécie de senha para a articulação golpista que levou à derrubada de João Goulart em 1964 e ao início da ditadura que durou duas décadas. Ele enxergou uma tendência "comuno-petebista" que inviabiliza uma opção eleitoral para os conservadores, impondo uma saída à margem das instituições, como declarou ao jornal norte-americano The New York Times.
O fantasma de Hugo Chavez
Em nossos dias, a direita conservadora revive aquele mesmo desconforto, mas sua capacidade de ameaçar - e de mobilizar forças para transformar rosnados em fatos concretos - parece menor. À beira do precipício, a cúpula do PSDB, partido do candidato neoliberal José Serra, deixa a disputa eleitoral em segundo plano e prioriza as eleições para governador em quatro estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás) e para o Senado. Há mesmo, entre os tucanos, aqueles cujo realismo sugere a avaliação pessimista da iminência do naufrágio do partido se não tiver sucesso nestas eleições para governadores.
A opção pelo Senado tem para eles o sentido estratégico de manter ali sua trincheira contra as mudanças. Os jornais dizem que Fernando Henrique Cardoso tem sido claro a seus interlocutores dizendo que precisam manter uma bancada de senadores capaz de ser um contrapeso contra as ações da Presidência da República. A experiência dos últimos oito anos mostra exatamente o que o ex-presidente tucano quer dizer: manter no Senado a capacidade para impedir as mudanças e uma tribuna através da qual possam difundir mentiras com o objetivo de mobilizar a parte da população sensível a seu discurso retrógrado.
Outro dirigente da direita que faz uma desenvolta defesa dessa opção é o ex-prefeito carioca César Maia, do DEM que, como FHC, brande como ameaça a imagem do presidente venezuelano Hugo Chávez - o demônio da hora da direita - e diz, claramente, que o "jogo" agora é “o controle do Senado”.
Além de manter a presidência da República e a perspectiva de continuar e fazer avançar as mudanças iniciadas sob Lula, a eleição deste ano precisa dar outro passo fortalecendo as forças da mudança na Câmara dos Deputados e no Senado, derrotando a direita e seu plano de preservar sua capacidade de criar obstáculos para o avanço social e democrático no Brasil. Portal Vermelho
Por José Carlos Ruy
O tempo político transcorre, nos parlamentos, em ritmo mais lento do que as mudanças vividas nas sociedades. Nas democracias de modelo ocidental, estas casas são como sítios arqueológicos de correlações de forças que existiram no passado. Principalmente no Senado pois, na Câmara dos Deputados, isto é relativizado. Além da renovação a cada quatro anos, ali existe a possibilidade da sintonia mais fina de muitos deputados e partidos que fazem daquela Casa uma espécie de caixa de ressonância das inquietações populares.
Já o Senado, com renovação mais lenta (os mandatos são de oito anos, e as eleições ocorrem a cada quatro anos, trocando 1/3 dos mandatos em uma e 2/3 em outra) e média de idade dos senadores mais alta, pode funcionar como um contrapeso para mudanças políticas maiores, contrapeso formado justamente pela permanência da correlação de forças ultrapassadas e que, devido aos longos mandatos de oito anos, mantém uma sobrevida em que o passado pode travar o futuro.
Este é o sentido da alteração dos objetivos eleitorais de demos e tucanos que, segundo os jornais, jogaram a toalha nesta eleição presidencial que as pesquisas de opinião dão como perdida para o candidato da oposição José Serra. Passam a privilegiar a disputa para o Senado, como recomendam a seus correligionários caciques da direita, em particular Fernando Henrique Cardoso e César Maia.
A escolha de novos senadores na eleição deste ano vai registrar o último suspiro da conjuntura política de 2002 ao renovar os mandatos ou mandar para casa os 54 mandatários eleitos naquele ano. Esta escolha se dará numa conjuntura nova e profundamente alterada pelas mudanças ocorridas desde que o presidente Lula assumiu, em 2003. O temor do cardinalato demo-tucano é perder aquelas posições que, fincadas na correlação de forças já ultrapassada de 2002, foram o bastião conservador contra as mudanças.
O ajuste da composição da Câmara dos Deputados e, principalmente, do Senado, com a nova correlação de forças que vai se constituindo, será - tudo indica - devastador para os partidos que formam o núcleo da oposição de direita, cujo desempenho é declinante desde 1998.
Declínio eleitoral
Em 1998 o então PFL (atual DEM) elegeu 90 deputados federais; foi caindo de eleição a eleição, chegando a 54 em 2006; calcula-se que agora elegerá, com sorte, 40 deputados federais, podendo perder o status de partido grande. O PSDB vive sorte semelhante: elegeu 83 em 1998 e 56 em 2006, e há quem considere que, no máximo, vai manter esse número na eleição deste ano.
No Senado, o cenário se repete. O DEM que, como PFL, elegeu cinco senadores em 1998, passou para 14 em 2002, caiu para seis em 2006 e, este ano, poderá eleger entre quatro ou cinco. O PSDB, por sua vez, passou de quatro em 1998 para oito em 2002, cinco em 2006 e este ano poderá eleger sete.
No saldo final, segundo a consultoria Patri, os partidos que apoiam a candidatura de Dilma Rousseff poderão formar uma base parlamentar de 342 deputados e 54 senadores, contra uma bancada da direita neoliberal e conservadora de 135 deputados e 31 senadores. São números que, se forem confirmados pelas urnas, darão uma confortável maioria parlamentar (2/3 nas duas casas legislativas) para o novo governo que, como as pesquisas indicam, será chefiado por Dilma Rousseff.
A reação da direita
Se a eleição deste ano terá uma particularidade, será a de registrar as mudanças ocorridas nos últimos oito anos. Elas são indicadas pelas tendências que as pesquisas eleitorais mostram e também pelos movimentos tectônicos que acometeram a oligarquia neoliberal, cujas bases que, no passado, foram verdadeiros currais eleitorais, hoje, migram para posições mais autônomas de afirmação democrática. Migração já visível nas últimas eleições, fazendo minguar principalmente as bases do DEM, com ênfase no interior do Nordeste.
A campanha eleitoral apenas confirma essa tendência. Há aqueles que desistiram de concorrer, como mostra o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). O DEM é o partido que tem maior número de deputados federais nessa situação pois temem o fracasso nas urnas. Da bancada de 56 deputados federais que o partido tem hoje, 13 desistiram. É um número alto: entre os 513 deputados que compõem a Câmara, apenas 34 não vão concorrer este ano, e os demos constituem mais de 1/3 deste número.
Outro exemplo da derrocada ocorre em Pernambuco onde o tucano infiltrado no PMDB, o senador Jarbas Vasconcelos, candidato ao governo do Estado, foi literalmente abandonado pela maioria dos prefeitos que o PSDB tem no estado. Dos 17 prefeitos tucanos em Pernambuco, 14 apóiam a candidatura do governador Eduardo Campos (PSB) à reeleição. "Aqui", reclama Jarbas, os tucanos "só têm criado dificuldade".
Senha para o golpe
No passado, quando viveu situação semelhante, a resposta dos conservadores não veio através das urnas, mas do golpe de Estado. A última eleição democrática ocorrida no Brasil antes de 1964 é um exemplo. Ela ocorreu em 7 de outubro de 1962 e confirmou a tendência de avanço político vivida desde o início da década de 1950, que se traduzia na diminuição da votação nos partidos conservadores e no grande crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro, que era então o estuário das esperanças de mudança. E também do voto nas coligações, configurando o fracasso da organização partidária montada para garantir a hegemonia conservadora desde o final da ditadura do Estado Novo.
A eleição de 1962 revelou o crescimento mais acelerado do PTB em relação aos partidos conservadores (Partido Social Democrático - PSD, e União Democrática Nacional - UDN). Entre a eleição de 1950 e a de 1962, o número votos do PSD cresceu 8% e da UDN, 23%. O PTB teve mais votos que a UDN (1,7 milhão contra 1,6 milhão dos udenistas) e um avanço de 37% naqueles doze anos. Os votos em coligações explodiram: passaram de 1,6 milhão em 1950 a 5,9 milhões em 1962, representando um crescimento de 277%.
A direita percebeu aqueles resultados como uma grave ameaça para seus partidos (PSD e UDN), representada pelo fortalecimento da tendência de uma mudança profunda na correlação de forças. O presidente da República era o petebista João Goulart, ligado aos sindicatos e sensível às demandas populares; e a luta por reformas sociais crescia, refletindo-se naqueles resultados eleitorais. O Brasil era outro, ainda fortemente agrário, onde o poder das oligarquias latifundiárias era muito forte e os avanços democráticos enfrentavam os obstáculos representados pela aliança de proprietários que unia fazendeiros, banqueiros, industriais, parcela considerável do alto clero e da cúpula das Forças Armadas, além de representantes do imperialismo.
Naquele quadro, a avaliação que o general Golbery do Couto e Silva fez do resultado da eleição de 1962 foi uma espécie de senha para a articulação golpista que levou à derrubada de João Goulart em 1964 e ao início da ditadura que durou duas décadas. Ele enxergou uma tendência "comuno-petebista" que inviabiliza uma opção eleitoral para os conservadores, impondo uma saída à margem das instituições, como declarou ao jornal norte-americano The New York Times.
O fantasma de Hugo Chavez
Em nossos dias, a direita conservadora revive aquele mesmo desconforto, mas sua capacidade de ameaçar - e de mobilizar forças para transformar rosnados em fatos concretos - parece menor. À beira do precipício, a cúpula do PSDB, partido do candidato neoliberal José Serra, deixa a disputa eleitoral em segundo plano e prioriza as eleições para governador em quatro estados (São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Goiás) e para o Senado. Há mesmo, entre os tucanos, aqueles cujo realismo sugere a avaliação pessimista da iminência do naufrágio do partido se não tiver sucesso nestas eleições para governadores.
A opção pelo Senado tem para eles o sentido estratégico de manter ali sua trincheira contra as mudanças. Os jornais dizem que Fernando Henrique Cardoso tem sido claro a seus interlocutores dizendo que precisam manter uma bancada de senadores capaz de ser um contrapeso contra as ações da Presidência da República. A experiência dos últimos oito anos mostra exatamente o que o ex-presidente tucano quer dizer: manter no Senado a capacidade para impedir as mudanças e uma tribuna através da qual possam difundir mentiras com o objetivo de mobilizar a parte da população sensível a seu discurso retrógrado.
Outro dirigente da direita que faz uma desenvolta defesa dessa opção é o ex-prefeito carioca César Maia, do DEM que, como FHC, brande como ameaça a imagem do presidente venezuelano Hugo Chávez - o demônio da hora da direita - e diz, claramente, que o "jogo" agora é “o controle do Senado”.
Além de manter a presidência da República e a perspectiva de continuar e fazer avançar as mudanças iniciadas sob Lula, a eleição deste ano precisa dar outro passo fortalecendo as forças da mudança na Câmara dos Deputados e no Senado, derrotando a direita e seu plano de preservar sua capacidade de criar obstáculos para o avanço social e democrático no Brasil. Portal Vermelho
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